Arrancada para o desenvolvimento não depende só da macroeconomia, mas de bom senso ecológico
04.12.2006 – 13:52
Antonio Machado
A decisão do prefeito da cidade de Itaguaí, no litoral do Rio, de interditar o porto de Sepetiba, operado pela Cia. Vale do Rio Doce e pelo qual a segunda maior mineradora do mundo e exportadora nº 1 do país exporta US$ 1,5 bilhão de minério de ferro por ano, é mais um flagrante da situação de miséria a que se relegou o interesse público – afrontado cotidianamente por medidas insensatas graças à sensação de impunidade de verdadeiros malfeitores do progresso.
Na Transamazônica, sob a benção de pastorais da Igreja, um grupo de índios passou a cobrar pedágio num trecho da estrada a pretexto de custear despesas da tribo porque a Funai não estaria repassando uma ajuda de custo. Índios também deram de bulir o patrimônio da Aracruz, na Bahia, alegando direitos sobre terras que a indústria provou na Justiça ter adquirido legalmente, e, no entanto, a Funai nada faz para providenciar uma solução. A fazenda experimental da empresa suíça Syngenta, no Paraná, que está no livro negro da Via Campesina, a inspiradora internacional do MST, foi desapropriada pelo governo do Paraná por desenvolver cultivos genéticos.
Obras estão paradas em todo país não por falta de dinheiro, mas de firmeza do governo, que assiste à derrocada regulatória com ar de perplexidade, e de senso de urgência dos parlamentares, ambos responsáveis últimos pelas legislações e indefinições jurídicas que fizeram de órgãos públicos criados de boa fé e mesmo da ação de procuradores do Ministério Público algozes da infra-estrutura nacional, sobretudo estradas e geração de energia – a mesma cuja deficiência todos costumam amaldiçoar em mesas de botequim.
A imprevidência destes agentes constituídos para zelar pelo bem estar da nação, não para colocá-la em situação de risco, ameaça de hidrelétricas à espera de licitação no Rio Madeira, sem as quais o racionamento de energia será certeza ao final do segundo governo Lula, ao imperioso anel viário de São Paulo, cujo atraso submete a cidade a congestionamentos diários de mais de 160 quilômetros – um crime contra o cidadão, já que passível de solução retardada pela Justiça -, passando pelo término da perigosa Régis Bittencourt.
Prejuízo da nação
Comum a todas são as ações de embargo impetradas pelo Ministério Público. Ora a pedido do Ibama, ora da Funai, ora por deliberação de um solitário procurador. E por que? Por supostos atentados ou somente hipótese de ameaça ao meio ambiente, a uma espécie rara de aves, à suspeita da existência na área de um cemitério indígena.
E danem-se os direitos dos outros, sobretudo aquele em causa nestes dias em que se critica o crescimento econômico pífio e a vagareza dos investimentos: o direito ao desenvolvimento.
Motivos justos ou questionáveis não faltam. Falta quem defenda o interesse difuso dos prejudicados pelo que muitas vezes tem cheiro de chicana. Na maioria dos casos, o prejuízo é de toda nação, como será em curto espaço de tempo, quando vier o apagão de energia e o PIB desabar, espalhando ruína econômica, desemprego e desconforto – como ocorreu durante o apagão de 2001 -, se as usinas projetadas não só no Madeira não forem destravadas com urgência.
Adeptos do atraso
Não se trata de ignorar eventuais ameaças ao meio ambiente, as razões alegadas pelo bloco de órgãos públicos que parece conspirar para que o país regrida ao descobrimento, como Ibama, Funai, Incra e assemelhados. Mas de agirem com rapidez, indicando sem delonga o que é necessário retificar no projeto, indenizar e preservar.
Ou que o governo determine por medida provisória um prazo máximo para o exame de toda natureza por tais organismos, o tal do Rima, relatório de impacto ambiental, findo o qual e sem conclusão dá-se o projeto como aprovado e fim de papo. Melhor seria o governo dar conhecimento de uma lista de projetos prioritários, asseguradas as condições ambientais e legais, e torná-los imune a contestações.
Petulância municipal
E o prefeito de Itaguaí queria o que da Vale? Carlos Bursatto, o nome da fera, alegou problema de licenciamento para fechar o porto da mineradora, implicando prejuízos às exportações, à arrecadação de impostos e a Minas, de onde vem o minério.
Muita petulância. A troco do que? A empresa supõe que é represália por ter suspendido investimentos na cidade. Uma liminar enquadrou o pequeno Napoleão. Dezenas deles, todos os dias, estão por ai sabotando o progresso.
Constata-se que a arrancada para o desenvolvimento não é questão apenas da macroeconomia, como o presidente desabafou outro dia e atraiu a ira até de sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Tudo joga contra, e não só os juros altos e o déficit público – no fim das contas, seqüelas da ação de grupos corporativos que em conluio com setores políticos fisiológicos parasitam em torno do Estado, e da visão atrasada de segmentos do próprio governo.
Seria bom dar atenção aos não poucos empresários graúdos, desses que contribuem mais para o progresso que os planos de partidos e programas econômicos, investindo, recolhendo impostos, pagando salários e faturando em dólares. Há anos eles advertem que está na péssima qualidade das instituições o nó que ata os investimentos na economia.
Temas institucionais como baixa segurança jurídica, incerteza regulatória e alto custo de burocracia, todos da agenda de reformas da microeconomia, são tão ou até mais relevantes para os planos empresariais quanto juros e câmbio, o arroz com feijão da macroeconomia. Os desafios para sair do marasmo não são poucos.