Mais que um modismo
Mais que um modismo
A produção brasileira de café orgânico vem despertando o interesse de mercados atraentes, como o japonês e o norte-americano, que a cada ano aumentam sua demanda e pagam bem pela qualidade deste produto especial.
Os japoneses ficaram encantados. Mas não só eles. Também os americanos, suíços e os próprios brasileiros têm visitado as lavouras de café orgânico em Minas Gerais e em São Paulo e todos voltam para casa de boca aberta com a qualidade da produção e da bebida. E o melhor: todos dispostos a pagar entre 15% e 50% acima dos preços dos cafés comuns. Um exemplo foi a visita dos executivos da Nitto Coffee Corporation, que estiveram em julho do ano passado em algumas fazendas produtoras de café orgânico da região mineira de Machado, e do interior paulista, em Mococa e Pindamonhangaba, e de outras empresas japonesas que têm viajado periodicamente por essas lavouras.
O interesse deles pelo café orgânico é justificado pelo crescimento que o produto vem obtendo no mercado japonês, uma taxa de 10% ao ano, e que já representa um negócio estimado em cerca de US$ 200 milhões. Uma parte desta vultuosa soma tem vindo consagrar os esforços dos persistentes produtores de café orgânico brasileiro, que atualmente produzem perto de 40 mil sacas, em cerca de 22 fazendas entre Minas e São Paulo, hoje associadas à ACOB – Associação da Cafeicultura Orgânica do Brasil. Detalhe: em 1998 eram apenas 10 produtores, produzindo cerca de 26 mil sacas. Segundo Ivan Caixeta, produtor e presidente da entidade, a idéia é aumentar em 20% a produção para 2000. “A tendência é que a produção cresça gradativamente, porque há interesse por parte dos compradores. Mas é um tipo de produção trabalhosa em que só quem tem uma identificação com a proposta consegue trabalhar bem”, afirma.
Pioneirismo e certificação
Uma das fazendas que os executivos da Nitto Coffee Corporation visitaram em Machado foi a do próprio Ivan Caixeta e de sua família, a Gerezim, que ele toca com seu pai, Isaltino Pereira Caixeta, e quatro irmãos. Esta propriedade é hoje uma das que mais chamam a atenção por sua produção e pela demanda por seu café especialíssimo, produzido de forma natural e sem agrotóxicos. No entanto, quando iniciaram a lavoura do café orgânico, há sete anos, produzir sem a ajuda de produtos químicos parecia impossível.
Engenheiro-agrônomo e professor da Escola Superior de Agricultura e Ciência de Machado, Ivan Caixeta lembra que quem teve a idéia de iniciar esse plantio foi seu tio, Carlos Fernandes Franco, o pioneiro na produção de café orgânico no Sul de Minas. De acordo com ele, seu tio Carlos trocou o modo convencional de plantio pelo orgânico porque percebeu que estavam ocorrendo problemas sérios de intoxicação por produtos químicos na região. “Ele fez um levantamento e viu que o risco era grande e resolveu partir para a produção sem agrotóxicos”, conta.
Segundo o próprio Franco, cuja família sempre esteve ligada ao café, desde o seu bisavô, sempre houve uma preocupação com o uso de agrotóxicos o mais limitado possível na sua fazenda. “Sempre evitei os agrotóxicos e nunca usei produtos como o DDT, por exemplo”, diz ele, com a experiência de quem, aos 72 anos, sempre viveu do café e administra uma fazenda, a Jacarandá (que já ganhou até um livro editado em japonês, fora edições em revistas e jornais japoneses), com 210 hectares, dos quais 80 plantados com café, hoje com certificação de orgânico pela ACOB e por entidades internacionais. “Nossas lavouras são diferentes, pois grande parte do cafezal é composto por lavouras velhas, com até 40 anos”, diz ele, que produz atualmente cerca de 1.800 sacas beneficiadas por ano e exporta para a Organic Coffe Association, do Japão, dentro do que se convencionou chamar “fair trade”, ou “comércio justo”, no qual busca minimizar a intermediação, vendendo diretamente para o comprador no Japão, uma espécie de parceiro, “que tem as mesmas preocupações que nós com relação à ecologia e que nos ajudam comprando parte da produção com pagamento adiantado”.
