Primeiro astronauta brasileiro a ir ao espaço, Marcos Pontes é filho de Vergílio Pontes, servente do Instituto Brasileiro do Café

texto: Rodrigo Cardoso
foto: NASA

29 de março de 2006 | Sem comentários Entrevistas Mais Café
Por: Revista Isto e Gente
















“Na volta, vou abraçar e beijar
muito’’

Primeiro
astronauta brasileiro a ir ao espaço, Marcos Pontes diz que conversou com os
filhos sobre a possibilidade de acidentes e conta que não é simples ir ao
banheiro na espaçonave

 
 















“Marcos! Marcos! São seis horas. O café está
pronto. Coragem! Vamos lá!” Era cedinho, fazia frio em Bauru e Vergílio
Pontes, servente do Instituto Brasileiro do Café,
balançava o ombro do
filho, Marcos Pontes, sentado ao lado da cama do garoto. No caminho do trabalho
– Marcos foi eletricista da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) dos 14 aos 17 anos
–, o aroma do café, a brisa fria no rosto e o perfume de mato molhado
acompanhavam a caminhada de pai e filho na estradinha de terra à beira dos
trilhos do trem.


Marcos, hoje tenente-coronel da Aeronáutica, 43 anos e
astronauta formado na Nasa, terá 800 km a percorrer longe do pai. Primeiro
astronauta brasileiro a ir ao espaço, ele vive a expectativa de concluir uma
missão fora da Terra. De quarta-feira 29, às 23h30 (horário de Brasília), até 9
de abril, a nave Souyz transforma-se em lar para Marcos e mais dois astronautas
– um americano e um russo. Do Casaquistão, a base de decolagem, até a Estação
Espacial Internacional, Marcos protagoniza a odisséia brasileira no espaço, meio
século depois do pioneiro russo Yuri Gagarin entrar em órbita, em 1961. Na
viagem que custou US$ 10 milhões ao Brasil, estão previstos experimentos com
bactérias e sementes e o brasileiro é responsável por oito deles.“Vai estar tudo
bem. Deus vai ajudá-lo. Ele é corajoso, gosta da atividade”, diz Vergílio, o
pai, 88 anos.


Casado, pai de Fábio, 19 anos, e Carol, 15, o astronauta mora em
Houston, recebe US$ 6.300 por mês, já pilotou Mig, F-15 e acumula 2000 horas de
vôo. Torcedor do Santos, fã de Robinho, que hoje atua no Real Madrid, time
espanhol repleto de estrelas, Marcos concorda que, assim como o jogador que fez
história no seu time de coração, ele também poderá ser intitulado galáctico.


Como lida com o
medo?

Nós, pilotos militares, civis e outros profissionais da
atividade aérea e espacial, temos o treinamento para enfrentar a maioria das
condições de emergência. Um vôo espacial possui um nível de risco elevado
comparado a outras atividades profissionais. Um treinamento intenso e 25 anos de
Força Aérea ajudam a manter o medo funcionando a nosso favor nas situações de
risco. Ele nos dá atenção e agilidade necessárias aos procedimentos de
emergência.


Como é para seus filhos ter um pai
astronauta?

Ter amigos que acham “legal”, fotos na parede do
quarto, perguntas para responder sobre espaço, usar bastante o telefone para
falar com o pai, um certo orgulho, agüentar o pai criticando a física das cenas
dos filmes de ficção científica. Na escola, os amiguinhos sempre sugerem que
eles façam os trabalhos de ciências com temas espaciais. Eles já se acostumaram.
Afinal, são 8 anos nessa profissão e Houston tem vários astronautas.


Conversou com eles sobre a possibilidade de um
acidente?

Sou piloto de combate e piloto de provas desde
antes do nascimento do Fábio e da Carol. Eles já viram muitos amigos meus terem
acidentes. Sempre conversamos abertamente sobre o fato e as possibilidades. É
importante para eles entenderem o motivo de tanto tempo de trabalho fora de casa
ou em casa, na preparação.


Está em treinamento desde
quando?

