Pesquisadores desenvolvem técnicas para detectar adulterantes no café moído

As novas técnicas permitirão aos órgãos de fiscalização e de controle de qualidade detectar, com mais eficácia, adulterantes misturados ao pó de café.

 
Foto: João Eugênio


A adição de outros materiais vegetais ao café torrado e moído será mais facilmente desvendada por meio dos novos métodos de detecção desenvolvidos por pesquisa da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e parceiros. As novas técnicas permitirão aos órgãos de fiscalização e de controle de qualidade detectar, com mais eficácia, adulterantes misturados ao pó de café.


Método identifica adulterantes em tempo real
De acordo com os pesquisadores da Embrapa Edna Maria Moraes Oliveira e Otniel Freitas Silva, líderes da equipe de cientistas do projeto, os métodos desenvolvidos pela pesquisa apresentaram rapidez, precisão e especificidade para detectar e identificar os adulterantes mais comuns adicionados ao café torrado e moído, como milho, arroz e cevada. Também mostraram capacidade de aferir a quantidade de adulterante presente em cada amostra além de alta sensibilidade, capaz de detectar até pequenas quantidades de adulterantes.


Os métodos de base molecular identificam sequências específicas, os marcadores moleculares, previamente selecionadas do genoma (DNA) dos adulterantes mais comuns. Esses, torrados e moídos como o café, são de difícil detecção pelos métodos utilizados atualmente, baseados na visualização por microscopia e macroscopia das características visuais de cores e imagens de cada produto adulterante em teste, o que depende muito da experiência do analista.


“Os métodos convencionais não são específicos para café ou para os adulterantes mais utilizados nesse produto, ou seja, não permitem identificar os adulterantes individualmente. Já a técnica PCR em tempo real vem sendo amplamente utilizada para a análise de sequências específicas de DNA de diferentes matrizes alimentares”, ressalta Edna Oliveira. A PCR, sigla para reação em cadeia da polimerase, é uma das técnicas mais utilizadas em laboratórios de pesquisas médicas e biológicas (veja quadro no fim da matéria).


Método baseado em Cromatografia Líquida e Espectrometria de Massas
O outro método desenvolvido é baseado em Cromatografia Líquida de Ultra Eficiência e Espectrometria de Massas, que utiliza os aparelhos Cromatógrafo Líquido de Ultraeficiência acoplado a Espectrômetro de Massas UPLC/MS-MS – e oferece resultados mais rapidamente e com maior precisão. Esse está em fase de validação qualitativa. A pesquisadora Ana Cristina Gouvea, colaboradora envolvida no projeto por meio de uma bolsa do Programa de Bolsas e Auxílio do Consórcio Pesquisa Café, ressalta o ineditismo da utilização da análise por UPLC/MSD-MS de marcadores de açúcares característicos das matrizes dos principais adulterantes em café (arroz, soja, cevada e milho). “É uma inovação científica”, comemora.


No início do desenvolvimento do método, foram identificados os açúcares presentes nas matrizes de cada adulterante-alvo. A análise havia sido iniciada por Cromatografia Líquida e detector convencional por meio de Índice de Refração, pela analista da Embrapa Manuela Santiago, que constatou que não o não atendimento foi devido à baixa concentração dos açúcares presentes nos adulterantes. A aprovação do atual projeto deu início ao desenvolvimento do método qualitativo sob a responsabilidade da pesquisadora Renata Borguini. O estabelecimento dos parâmetros do Espectrômetro de Massas foi realizado no mestrado do bolsista Víctor de Carvalho, sob orientação do pesquisador Ronoel Godoy no programa de pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).


Foi estudada a fragmentação das moléculas dos adulterantes por meio da quebra das moléculas dos açúcares no espectrômetro de massas. “Isso gera quebras em fragmentos específicos correspondentes ao peso molecular de cada substância-alvo, pois a estrutura de cada açúcar é diferente [para cada adulterante]”, explica. Para chegar a esse resultado, a equipe dedicou especial atenção ao aperfeiçoamento da etapa de extração, buscando alcançar um processo muito seletivo. “O segredo está na extração e purificação que garantam que outras substâncias não estejam presentes e ‘encubram’ os marcadores. Com o aperfeiçoamento da extração, conseguimos observar os íons requeridos, os marcadores”. Depois, foi testada com sucesso a detecção desses marcadores em amostras de café misturadas com adulterantes em proporções de 0,2%, 1%, 5% e 25%. “É um método robusto e de alta sensibilidade. Foi capaz de detectar a presença de apenas 0,2% de adulterante,” afirma a especialista.


