Mariana Rios
O polêmico projeto de transposição do Rio Francisco não leva em consideração as mudanças climáticas, em curso no planeta. A ausência de estudos para prognosticar a empreitada de R$4,2 bilhões, dentro do impressionante cenário mundial de alterações ambientais, foi criticada pelo doutor em meteorologia Carlos Nobre, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que participou ontem do Fórum Baiano de Mudanças Climáticas, na Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). Segundo Nobre, precisa ser respondida uma questão fundamental: o que vai acontecer com as chuvas e o armazenamento hídrico dos açudes, dentro deste cenário? O descuido pode custar caro ao futuro das comunidades dependentes do rio.
“Se o fim (objetivo do projeto) é a segurança hídrica para cidades do Nordeste Setentrional é muito importante o estudo de impacto na capacidade das reservas hídricas dentro do quadro de impactos das mudanças climáticas e (isso) nunca foi feito. O paradigma não levou em conta as mudanças climáticas”, afirmou Nobre, que traçou um panorama crítico para o país, dentro do contexto de mudanças globais. Por ter uma economia fortemente baseada em recursos naturais, o Brasil está bastante vulnerável às mudanças climáticas, apresentadas como catastróficas pelo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), que publicou em fevereiro o primeiro relatório global em seis anos. Dentro de 30 anos, a temperatura do planeta deve subir 0,4ºC, o nível do mar aumentar em 15 centímetros e espécies terão o desaparecimento acelerado na Amazônia e nos grandes biomas brasileiros, principalmente a floresta tropical e o cerrado. Até 2100, o mar deve subir 60cm.
Por essa razão, explicou Nobre, nações de todo o mundo estão investindo em políticas de adaptação. “O Brasil não tem programa de adaptação, mas finalmente, de fevereiro para cá começou a discutir. Uma rede de pesquisa, ancorada no Inpe, vai cuidar dos estudos de adaptação”, explicou Nobre. De acordo com o pesquisador, já existem iniciativas estaduais, como no Rio de Janeiro, que analisa a conseqüência do aumento em um metro do nível do mar, que em certos bairros pobres adentrariam até dois quilômetros. A medida não é exagerada. Na Holanda, onde a preocupação com as mudanças climáticas recebe investimentos e pesquisas, estão sendo gastos bilhões de euros na construção de diques. Com o aumento do nível dos mares, o mar pode avançar até 10km em algumas áreas do país. Nobre destacou, no entanto, que a corda vai arrebentar para o lado dos mais pobres. “Para esses, a crise climática traz mais dificuldades e mais obstáculos para sair da pobreza”.
No Nordeste, além do aumento do nível do mar, atingindo cidades litorâneas, principalmente Recife (por conta da rede fluvial), a região semi-árida pode sofrer ainda mais com a escassez de água. “Se a temperatura continuar a subir, nós devemos esperar, daqui a algumas décadas, uma diminuição da disponibilidade hídrica. Ou seja, haverá menos água numa região onde a água já é muito escassa. Então, a vulnerabilidade social no Nordeste vai se tornar ainda maior”, declarou Nobre.
O quadro é desfavorável ainda para a agricultura no país com o aquecimento global. “Quanto mais quente, mas difícil fica o cultivo. O café arábica, consumido em São Paulo e Minas Gerais, desaparece com o aumento em 3ºC da temperatura. Pode ocorrer um pequeno ganho apenas no Rio Grande do Sul”, afirmou Nobre, na palestra que abriu a série de debates promovidos pela Superintendência de Recursos Hídricos (SRH). Os encontros para os debates “Diálogo das águas” prosseguem com especialistas sempre na última sexta-feira de cada mês, no auditório da SRH, no Itaigara.