Desde que cheguei a Star City, em 13 de outubro. O
treinamento para uma missão na Soyuz dura de 8 a 13 meses. No meu caso, devido à
data de decolagem, o treinamento teve de ser feito em 5 meses! E foi possível
pela minha experiência de sete anos de treinos na Nasa. Os finais de semana e
feriados foram usados para colocar a matéria em dia. Cervejinha? Já viu a
temperatura lá fora! Hoje me encontro plenamente preparado para o vôo…e de
forma nenhuma apreensivo.


Qual será o menu no
espaço?

Carne, vegetais, sopas, arroz, biscoitos, sucos, água
e chá. Os comprimidos e pastas que alimentaram os mitos sobre o assunto são
coisa do passado. Os pratos atuais são saborosos. Os alimentos são embalados em
porções individuais, concentradas, para reduzir seu volume, ou desidratadas,
para reduzir a massa. Cada tripulante tem sua caixa de alimentos com nome e um
kit com um abridor de latas, duas colheres e um garfo. Temos meia hora para café
da manhã, uma hora para almoço e 30 minutos para o jantar. Meses antes do vôo,
passamos uma semana degustando comidas espaciais. Cada uma recebe notas de 1
(detestei) até 9 (adorei). Fazemos as refeições à mesa. Pés presos sob a mesa,
recipientes fixados por velcro. Na cabeceira fica o sistema de fornecimento de
água reciclada, recuperada de condensação do ar da espaçonave.


Como se dá a
higiene?

Primeiro é necessário conectar-se ao vaso sanitário.
Depois, assegurar-se que “nada” irá retornar ao “local de origem” ou, pior,
ficar flutuando pela cabine. Ir ao banheiro no espaço não é simples. Conselho
útil: nunca deixar para a última hora! Na frente do vaso há suportes para os pés
e fitas cobertas com velcro que são ajustadas ao redor dos pés. No centro, na
parte dianteira do vaso, o sistema possui um tubo para a coleta de urina. Na
ponta do tubo encaixamos um adaptador que, por sua vez, é adaptado no
tripulante. Uma sucção regulada de ar para interior do sistema direciona o
material produzido.


Nada é lançado no espaço…

Nada. Após o pouso, o material é recolhido e descartado. Uma
curiosidade: o orifício do vaso sanitário, por onde passam os sólidos, tem só
oito centímetros de diâmetro, bem estreito! Não há água de descarga, ou seja, é
necessário “alinhar e acertar” o orifício. É bom não errar o alvo! Para auxiliar
na tarefa de “apontar”, há uma câmera dentro do vaso, que produz imagens vistas
pelo tripulante em um monitor na parede do banheiro. Nessa profissão temos que
nos conhecer completamente – às vezes, até mais do que gostaríamos!


O que mais o incomoda num ambiente
de gravidade zero?

A perda da densidade óssea, do tônus
muscular e redistribuição líquida. Por isso a importância de um bom
condicionamento fisiológico, não físico, antes do vôo. Depois do vôo, ficarei de
10 a 15 dias fazendo recuperação na Star City.


Dá para se sentir
herói?

Eu me sinto como sempre senti: Marcos Pontes,
brasileiro, filho de Vergílio Pontes, servente do IBC, e Zuleika Navarro Pontes,
escriturária da RFFSA. Sirvo o meu País. Na missão, levando a bandeira do
Brasil, represento fora da superfície do planeta a minha nação. Isso me dá
orgulho. Dedico minha vida e vou continuar dedicando às causas que acredito. A
vida só tem sentido assim. É assim que sou feliz.


Quando criança, passava o tempo
olhando as estrelas e a Lua?

Sonhei em ser piloto da Força
Aérea. Ia ao aeroclube de Bauru
assistir a pousos e decolagens. E ouvia os
pilotos que sentavam para bater papo depois dos vôos. Ouvia e sonhava. Pensava
como fazer para voar.


De volta à Terra, e ao lar, o que
fará primeiro?
Abraçar e beijar muito.


 


Fonte: http://www.terra.com.br/istoegente/345/reportagens/marcos_pontes.htm acessado em 29 de março de
2006

Mais Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.