Rodrigo Cascalles
Analista de mercado do CaféPoint
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – que trabalha junto a governos e comunidades em 166 países para melhorar a qualidade de vida de pessoas carentes – e o Fundo Ambiental Global (Global Environment Facility – GEF, sigla em inglês) – a maior financiadora de projetos ambientais em países em desenvolvimento estão apoiando o programa de certificação de café da Rainforest Alliance.
Não apenas as Nações Unidas, mas também diversas associações brasileiras vêm demonstrado preocupação com a sustentabilidade. A Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG) recentemente realizou, em São Paulo, um fórum para debater esse tema. O evento contou com apresentações de José Rezende, sócio da Pricewaterhouse Coopers, Luis Fernando Laranja, coordenador do programa de agricultura e meio ambiente da WWF-Brasil e Meire Ferreira, superintendente do ARES – Instituto para o Agronegócio Responsável, além de Roberto Waack, presidente do conselho consultivo do ARES e Carlo Lovatelli, presidente da ABAG.
Também a ABIC – Associação Brasileira da Indústria de Café elegeu como tema de suas atividades promocionais em 2008 o slogan “Café Sustentável, Consumidor Consciente”. A entidade pretende disseminar junto aos consumidores a importância da sustentabilidade econômica, social e ambiental do agronegócio do café.
Guivan Bueno, presidente da ABIC, destacou que “muitos desconhecem o que é uma atividade sustentável, associando o termo à idéia de proteção do meio ambiente. Um café sustentável é muito mais que isso: tanto a fazenda quanto a indústria adotam práticas saudáveis de trabalho, respeitam seus funcionários e colaboradores, promovem o crescimento das comunidades em que estão inseridas, e têm na atividade a fonte econômica para geração de renda e emprego”.
Bueno ressaltou que é importante o consumidor saber que, ao comprar um produto que foi feito respeitando-se os quesitos sociais e ambientais, está colaborando para a sustentabilidade do setor e apoiando iniciativas como alfabetização de adultos e crianças; exclusão da mão-de-obra escrava ou infantil e inclusão social, a partir da capacitação profissional dos milhares de trabalhadores de todos os segmentos do agronegócio.
Quanto ao Programa das Nações Unidas, o economista de recursos naturais, Andrew Bovarnick, em entrevista ao “Do Agricultor para o Mercado” – publicação trimestral da Rainforest Alliance – disse que ambas as organizações – PNDU e GEF – estão interessadas em mercados que possam ajudar a promover a conservação e sustentabilidade ambiental. Segundo ele, o uso da certificação para indicar que produtos são produzidos de forma sustentável é a chave para o aumento da conscientização dos consumidores. Isso possibilitaria a conservação da biodiversidade, local e global, e a melhoria da qualidade de vida das comunidades, ao mesmo tempo em que auxilia na competição por mercados internacionais.
Bovarnick, em sua entrevista, destaca que um dos objetivos do PNUD é, por meio da promoção do café sustentável, transformar a maneira como a qual os mercados globais funcionam e como consideram o meio ambiente.
De acordo com ele, muitos agricultores procuram aumentar seus lucros no curto prazo por meio de práticas não-sustentáveis com consequências que vão desde a poluição de rios e lagos, até erosões do solo, entre outros impactos destrutivos. “Por outro lado, a produção sustentável de café reduz o impacto ambiental e contribui para a conservação. Cultivar café em sistemas agro-florestais mistos pode prover habitat para muitas espécies de plantas e animais que são encontrados em florestas naturais”, afirma.
Em uma era de colapsos de ecossistemas e de mudanças climáticas severas, a habilidade de paisagens produtivas proverem local seguro para a vida selvagem tem se tornado cada vez mais crítica. O economista lembra que “o café sustentável pode ter impactos que vão muito além da fazenda em si. Um impacto que talvez seja de maior importância, contribuindo para melhorias em paisagens e eco-regiões inteiras de países produtores, é a criação de corredores ecológicos, complementando os sistemas nacionais de áreas protegidas”.
