Cerca de 600 milhões teriam alimentos se organismos não devastassem o campo
12/04/2012
Renato Grandelle
renato.grandelle@oglobo.com.br
Em meados do século XIX, a Irlanda viveu a Grande Fome, quando o ataque de um fungo devastou as plantações de batata, base da dieta local. O movimento desencadeou uma série de migrações – entre os passageiros para os EUA, por exemplo, estava o agricultor Patrick Kennedy, cujo bisneto, John, presidiria o país 112 anos depois. Hoje, os fungos têm um efeito tão devastador como nos tempos de Patrick, como denuncia um estudo publicado na revista “Nature”. Segundo levantamento do Imperial College London e da Universidade de Oxford, cerca de 600 milhões de pessoas poderiam ser alimentadas anualmente se não fosse o estrago destes organismos às principais culturas do campo.
O prejuízo passa das cifras à biodiversidade. As infecções de fungos destroem anualmente 125 milhões de toneladas de arroz, trigo, milho, batatas e soja (a produção brasileira de grãos em 2011 foi de 159 milhões de toneladas). Os prejuízos referentes às perdas nas três primeiras culturas somam US$ 60 bilhões. Os países que contabilizam mais danos à sua agricultura são aqueles em desenvolvimento – onde se concentra boa parte do 1,4 bilhão de pessoas que vivem com menos de US$ 1,25 por dia.
– Os efeitos são desproporcionalmente catastróficos – lamenta Sarah Gurr, coautora do estudo e professora de Patologia Molecular em Oxford. – A Índia está respondendo bem ao desafio da segurança alimentar, mas outras países não têm os mesmos recursos para isso. No Brasil, os campos de trigo já sofreram o efeito dos fungos. A cana sofre com certas doenças provocadas por estes organismos, mas não há grandes desafios no momento.
De acordo com Sarah, cerca de 70% dos casos com doenças infecciosas que resultaram na extinção de animais ou plantas têm, em sua origem, um fungo – o que ocorre, por exemplo, com uma espécie de sapo parteiro.
A conta não surpreende a bióloga Arailde Urbem, especialista em micologia (o estudo dos fungos) da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. A pesquisadora lembra de organismos que dizimaram plantações de café e cacau na Bahia. Arailde foi uma das descobridoras do fungo Sigatoka negra, que devastou bananeiras na Amazônia.
– Como primeira medida tentamos sempre controlar o fungo por produtos químicos, mas nem sempre isso dá certo – reconhece. – Depende de seu grau de virulência e variedade genética. O ambiente proporciona que este organismo desenvolva mutações mais resistentes.
Para Arailde, os fungos são um problema “para a vida inteira”, devido à impossibilidade de produzir uma planta totalmente resistente aos fungos.
Ainda assim, Sarah acredita que as doenças fúngicas podem ser controladas, se forem dedicadas a elas um controle maior das autoridades – e em diversas esferas.
– A ONU é o melhor órgão para apresentar controles mais rigorosos de biossegurança – sugere. – Mas, nacionalmente, devem ser desenvolvidos acompanhamentos de vigilância; experimentos em uma escala menor nunca poderão prever a propagação e gravidade de doenças.