Por Bianca Chiavicatti
Optar por um café diferenciado conforme o tipo, a safra e a região de origem ainda é algo estranho para a cultura do brasileiro. Embora o costume de tomar um “cafezinho” seja familiar à maior parte da população, o consumo de cafés especiais é algo que ainda precisa ser trabalhado em território nacional. Quando se fala em produção, por outro lado, o Brasil desponta com um diferencial importante: somos o primeiro país a obter uma Indicação Geográfica para o produto café.
Em tramitação desde 1999, a certificação foi concedida ao Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado (Caccer) em 2005 para a denominação Região do Cerrado Mineiro. A área faz parte de uma das quatro regiões produtoras delimitadas pelo Certicafé, programa estadual de certificação de origem do café criado em 1996 pelo decreto 38.559. A região abrange as áreas do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, parte do Alto São Francisco e do Noroeste do Estado.
O Cerrado Mineiro é composto de 55 municípios e o Caccer coordena nove associações e cinco cooperativas de produtores da região. Juntamente com os líderes das associações e cooperativas, o Caccer, membro oficial da Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA), fez o pedido de reconhecimento da Indicação Geográfica do Cerrado Mineiro em 1995. A demora no resultado da solicitação é fruto do caráter inédito do processo no mundo, segundo Tânia Castro, coordenadora do programa de certificação do Café do Cerrado.
Para a coordenadora do programa a Indicação Geográfica “Café do Cerrado” cria um novo segmento no mercado internacional de cafés especiais. Aliada a uma certificação de produto, que garante a qualidade a partir de aspectos como fragrância e aroma, acidez, doçura, corpo e finalização da bebida, a Indicação Geográfica garante ainda o uso de boas práticas agrícolas, respeito sócio-ambiental e rastreabilidade, fatores que influenciam de forma positiva na comercialização do café. “A importância da IG é clara no segmento cafeeiro, pois é um status que além de exclusivo se configurou como impulso para que outras regiões queiram definir melhor as características do produto que produzem”, ressalta Tânia.
A menos de um ano da conquista da certificação de origem, o selo Café do Cerrado já é reconhecido em mercados exigentes como Estados Unidos e Japão. O Japão, segundo a coordenadora, é o melhor exemplo disso. “O grupo Cerrad Coffee Japão só compra café que tenha sido produzido em um dos 55 municípios do Cerrado (área demarcada), em uma fazenda com certificação de propriedade, de origem e de qualidade”, conta.
A Indicação Geográfica também já tem influência sobre o preço do café da região e aumentou em 10% o volume das exportações. “O preço da saca de café de 60kg, certificado, peneira 17/18, hoje é US$ 30,00 mais caro do que um café comercial sem certificação e de mesma peneira”, revela Tânia.
Mercado em expansão
A conquista da certificação de origem dá força a um mercado em plena expansão e com potencial para crescimento não apenas no volume de exportações como para o consumo interno.
Assim como os melhores vinhos, champanhes e uísques, cafés especiais também podem ter preços impressionantes para o consumidor final. Comercializado em embalagens lacradas a vácuo, com estampas grafadas e peso líquido em torno de 400 a 500 gramas, hoje a saca é negociada no mercado internacional na média de US$ 480,00, enquanto o café comum é cotado a US$ 70,00.
O preço é influenciado por fatores como características de sabor, corpo e aroma (café com acidez de sabor limão, por exemplo), modo de preparo e secagem (natural, eco washed, terreiro suspenso etc.), e modelo de produção adotado na fazenda de origem (se é socialmente e ambientalmente correto), o que, além da Indicação Geográfica, outros selos podem atestar como Utz Kapeh e Rainforest.
O negócio vale a pena para pequenos e grandes produtores, segundo Edgar Bressani, diretor executivo da Brazil Specialty Coffee Association (BSCA), entidade que reúne os produtores de café especiais. “Os custos de produção dos cafés de qualidade são de 25% a 20% mais altos do que os dos cafés comuns, mas os ganhos são 30% maiores”, afirma.
O valor obtido na comercialização dos cafés especiais é o principal responsável por uma mudança na cafeicultura mundial, ocorrida a partir da década de 70, que agora se caracteriza por ganhos substanciais dos países consumidores/importadores em detrimento dos países produtores/exportadores.
Menos sensíveis às sucessivas flutuações de preço enfrentadas pelo café em grãos, os cafés especiais tornaram-se uma moeda diferenciada com menor risco de queda. Os importadores trocaram a estratégia de compra e passaram a visar o consumidor final (preços mais elevados) com melhoria substancial da qualidade do produto ofertado, investimentos em marketing e pontos de venda. A concorrência entre os importadores não se baseia mais na melhor compra, mas na melhor venda.
Nesta conjuntura, o Brasil tem uma vantagem por ser o único produtor de café no mundo com mercado relevante para consumo interno, já que, tradicionalmente, grandes consumidores não produzem café. Mas o país precisa vencer alguns obstáculos, segundo André Gomes Peres, gerente comercial de exportação da Caccer. “A cultura de se beber café, a filosofia das grandes torrefadoras em trabalhar com grandes volumes e primarem pelo preço e não pela qualidade, o número baixo de pontos onde se pode tomar café de qualidade e o poder aquisitivo do brasileiro são aspectos que dificultam o mercado de cafés especiais no País”, afirma.
Mudança cultural
Trabalhar a produção, a seleção dos grãos, a torrefação e sua chegada ao consumidor final pode ser uma estratégia para formar um novo público para esses cafés no País. É o que tenta o Café Cristina, produzido na região do Sul de Minas, na fazenda Cristina Colina de Pedra Cafés Especiais. A estratégia do fornecedor do produto no atacado agora é também investir no varejo, com a abertura da primeira casa (e quarta do país) direcionada à venda de cafés especiais de Brasília (DF). “Estamos abrindo a casa porque o nosso ponto forte é a matéria prima”, afirma Pedro Lisboa, diretor executivo da empresa.
O empresário acredita que haja uma demanda reprimida do País pelo consumo de cafés especiais. “Percebo que há um interesse crescente nas pessoas em conhecerem mais sobre café”, diz. “Estamos em um processo de agregar valor ao nosso produto, tentando acabar com a mística de que não existe café de qualidade no Brasil. Isto termina influenciando no mercado interno e muda aos poucos o padrão de exigência do consumidor”, acrescenta.
O Café Cristina faz parte da Cooperativa Regional dos Agricultores do Vale do Rio Verde, que reúne os produtores de café de uma micro-região do Sul de Minas, que também tem pretensão de conseguir a Indicação de Procedência no futuro. Nos últimos anos, os cafés produzidos nas cidades de Carmo e Cristina estiveram entre os primeiros lugares no concurso Cup Of Excellence, promovido pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), desde 2002. Os cafés participantes vão a leilão internacional para ver qual o maior preço ofertado. Em 2005, o produto da região alcançou o valor de R$ 8 mil a saca de 60 kg.
“A região tem tipo regularidade de qualidade e a conquista da certificação de origem, a Indicação Geográfica, favoreceria a exportação”, explica Pedro. Por enquanto, os produtores da localidade estão na fase de organização que, para o empresário, deve gerar resultados daqui a cinco anos.
Com a casa de cafés especiais, Pedro acredita estar se antecipando a uma necessidade futura. “O potencial econômico do café especial no Brasil é imenso e nossos produtos tornam-se cada vez mais referência no mundo. Estamos importando essa cultura e a tendência é que as pessoas optem cada vez mais pelo café expresso”, prevê.