De acordo com ele, agricultores que adotam técnicas sustentáveis podem gerar renda de diversas fontes (lenha, frutas, etc.) – o que reduz sua dependência econômica exclusiva do café -, tornando-os menos vulneráveis aos mercados voláteis das commodities.
Quando se pensa no impacto global que a produção de café sustentável pode trazer, Bovarnick lembra que mais de 25 milhões de agricultores estão envolvidos na atividade. Os benefícios ambientais seriam sentidos em todo mundo, disse. “Além do mais, a maioria dos produtores são pequenos proprietários, com apenas alguns hectares de terra. A melhoria da sustentabilidade econômica da propriedade tem um impacto social positivo enorme em áreas rurais predominantemente pobres”.
“O fato do café ser um produto de alta visibilidade e com uma cadeia de fornecimento bem conhecida, nos dá uma oportunidade fantástica de demonstrar aos consumidores que estamos todos conectados, não apenas ao café, mas também em todos os bens baseados em recursos naturais”, destaca.
A participação da indústria cafeeira
As empresas têm um papel fundamental nessa contribuição ao meio ambiente. “Por meio da compra e venda de café sustentável elas podem conectar consumidores às diferentes formas de produção de café”, pontua Bovarnick. “As empresas podem colocar mensagens nas embalagens, em copos, em cafés, etc., educando milhões de pessoas todos os dias sobre a biodiversidade e sobre os trabalhadores que tornam seus cafés diários possíveis”.
Ele explica que outra possibilidade de ação sócio-ambiental mais direta, por parte das indústrias, seria a adoção de políticas de compras em larga escala de cafés sustentáveis. Isso influenciaria a maneira como os cafeicultores cultivam seu café e tratam seus empregados.
Muitas empresas já perceberam a presença desse movimento e estão tomando a liderança na disseminação da mensagem aos seus consumidores. De aviões a supermercados, aos comerciais de televisão, a mensagem sobre café sustentável está começando a ser notada, aponta Bovarnick.
A participação dos cafeicultores
O resultado da adoção de práticas sustentáveis reflete direta e indiretamente no bolso do cafeicultor. Bovarnick cita o exemplo de empregados melhor remunerados e treinados melhorarem a qualidade dos grãos processados, estes por sua vez, podem ser vendidos a preços maiores.
Quanto ao meio ambiente, ele lembra que água e solo melhor conservados, no longo prazo, irão melhorar a produtividade. Fora isso, de acordo com o economista “o mercado está cada vez mais recompensando práticas sustentáveis, com compradores de elite criando programas de compras preferenciais e oferecendo contratos de longo prazo para compra de volumes fixos”.
Participação de todos pela sustentabilidade
Garantir que o mercado funcione em prol da redução da pobreza e a conservação da biodiversidade é um dever de todos. Governos nacionais, agricultores e associações de cafeicultores, ONGs e consumidores precisam participar ativamente do processo, afirma Bovarnick.
“O projeto para certificação de cafés sustentáveis será implementado em seis países (Brasil, Colômbia, Peru, El Salvador, Guatemala e Honduras), através de sócios da Rede de Agricultura Sustentável, uma coalização de entidades sem fins lucrativos, a qual o Imaflora é o representante no Brasil e responsável por todas as atividades deste projeto no país”, informa Eduardo Trevisan Gonçalves, Coordenador Nacional do Projeto Café e Biodiversidade. O objetivo do Projeto Café e Biodiversidade, segundo Trevisan, é aumentar a demanda mundial por cafés certificados a partir das empresas e consumidores, criando um mercado crescente para a produção de cafés sustentáveis em áreas ricas em biodiversidade.
O café pode ser um dos produtos responsáveis por grandes transformações sociais e ambientais. A sustentabilidade é um fato e essa idéia cresce local e globalmente. Um mercado sustentável sempre foi uma necessidade, mas tomou força no momento em que mudanças climáticas e a possibilidade de escassez chamaram a atenção da mídia. A responsabilidade é de ambos, produtor ou industrial, e cada qual dentro do seu contexto pode aproveitar as oportunidades, todos também, enquanto consumidores.