Sob os cuidados de assentados da reforma agrária, a produção agroecológica vem se destacando em algumas regiões do Brasil. Além de conservar o solo fértil, o cultivo de alimentos orgânicos garante a sobrevivência do trabalhador rural e de sua família, fortalecendo o vínculo do homem com a terra. São alimentos limpos e saudáveis, sem contato com agrotóxicos e adubos químicos. Esses são alguns dos aprendizados já incorporados à rotina dos assentados que lidam com o cultivo orgânico.
No extremo oeste do estado de São Paulo, o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) promoveu o Projeto Café com Floresta no Pontal do Paranapanema. Implementado em 2002, o projeto foi criado para gerar suficiência alimentar aos moradores de assentamentos e diversidade ecológica em uma região cercada pelo Parque Estadual Morro do Diabo, o maior remanescente da tão ameaçada Mata Atlântica no interior. O projeto atende hoje mais de 70 famílias distribuídas em oito assentamentos do Pontal. Com o auxílio de extensionistas rurais, os agricultores assentados plantam café sem agrotóxicos e reservam um hectare de espaço do seu lote para o plantio de árvores nativas, contribuindo para a restauração da biodiversidade local.
No assentamento Tucano, localizado no município de Euclides da Cunha (SP), o projeto já iniciou há seis anos. O presidente do IPÊ, Jefferson Lima, conta que a idéia do café sombreado, uma tecnologia utilizada na Costa Rica, na Guatemala e no México, foi adaptada juntamente com outras culturas produzidas nos lotes dos assentados – como mandioca, milho e feijão -, o que garante a melhoria do solo e a sua diversidade. “Hoje eles têm uma diversidade grande de plantio, numa área pequena, de um hectare, que dá sustento alimentar para toda a família e alimentos de excelente qualidade, em quantidade farta. Dá até para fazer troca entre vizinhos também”, avalia Jefferson.
Uma experiência promissora
Jorge Rodrigues de Oliveira e sua família participam do Projeto Café com Floresta no assentamento Tucano. Ele possui 3 mil pés de café, que plantou há três anos, e começou a colher este ano. “Esperamos aumentar a área de plantação para aumentar também a produção e a renda”, planeja ele. Jorge e sua esposa, Teresinha dos Santos Oliveira, contam que antes do projeto nunca tinham ouvido falar no cultivo orgânico e, por isso, houve resistência ao mudar a atividade tradicional. “Ficamos curiosos porque achávamos que não ia dar certo, fizemos por experiência mesmo”, comenta Teresinha.
Ela explica que os técnicos do IPÊ deram toda a assistência na implantação do projeto, pois ajudaram na terra, nas mudas e no plantio do café, onde foi usado esterco de gado e folhas seca do quintal que antes eram queimadas. Na área do café, a família dele também planta abóbora, milho, feijão e cultiva amora. “O sabor do café orgânico nem tem comparação ao tradicional. É outro, bem diferente”, destaca Teresinha.
Agroecologia no Pronera
No município de Cantagalo (PR), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), formou recentemente 40 alunos da segunda turma do curso técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia, no Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (Ceagro). No local, foi criado um modelo de assentamento sustentável pelo qual as espécies de plantas e animais nativos são preservados sem utilizar fertilizantes químicos e venenos.
Durante o curso, os alunos de assentamentos aprenderam as técnicas de um sistema intensivo de manejo do gado, da pastagem e do solo. O sistema procura manter um equilíbrio dos três elementos, sem beneficiar um em detrimento de outro. Com duração de dois anos, o curso é realizado em regime de alternância, com 60 dias passados dentro da escola e 90, na comunidade. Com isso, os alunos adquirem os conhecimentos na sala de aula e os colocam em prática. Os profissionais saem capacitados para auxiliar na melhoria das condições de vida dos assentados, incrementar a produção e proteger o meio ambiente.
Durante o ano de 2005, foi investido R$ 1,3 milhão no estado, beneficiando 362 alunos em oito cursos. Cléia Pawlak é um exemplo de que o curso dá certo. Ela se formou na primeira turma do curso de Agropecuária com ênfase em Agroecologia. “O importante nesse sistema é que aproveitamos os nutrientes e irrigamos a plantação sem custos extras”, ressalta.
Arroz no Rio Grande do Sul
Segundo o técnico do Incra no Rio Grande do Sul, André Luís Oliveira, o crescimento no número de produtores de arroz orgânico foi acentuado na região com a agregação dos assentamentos. Oliveira destaca que só na região de Porto Alegre (RS) a área já ultrapassa 700 hectares plantados em assentamentos rurais. “Está acabando a lógica de que para se plantar arroz deve haver um grande capital investido”, esclarece.
O assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), além de produzir o arroz orgânico, também é conhecido no estado por possuir a maior área de assentamento e o maior número de famílias. São 376 famílias numa área de 9,6 mil hectares. Hulli Marcos Zang conta que 30 famílias tiveram acesso ao Pronaf B para auxiliar na produção, que começou há quatro anos. Segundo ele, o fato de o assentamento estar dentro de uma área de proteção ambiental foi motivação para o cultivo orgânico.
A saúde foi outra condição importante na escolha. Algumas das famílias que produzem o arroz orgânico já trabalharam com agrotóxicos e optaram por uma técnica mais saudável. “Nós somos agricultores familiares e descobrimos que a produção orgânica seria o caminho mais viável para manter nossa atividade”, avalia Zang.
Programas de incentivo
Para incentivar o crescimento da agricultura ecológica no Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) apóia a produção orgânica de agricultores familiares com uma linha de financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) específica para o setor. O crédito incentiva os agricultores que queiram investir em agroecologia.
Além disso, também é desenvolvido o Programa Nacional de Agroecologia. O objetivo é fortalecer as iniciativas realizadas pela agricultura familiar, criando condições de estímulo à transição da produção tradicional para modelos sustentáveis, por meio da implementação de políticas, programas e projetos da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do MDA, em parceria com os ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Ciência e Tecnologia.