Prêmios como o da Illycaffè estimularam os produtores a melhorar o padrão dos seus cafés

Por: Globo Rural

18/03/2013 
A revolução da qualidade  



Prêmios como o da Illycaffè estimularam os produtores a melhorar o padrão dos seus cafés
 
por Luciana Franco

A produção de cafés especiais começou a ganhar espaço no Brasil a partir do início da década de 1990, quando o produto deixou de ser tratado apenas como commodity. Isso foi uma das consequências da extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC), em 1989, que definia as políticas para o setor. “Até a década de 1970, a estratégia do IBC era a exportação da commodity, que era a mola mestra da balança comercial. Nesta época, não existia o termo bebida mole, que é utilizado para classificar a qualidade”, diz Vanusia Nogueira, presidente da Brazilian Specialty Coffee Association (BSCA).


Com a extinção do IBC, tanto os produtores como as torrefadoras começaram a pensar em imprimir qualidade à produção brasileira. Em 1991, no mesmo ano em que 12 produtores mineiros se uniram para fundar a BSCA, a Illycaffè desembarcou no país com o propósito de comprar café. Ernesto Illy se interessou pelos cafés naturais cultivados aqui, mas lhe incomodava a falta de padronização do produto que adquiria no mercado interno, que em alguns anos tinha boa qualidade, mas em outros baixa.


“A Illy adotou uma estratégia muito bem-sucedida e que dura até hoje: criou um concurso que premia a qualidade e serviu tanto de estímulo à melhoria da produção nas fazendas como ajudou a formar uma rede de fornecedores que adotaram para si a filosofia da empresa”, diz Nathan Herszkowicz, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic).


É o caso de Ednilson Dutra, que em 1999 viu um cartaz sobre o concurso da Illycaffè na agência do Banco do Brasil de São João do Manhuaçu (MG), onde sua família mantém fazendas de café desde a década de 1970. “Fazíamos um bom café, mas nossa região era muito discriminada e meu sonho era enviar uma amostra para o concurso e ser premiado”, conta o cafeicultor, que, com o irmão Walter, cuida da fazenda da família desde a morte do pai, em 1998. No primeiro ano, o café dos irmãos Dutra não foi premiado, mas eles conseguiram se tornar fornecedores da Illy. Já em 2000 Ednilson ficou em quarto lugar no Prêmio Ernesto Illy de Qualidade do Café Espresso e desde então a família Dutra fornece anualmente 25% de sua safra – estimada em 25.000 sacas para a safra 2013 – à torrefadora italiana. Foi depois que começou a fornecer para a companhia que o cafeicultor passou a descascar e despolpar seu café, técnicas que melhoram a qualidade do grão, e também adotou um terreiro suspenso e um secador para aprimorar o pós-colheita.


“A Illy nos ensinou a produzir café, construir tulhas e terreiros. Ser fornecedor da empresa mudou nossa vida e também a de nossos funcionários. Hoje, os empregados se orgulham de produzir um café de qualidade”, diz Ednilson, que este ano é um dos cinco finalistas da 22º edição do Prêmio Ernesto Illy de Qualidade.


Os produtores brasileiros que optaram por investir em qualidade encontraram na companhia italiana o parceiro ideal, pois a Illycaffè estimula boas práticas agrícolas, oferece treinamento prático e teórico aos agricultores e remunera com preços acima dos praticados no mercado. Atualmente, esse diferencial se situa em R$ 80 por saca. Em geral, depois de aceitos no seleto grupo de fornecedores da Illy, os cafeicultores percebem que podem ir mais longe.


“A chancela da Illy nos credencia como café de alta qualidade”, diz Ednilson, que, a exemplo de centenas de cafeicultores, certificou sua fazenda com outros selos após ingressar na família Illy. Ele tem o selo Utz Capeh – adotado em exigentes mercados do mundo e que certifica as relações ambientais e sociais dentro da fazenda – e o selo da BSCA. “Eles nos ajudam a manter a motivação do funcionário e o controle da propriedade”, diz.


Hoje, a produção de cafés de alta qualidade pode ser verificada em diversas regiões do Brasil, como nas matas e no sul de Minas Gerais, no Cerrado mineiro, no Cerrado baiano, nas montanhas do Espírito Santo, no norte do Paraná e no interior de São Paulo, e é inegável a contribuição de Ernesto Illy à melhoria da qualidade do café produzido no Brasil. Mas então por que o país, que ostenta os títulos de maior produtor, maior exportador e (recentemente) segundo maior consumidor do mundo, não desenvolveu sua própria marca e precisou da Illy para implantar a cultura da qualidade no mercado interno?


As respostas variam, mas é consenso entre os especialistas do segmento que 20 anos atrás qualidade não era um quesito importante na cafeicultura. “Se o IBC não se importava com qualidade, o mercado interno menos ainda. A venda de commodity era rentável e essa foi a ideia que prevaleceu no segmento por anos”, diz Vanusia Nogueira. Na avaliação do diretor da Abic, Ernesto Illy tinha vasta experiência no mercado internacional, era um cientista e possuía grande consciência do valor da qualidade. Por isso conseguiu despertar o tema no Brasil. Carlos Paulino, presidente da Cooperativa Regional de Cafeicultores de Guaxupé (Cooxupe), entende que, com a extinção do IBC, o mercado se abriu e ocorreu um “salve-se quem puder” no setor. “Somente uma torrefadora com experiência internacional tinha condições de trazer o conceito de qualidade para o Brasil”, diz.


Ao longo das últimas duas décadas, a produção de cafés especiais se tornou um excelente negócio para os cafeicultores brasileiros. Com o domínio das técnicas de produção de um bom café natural (valorizado por sua doçura) e um bom cereja descascado (que favorece a secagem), houve uma corrida para a certificação de cafés, que se intensificou no início da década de 2000. “Depois disso, o setor começou a trabalhar a nomenclatura “cafés finos brasileiros” e esse mercado foi perdendo a característica de nicho e passou a ser um segmento importante da cafeicultura. Hoje é também reconhecida por seus valores não tangíveis, como o “terroir” (porção de terra avaliada em função de suas aptidões agrícolas), a denominação da origem da produção e a história da fazenda”, diz Eduardo Carvalhaes, diretor da Carvalhaes Corretores de Café. “São denominações usadas por vinícolas e que são cada vez mais comuns no setor cafeeiro”, diz Carvalhaes.


O amadurecimento que houve no campo para a qualidade atraiu os grandes players desse mercado para o Brasil, como a Starbucks e a Nespresso, além da Illy, que também passou a vender seu café no Brasil. Foi a experiência de beber um bom café fora do lar que levou também ao amadurecimento do paladar do brasileiro para um café especial. Agora, esse consumidor quer repetir a experiência dentro de casa. “Hoje, todas as torrefadoras internacionais querem colocar seu café no Brasil”, diz Carvalhaes.


Os números justificam tal desejo: levantamento da Abic mostra que atualmente 1 milhão de residências brasileiras têm máquinas de espresso. “Além das marcas tradicionais, existem outras 115 empresas nacionais de pequeno porte que fabricam café gourmet”, diz Herszkowicz. E não foi apenas nos grandes centros de consumo que a qualidade promoveu melhorias. “Mudamos de vida depois que começamos a vender para a Illycaffè. Começamos a viajar, fizemos cursos, conhecemos novas tecnologias. Fomos conhecer a fábrica de Trieste e a Nova York contar nossa história em um seminário. Nossa vida cultural melhorou muito”, diz o produtor Ednilson Dutra. 

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