Mercado mais exigente

A exigência dos consumidores foi uma das principais motivações para a elaboração do projeto, que busca contribuir para a evolução do mercado de café no Brasil. O Consórcio Pesquisa Café financia a pesquisa, que conta também com recursos do programa especial Capes-Embrapa da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que oferece bolsas para pós-graduação; além de projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


“A percepção e a pressão do consumidor vêm aumentando nos últimos tempos, exigindo do mercado a garantia de acesso a produtos de qualidade. Os consumidores sabem que o Brasil produz excelentes cafés”, observa a pesquisadora Edna Oliveira.


Elaboração de material de referência

Para o desenvolvimento de métodos quali-quantitativos é necessário o uso de materiais de referência, que, no caso de adulterantes em café torrado e moído, são inexistentes. O projeto previu a elaboração desses materiais, desenvolvidos pela doutoranda em Alimentos e Nutrição Cinthia de Carvalho Couto, sob a orientação do pesquisador da Embrapa Otniel Freitas Silva. Inicialmente, o material de cada espécie de café (Coffea Arabica e Coffea Canephora) foi selecionado, torrado, moído e padronizado o tamanho de suas partículas, seguido da elaboração de materiais com diferentes proporções de café arábica e robusta (100% de uma espécie e misturas com 95%, 50%, 25% e 5%). “O café gourmet, por exemplo, tem que ser 100% arábica”, lembra Cinthia. “Este material de referência só tem aqui. Ele foi padronizado para esta detecção e não para outros analitos,” completa.


A esses materiais serão adicionadas quatro matérias-primas vegetais torradas e moídas – arroz, milho, soja e cevada – que serão submetidas a ensaios interlaboratoriais, envolvendo outras instituições parceiras como Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Laboratório Nacional Agropecuário em Minas Gerais (Lanagro-MG), para verificar se em tais materiais de referência essas instituições vão detectar os adulterantes, mesmo utilizando diferentes métodos. Os materiais de referência também serão utilizados para testar um método de diferenciação em blends contendo as duas espécies de café.



Contribuição da pesquisa na defesa dos direitos do consumidor

A motivação para a elaboração do projeto, de acordo com a pesquisadora Edna Oliveira, surgiu de uma demanda do Laboratório Nacional Agropecuário de Minas Gerais (Lanagro-MG), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por métodos que detectassem as adulterações em produtos que não são o que dizem ser, ou seja, que levam “o consumidor a pagar mais pelo que não é”, e fossem capazes de diferenciar as espécies de café.


O auditor fiscal federal agropecuário Glauco Antônio Teixeira lembra que, após projeto de pesquisa atendendo a demanda do Ministério Público de Minas Gerais para avaliação da qualidade do café em relação a impurezas presentes em pó de café, o Lanagro-MG, decidiu solicitar colaboração técnica para o desenvolvimento de métodos mais precisos de detecção de adulterantes no produto.


Ao fazer a busca por possíveis parceiros, encontraram as referências de Edna Oliveira, da Embrapa, que já havia trabalhado com métodos de detecção de sequências de DNA em alimentos contendo organismos geneticamente modificados (OGM) e prolaminas, que compõem o glúten.


A equipe do Lanagro-MG participa do projeto de pesquisa por meio de videoconferências. “O resultado do projeto vai ser uma evolução muito grande na nossa área. Não tem ninguém que faça o que essa pesquisa está desenvolvendo”, avalia Teixeira.


Entenda a PCR

PCR (do inglês Polymerase Chain Reaction) é a Reação em cadeia da DNA polimerase, um método de amplificação (criação de múltiplas cópias) de DNA. É uma das técnicas mais comuns utilizadas em laboratórios de pesquisas médicas e biológicas para tarefas como sequenciamento de genes e diagnóstico de doenças hereditárias, identificação de “impressão digital” genética, detecção de diagnóstico de doenças infecciosas e criação de organismos transgênicos. Segundo a Oliveira, “A PCR em Tempo Real (Real Time Quantitative PCR) é uma variação da técnica de PCR, a qual permite que a amplificação e detecção ocorram simultaneamente. O resultado é visualizado em tempo real durante a amplificação da sequência de interesse, com capacidade ainda de gerar resultados quantitativos com maior precisão. Os métodos de detecção e quantificação, baseados na técnica PCR, vêm se destacando como ferramenta analítica poderosa, especialmente a PCR em tempo real, na área de segurança e qualidade de alimentos”.


João Eugênio Diaz Rocha (MTb 19.276/RJ)
Embrapa Agroindústria de Alimentos
agroindustria-de-alimentos.imprensa@embrapa.br
Telefone: (21) 3622-9737

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