Mudança gradativa
Para os produtores que, entretanto, querem entrar no negócio, é bom saber que não é apenas a não-utilização de agrotóxicos que define o café orgânico como tal. Esta seria apenas uma primeira etapa, na qual o uso de agrotóxicos é abolido, mas ainda se usam adubos químicos em dosagens reduzidas. Nesta fase o café pode ter um tipo especial de certificação, a SAT – Café Sem Agrotóxico, que pode ser fornecida por ONGs como o Instituto Biodinâmico de Botucatu (SP) ou a Associação de Agricultura Orgânica de São Paulo (AAO).
Este tempo de redução do adubo químico, que dura cerca de três anos, permite que o solo vá se acostumando e se recuperando, para poder produzir com seus próprios recursos ou com uso de adubos naturais. Mas Ivan Caixeta, da ACOB, avisa que, ao passar da produção convencional para a orgânica, há uma queda de 30% na produtividade, “que vai se recuperando aos poucos e aumentando na ordem de 5% ao ano”. O segredo, segundo ele, é que “a cafeicultura convencional usa o solo apenas como substrato, enquanto nós cuidamos dele para que ele cuide do café”, explica, acrescentando que a base da produção orgânica está no solo, que tem que ser avaliado de seis em seis meses, para controle do produtor. “Por isso temos uma característica diferenciada em nossos cafezais. Ao contrário do plantio convencional, nossa produtividade vai crescendo gradualmente com os anos, graças ao solo mais bem tratado”, afirma.
Outra característica interessante que vem sendo detectada na produção do café orgânico, de acordo com Caixeta (que fornece o café orgânico para a torrefadora Gazzola Chierighini, que produz o Ituano Greenpeace, torrado e moído), é que “temos percebido, até pela reação de compradores, como os suíços, que a bebida é geralmente mole ou estritamente mole”. “Na década de 60, quando o Brasil ainda não utilizava tantos agrotóxicos e adubos químicos, a bebida brasileira era predominante- mente mole, enquanto mais recentemente é predominantemente dura. Estamos começando a pesquisar a correlação entre os modos de produção e o tipo de bebida para verificar se esta tese se comprova”, conta.
Um problema, no entanto, que pode ser sentido pelos cafeicultores ao passarem da produção convencional para a orgânica, segundo Caixeta, é que no primeiro ano da troca do sistema de produção é possível ocorrer maior incidência de pragas e doenças no cafezal. “Isso é equilibrado pela própria natureza, a partir do segundo ano de produção, quando os inimigos naturais começam a agir e a proteger as plantas”, ensina.
Mais trabalho e boa bebida
A propriedade, que hoje é uma das que mais chamam a atenção pela sua produção Embora produzir café orgânico seja lucrativo, é também bastante trabalhoso. Produzir café orgânico, embora possa ser lucrativo, é também bastante trabalhoso, segundo o próprio Caixeta que, no seminário realizado durante a 22ª Festa do Café de Espírito Santo do Pinhal (SP), em maio de 98, afirmou que um dos desafios da produção orgânica é baixar custos e aumentar a produtividade. Mas o fato é que, segundo ele mesmo, cuidados específicos são necessários para que se obtenha não só a Certificação junto às ONGs responsáveis, mas também uma boa bebida.
Em primeiro lugar, as culturas orgânicas têm que estar isoladas das lavouras vizinhas que usam agrotóxicos. A distância ideal é de algo entre 10 a 15 metros, porque, de outra forma, o agrotóxico pode passar de uma para outra lavoura. A mão-de -obra também é mais cara, pois o trabalho dos empregados que lidam com essas lavouras é maior. Por exemplo, a capina tem que ser manual e não química, e nenhum fertilizante químico é usado, a não ser húmus e outros compostos orgânicos encontrados no meio rural, como torta de mamona, resíduos de soja, feijão e até casca de café misturados com esterco de suínos, bovinos ou de aves. E tudo em doses certas, recomendadas pelas análises de solo e pela entidade que concede a certificação do produto. Mas, se isso significa mais trabalho para os empregados, significa também, segundo Caixeta, salários melhores e melhor qualidade de vida, já que eles não estão expostos a produtos químicos que podem intoxicá-los.
