AGRÍCOLA
26/09/2007
Rose Mary de Souza
Especialista em sabor de leite, ou degustador de leite, poderá ser uma futura profissão na agroindústria brasileira, a exemplo do que já ocorre nas indústrias de vinhos e cervejeira. Embora, no Brasil, a bebida já passe por rígidos processos de controle de qualidade – principalmente no quesito higiene -, ainda não há um profissional formado que detecte a qualidade do sabor da bebida.
É justamente esta questão que está sendo pesquisada em uma tese de doutorado da médica veterinária Georgiana Sávia Brito Aires, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. Georgiana treinou equipes para a degustar o leite pela metodologia scorecard, a mesma usada no vinho. Seguiu-se um roteiro de reconhecimentos de ‘defeitos’ – termo usado para denominar os pontos negativos na bebida em relação ao sabor.
Os mais comuns foram sabor de aguado; de oxidação pela ação da luz solar ou artificial; lipolizado (rançoso); amargo (efeito de bactérias); ácido; com gosto de curral (provocado pela ração animal, compostagem ou urina); de plástico; absorvido (que absorveu um produto externo) e de queimado e sem frescor.
No leite UHT, responsável por 80% das vendas no País, o defeito foi o gosto de cozido. O UHT é esterilizado e vem em caixinha cartonada ou em garrafa plástica. ‘Muitas vezes, porém, esse gosto não é reconhecido como defeito pelo consumidor, tradicionalmente habituado a beber leite fervido.’
CAFÉ E ACHOCOLATADO
Já o leite pasteurizado apresentou o sabor de plástico e oxidado. No Brasil, a classificação do pasteurizado é tipo A, tipo B e pasteurizado. Segundo Georgiana, o brasileiro pode nem perceber tais defeitos. ