Produção de orgânicos não atende à demanda de consumo
Alex Pimentel
Setor varejista não tem a quem recorrer com aumento da procura por alimentos sadios e ecologicamente corretos
Encontrar frutas e hortaliças produzidas sem utilização de fertilizantes industrializados e de agrotóxicos nas prateleiras dos supermercados na maior parte do interior do Ceará não é fácil. A demanda é superior à oferta. Em muitos deles os alimentos ecologicamente corretos estão disponíveis apenas alguns dias da semana. Para garantir assistência à clientela, muitos varejistas vão buscar os produtos em Fortaleza, na Central de Abastecimento (Ceasa). Embora em média 30% mais caros, a preferência pelos orgânicos vem aumentando. Apesar da procura, somente 27% dos supermercados do País vendem esses produtos. Os dados são da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
A Associação Cearense de Supermercados (Acesu), filiada a Abras, ainda não tem levantamentos da situação real no Estado, todavia, confirma e segue o perfil nacional apontado pela Abras. Conforme o secretário da Acesu, Carlos Brito, no Ceará apenas o grupo Pão de Açúcar tem suporte para atender sua cadeia de lojas. Produz os seus próprios alimentos orgânicos, no Maciço do Baturité. Atualmente, a Acesu conta com 360 associados em todas as regiões do Ceará. Mas o número de supermercados é bem maior. São mais de 30 redes. Cada uma delas possui em média 25 unidades de comércio varejista, acrescenta Brito.
Em Quixadá, onde se concentra a maior área comercial do Centro do Estado, a maior rede individual do setor, os Supermercados São Geraldo, tem atualmente apenas a alface disponível nas suas prateleiras. Todos os dias funcionários do São Geraldo viajam para a Ceasa. Segundo o gerente Ângelo Nazareno, é o local mais próximo para adquirir a mercadoria especial. “Certo é apenas o fornecimento de poucas hortaliças. O resto é convencional mesmo”. Não há como garantir constância de variedade para a clientela, embora a procura esteja aumentando. Para ele, ainda vai demorar um pouco até os orgânicos “deslancharem” no interior.
O grupo chegou a adquirir por algum período uma diversidade de verduras, legumes e até frutas orgânicas. O fornecedor desapareceu. Conforme o gerente, pequenos produtores até procuraram o supermercado, todavia não demonstraram ter suporte para assegurar o fornecimento contínuo dos produtos. Foi melhor não fechar negócio. Para atender as três lojas é necessário ter estrutura logística. Aproximadamente 10 toneladas de frutas e hortaliças são comercializados semanalmente. Quanto aos preços, os consumidores são conscientes do acréscimo de 20 a 30% acima do valor de mercado em relação aos produtos comuns.
Investimentos
O gestor comercial da Associação de Mercadinhos de Quixadá (Ameq), Falconieris Araújo, também sente o problema. Nos 16 mercadinhos filiados à Ameq, dos orgânicos, há apenas a alface hidropônica como opção e “não tem para quem quer”. Na opinião dele, é preciso acelerar os investimentos e o incentivo nesse tipo de produção. Mercado existe e a tendência é aumentar. Por meio da mídia, as pessoas ficam mais informadas a respeito dos agrotóxicos e se preocupam mais com a própria saúde. Os orgânicos estão sendo cada vez mais procurados.
A dona-de-casa Anunciada Rodrigues Ferreira confirma o interesse pelos orgânicos. Lamenta não existirem nos supermercados da cidade. Consciente dos benefícios à saúde, compra quando vai a Fortaleza. Traz feira completa, pelo menos uma vez por mês. Diferença nos preços, em média apenas 10%. Para ela, se o comércio desses alimentos se normalizar na sua cidade os preços vão cair.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Desafios para o crescimento da agricultura
Existem muitos desafios para um amplo desenvolvimento da agricultura orgânica/agroecológica no Ceará, dentre eles está no reduzido número de campanhas de sensibilização, capacitação de produtores rurais e consumidores para a produção propriamente dita e os benefícios da produção orgânica a saúde de produtores rurais, consumidores e para o meio ambiente. No entanto, o crescimento da demanda é verificado em algumas localidades, principalmente em grandes centros urbanos, pois é crescente (ainda que lento) também o nível de informação da população (consumidores) sobre os efeitos nocivos dos agrotóxicos à saúde humana e ao meio ambiente. O Brasil está entre os maiores produtores de orgânicos do mundo, na terceira posição em área (mais de 1,7 milhões de hectares).
