Cafeicultores argumentam que cotação da bolsa está abaixo dos custos de produção e pode não ser o mecanismo correto de formação de preços
Cafeicultores estão questionando a eficiência do contrato da Bolsa de Nova York, o chamado Contrato C, para a formação dos preços internacionais do café. Em comunicado, o Grupo de Coordenação do Fórum Mundial de Produtores de Café manifestou sua preocupação, considerando que as cotações atuais não estão cobrindo os custos de produção.
“Preocupa os países produtores e outros atores que o contrato C atual não seja o mecanismo correto para se saber o preço e que, ao permitir o empobrecimento dos produtores, a indústria do café está arriscando seu próprio futuro”, diz.
O comunicado é assinado por associações de produtores de diversas partes do mundo, como México, Colômbia, Índia, Vietnã, além de representações coletivas de países africanos e centro-americanos. Da parte do Brasil, são signatários o Conselho Nacional do Café (CNC) e a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, na sigla em inglês).
A preocupação dos produtores é reforçada pelo momento de queda nas cotações do café bolsa norte-americana (ICE Futures US), onde os contratos são negociados a valores abaixo de US$ 1 por libra peso. Só para ser ter uma ideia, desde 25 de janeiro, quando atingiu a máxima do ano, de US$ 1,0990, o vencimento para maio de 2019 teve desvalorização de mais de 14% até a quarta-feira (27/3), quando fechou a US$ 0,9385.
Diante desse cenário, as entidades representativas dos produtores argumentam que o Contrato C sofreu mudanças ao longo do tempo e que, hoje, é reconhecido que as cotações estão abaixo dos custos. Afirmam ainda que uma das causas dessa situação é a especulação feita por fundos de investimento que “não compreendem ou não se importam com o café”.
No texto, o grupo lembra, citando dados da Organização Internacional do Café (OIC), que o café é produzido por cerca de 25 milhões de famílias ao redor do mundo. A maior parte é de pequenos produtores, que enfrenta dificuldades de conseguir renda. E avalia que o empobrecimento dos cafeicultores está destruindo o tecido social de mais de 40 países na África, Ásia e América Latina.
Entre as consequências dessa situação, os países produtores citam o alto fluxo migratório para os Estados Unidos e regiões da Europa e, em alguns casos, a troca dos cafezais por lavouras ilegais. Mencionam também o comprometimento da qualidade do café, já que a queda nos rendimentos inviabiliza os cuidados adequados com a lavoura.
“A promessa de sustentabilidade foca apenas em dois dos seus aspectos: ambiental e social. A sustentabilidade econômica, a renda dos cafeicultores, tem sido descuidada pela cadeia de valor com a premissa de que o mercado é o mercado e devemos deixá-lo governar”, diz o comunicado.
Conselho
O posicionamento, datado de 26 de março, foi distribuído em Nairobi, capital do Quênia, onde é realizada a 124ª sessão do Conselho Internacional do Café (ICC, na sigla em inglês). O encontro, com participação brasileira, vai até esta sexta-feira (29/3) e discute assuntos relativos à produção e o mercado de café.
“Existem sim, muitos questionamentos a respeito do contrato C. O Brasil mesmo, por diversas vezes, fez esse questionamento. Todos nós estamos tentando compreender o mercado e encontrar caminhos para os baixos preços”, explica o deputado federal Evair Melo (PV-ES), que integra a delegação brasileira em Nairobi e respondeu à reportagem via internet.
Segundo o parlamentar, o comunicado foi uma iniciativa dos países produtores, para fomentar o debate sobre a formação de preços. Melo reconhece a complexidade da situação. Avalia que governos e políticas públicas podem ajudar a cafeicultura, mas são insuficientes. De outro lado, não se deve entregar todas as decisões ao mercado livre.
“Em algum momento, será feito um diálogo com a indústria. Todos os esforços serão feitos e todos os atores serão chamados”, afirma o deputado.
Representante do Brasil junto a organizações internacionais sediadas em Londres, entre elas a Organização Internacional do Café (OIC), o embaixador Hermano Telles Ribeiro lembra que a dificuldade com os preços praticados no mercado de café não é nova. E que há anos se discute, no âmbito da própria OIC meios de se mitigar seus efeitos negativos.
O diplomata lembra que o mercado global de café movimenta cerca de US$ 200 bilhões por ano. Desse total, US$ 180 bilhões circulam nas regiões classificadas como consumidoras de café. Ao países produtores e exportadores, resta a fatia de US$ 20 bilhões.
“É preciso discutir uma estratégia comum, pensar em como podemos trabalhar em conjunto, harmonizar a visão dentro de uma tendência de aumento de consumo de café”, diz ele, que também está em Nairobi e conversou por telefone com Globo Rural
O embaixador pontua apenas que a discussão entre países produtores e consumidores de café deve considerar como princípio o livre mercado. “Estamos em um mercado que é livre e esse é o jogo. A resposta tem que ser dada pelo conjunto de países da família do café sem considerar qualquer método artificial de controle nem medidas unilaterais”, diz ele.