Para combater pragas e doenças também podem ser utilizados alguns produtos naturais, como a calda bordaleza e a calda viçosa sem uréia, feitas à base de produtos minerais, ao passo que o bicho-mineiro é combatido com extrato de nicotina.
Todos esses cuidados, de acordo com Caixeta, resultam em uma boa bebida, e o produto, cuja maior parte é exportado, chega a alcançar cotações compensadoras. “Mas os custos também são maiores. Se a saca convencional sai hoje por cerca de R$ 170,00, segundo alguns produtores, a orgânica pode variar entre R$ 145,00 e R$ 200,00”, afirma.
No entanto, se depender de empresas como a Cargill Suíça, a Mitsubitshi, a Aji-no-Moto, a Sustentable Harvest Imported norte-americana, e até mesmo dos dirigentes da Bolsa de Nova York, que recentemente visitaram as fazendas de café orgânico brasileiras, fora grupos brasileiros, como a torrefadora Santa Clara, do Nordeste, que está fechando contrato para compra de café orgânico, e da Café Bom Jesus, do Rio Grande do Sul, que também está em conversações com os produtores de orgânico, todo este esforço para produzir café dentro dos padrões de sustentabilidade e de manejo orgânico será recompensado. E bem.
“Por incrível que pareça, hoje o nosso problema é falta de produção. Como somos produtores de pequeno ou médio porte, no máximo, temos uma produção limitada, o que dificulta fechar acordos de maior vulto”, explica Caixeta, que em março de 2000 pretende realizar em Machado o I Seminário Internacional de Fair Trade e Comercialização de Café Orgânico, em conjunto com grupos japoneses interessados na produção brasileira. “Tanto os japoneses quanto compradores de outros países têm um interesse especial pelo café orgânico brasileiro. Isso porque a produção em outros países também é muito limitada, e a brasileira tem um grande potencial de crescimento”, comenta.
Normatização e Pesquisas
Um bom termômetro do sucesso do café orgânico junto ao mercado é o recente interesse do Ministério da Agricultura em normatizar este tipo de produção, e não só de cafés, mas também de outros produtos agrícolas. O Ministério criou uma comissão para estudar as normas de produção orgânica e o objetivo é unificá-las para facilitar a importação e exportação. Desta comissão já saíram algumas normas que vêm norteando o mercado.
A Secretaria Municipal de Agricultura e Agropecuária de Juiz de Fora (MG) também vem mostrando interesse em divulgar a agricultura orgânica, assim como representantes de órgãos como Emater e Universidade Federal de Viçosa, que têm visitado propriedades como a do engenheiro-agrônomo Bernardo Maestrini, que produz hortaliças, legumes e frutas de forma orgânica, em parceria com o também engenheiro-agrônomo Alfredo Guimarães, na região de Juiz de Fora. Segundo Maestrini, ainda há uma grande falta de conhecimento do que seja agricultura orgânica. Em entrevista ao jornal Estado de Minas, ele declarou: “Estamos na fase de acerto e erro”. Isso porque, conforme explicou, a discussão ainda não chegou aos meios científicos e acadêmicos, e o que se conhece deste tipo de produção vem de experiências individuais e empíricas.
Para mudar esta realidade e buscar mais dados de pesquisa sobre produção de Café Orgânico, a ACOB fez um convênio com a Universidade de Lavras/Feap (Fundação de Apoio ao Ensino e Pesquisa) para desenvolver pesquisas de analise de custos de produção, pragas e doenças, conservação de solo “e também sobre as qualidades sensoriais da bebida”. “É uma forma de termos mais dados com os quais trabalhar”, analisa ele.
Todo esse interesse que o Ministério da Agricultura e órgãos como Emater e universidades começam a manifestar tem, na verdade, um grande e decisivo motivador: o consumidor, cada vez mais preocupado com saúde e qualidade de vida e que, principalmente em países como Japão e Estados Unidos, está disposto a pagar mais por isso.
PRODUÇÃO – Jornal do Café – Ano VIII – Número 96 – Junho/1999