Hermínio Lima*
Engenheiro Agrônomo
MAIS INFORMAÇÕES
Associação Cearense de Supermercados: (85) 3246.4411
Associação Brasileira de Orgânicos (Brasilbio): (47) 3422.9430
SAÚDE
Alimentos são para a merenda escolar
Quixadá Nazareno, Falcão e Anunciada ficaram surpresos ao saberem da produção mensal de quase 20 toneladas de orgânicos no seu Município. São cultivados em 25 hortas, a maioria delas em forma de mandalas. Estão espalhadas pela periferia da cidade e comunidades rurais, dentre as quais o Riacho do Cipó, São João dos Queiroz, Califórnia e Lagoa do Mato no Distrito de Cipó dos Anjos. Segundo a nutricionista da Secretaria Municipal de Educação, Liduína Lavor, toda a produção é destinada as escolas da rede pública, no período letivo. Frutas, legumes e verduras são utilizados em sopas, sanduíches, sucos e vitaminas.
Para assegurar a qualidade dos produtos, sem utilização de agentes químicos nocivos à saúde, a nutricionista e sua equipe visitam todos os canteiros de cultivo. O resultado é constatado no sabor dos alimentos, além de mais nutritivos e saudáveis, também são mais saborosos. Para ela, esses ingredientes estão atraindo outros consumidores. “Todavia, é preciso produzir mais, muito mais”. A produção atual atende somente 50% dos 14 mil alunos das escolas do Município. Mesmo assim, agricultor familiar está lucrando. A Prefeitura de Quixadá paga R$ 30 mil mensais pelos insumos alimentares.
A Associação Brasileira de Orgânicos (Brasilbio) confirma. Os pequenos são os que mais lucram com o aumento do faturamento no setor. Em 2011, os produtores devem faturar 40% acima dos R$ 500 milhões registrados no ano passado. A expectativa é chegar a R$ 700 milhões neste ano. Em entrevista à Agência Sebrae de Notícias, o presidente da Brasilbio, José Alexandre Ribeiro, disse ainda ser muito baixo o volume de produção, mas este é um movimento novo, com tendência a crescer muito. “E quem mais lucra são os pequenos. A maioria dos produtores no Brasil são agricultores familiares. Vendem para grandes varejistas e atacadistas”.
Dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), apontam para cada R$ 100 vendidos pelos supermercados brasileiros, apenas R$ 0,54 são lucrados com a venda de produtos orgânicos. Mas a demanda está crescendo. Há alguns anos poucos varejistas investiam na comercialização dos itens. A expectativa da Abras é de crescimento nas vendas de orgânicos entre 30% e 40% em 2011.
Estrutura
Para o técnico do Instituto Agropolos, engenheiro agrônomo Hermínio Lima, a maioria dos produtores orgânicos, de base familiar, estão distantes dos grandes centros comerciais. Ainda não possuem estrutura para garantir o escalonamento da produção, volume, diversificação de produtos e técnicas de pós-colheita como seleção, embalagem e selos. Os custos dos produtos em gôndolas na Capital são mais elevados para os padrões de consumo porque ainda inexiste uma logística eficiente para uma margem de preços atrativa para a população. As despesas com frete, certificação e embalagens são por conta dos produtores.
O técnico também alerta: “grande parte dos orgânicos ainda chega aos supermercados via atravessador, aumentando os preços”. Por isso, a maioria dos produtores orgânicos é estimulado a vender seus produtos direto aos consumidores, em feiras, favorecendo a margem de lucro para quem produz e bons preços para quem compra. Outra ação é fomentar a venda dos produtos da agricultura familiar para os programas governamentais como o da alimentação escolar (Pnae) e da aquisição de alimentos (PAA).
Os supermercadistas de Quixadá apontam como gargalo do problema a desorganização e a produção inconstante. O reflexo pode ser observado nas próprias hortas. Nas férias escolares os agricultores reduzem o plantio. Cultivam apenas o suficiente para atender a clientela na porta de suas lavouras.