03/09/2014 – Numa propriedade rural de menos de um hectare em Uganda, o agricultor Stephen Musoke planeja as próximas etapas de sua plantação de café – uma das muitas que voltaram a produzir no leste da África, graças à alta do preço do produto.
Só neste ano, os preços do robusta, a variedade mais barata, que é usada no café instantâneo, subiram 17% em Londres. Já os preços do tipo arábica, mais caro e com sabor mais acentuado, saltaram mais de 53% devido ao receio de que a seca histórica que aflige o Brasil, o maior produtor do mundo, cause uma escassez global do grão.
A alta dos preços observada desde 2010 vem promovendo uma volta acelerada da produção de café nos países da África Oriental. A Autoridade de Desenvolvimento do Café de Uganda informa que os produtores voltaram a plantar café em milhares de hectares de áreas que estavam abandonadas. Além disso, o órgão estatal afirmou que um recorde de 27 milhões de pés de café foram plantados em áreas novas, um aumento de quase 8% em relação aos 350 milhões de pés de café já existentes no país, segundo a agência.
A história se repete em toda a região produtora de café do leste da África, incluindo Quênia, Ruanda e Tanzânia, afirma a Associação Africana de Cafés Finos, uma agência regional.
O renascimento da produção africana pode ajudar a restaurar a estabilidade do mercado mundial de café. A África era responsável por cerca de 30% da produção de café do mundo, mas o setor entrou em colapso na década de 70 em meio a uma queda nos preços, deixando o mundo cada vez mais dependente da safra brasileira. O novo aumento da produção numa parte diferente do mundo pode garantir um suprimento mais regular do produto.
“Os produtores africanos têm a chance de aproveitar essa oportunidade com o contínuo crescimento do déficit global [de café]”, diz David Muwonge, vice-diretor-executivo da Nucafe, a associação dos cafeicultores ugandenses. “Mas os produtores precisam de mais apoio para obter crédito se quiserem exercer todo seu potencial.”
A Uganda vende café principalmente para Europa, Estados Unidos e Ásia. Os maiores compradores do café padrão são a suíça Sucafina SA e a Olam International Ltd., de Cingapura, enquanto os tipos especiais vão para empresas como Starbucks Corp. e Nestlé SA. Há pelo menos dois milhões de cafeicultores em Uganda, a maioria em pequenas propriedades.
Musoke, que tem 40 anos, herdou de seu pai as suas terras em Mityana, na região central de Uganda, há cerca de 15 anos. Em 2007, quando os preços do café caíram, ele foi trabalhar na capital, Kampala, deixando a propriedade aos cuidados de parentes. Com a recuperação dos preços, Musoke decidiu voltar em 2012. Encontrou a plantação praticamente tomada pelo mato. Pegou um pequeno empréstimo em 2013 para comprar fertilizantes e observou uma diferença imediata. A produtividade e os preços voltaram a subir. “Os preços têm sido uma surpresa agradável aos produtores. É muito animador”, diz.
A produção de café no leste da África deve avançar cerca de 18% e atingir 14,5 milhões de sacas na safra 2014-15. Ela pode subir mais 15% na próxima safra, com o aumento da área plantada e melhoria dos métodos de produção, afirma a Associação Africana de Cafés Finos.
Emanuel Musaka, que tem meio hectare de terra perto de Kampala, já pensou em trocar seus pés de café por culturas com retorno mais rápido, como cereais e grãos, mas agora planeja dobrar a área plantada com café na próxima safra se o preço continuar “bom”. Mas ele ainda tem dúvidas: “Os preços do café são muito imprevisíveis.”
Depois de passar anos abaixo de US$ 1 por libra-peso, os preços de algumas variedades de arábica voltaram a subir em 2010 e dispararam em 2012 – para bem mais de US$ 2,50 a libra-peso -, com problemas climáticos que atingiram as lavouras da América Central e Ásia. Eles aí voltaram a cair para abaixo de US$ 1. Agora, os preços globais subiram de novo para mais de US$ 2 com a oferta limitada pela seca no Brasil.
Mas uma próxima safra volumosa no Brasil poderia derrubar novamente os preços, dificultando os investimentos de longo prazo necessários no café.
“Correr para plantar uma cultura de longo prazo por causa de infortúnios em outra área pode ser contraproducente”, diz Andy Kristian Agaba, diretor-presidente da Hiinga Microfinance, uma empresa americana de microcrédito que fornece pequenos empréstimos, de cerca de US$ 200, para produtores na África. “Os preços das commodities são tão voláteis que os produtores precisam diversificar para minimizar ou cobrir seus riscos.”
Numa aposta para garantir o melhor retorno possível, produtores de café no mundo todo estão desenvolvendo cafés especiais, com sabores mais acentuados e únicos, que podem ter um prêmio financeiro em relação aos grãos de valor menor.
Países latino-americanos como Colômbia, Equador, Guatemala e México respondem por mais de 50% desse mercado de café gourmet.
Mas os produtores africanos não estão acomodados. Nos últimos cinco anos, os do leste da África, com a assistência de compradores como Starbucks, ED&Man Holdings Ltd. e Nestlé, vêm se esforçando para aprimorar a qualidade através da melhoria de métodos agrícolas e da introdução de variedades mais produtivas de café. A participação do leste da África no mercado de cafés especiais está agora em 15%, comparado com 7% em 2012, segundo o Ecobank, um banco pan-africano.
Musoke está otimista.
“Meu futuro está na plantação e, do jeito que as coisas estão, eu não vou abandoná-la de novo”, diz ele.
Fonte: Nicholas Barivo; Valor Economico.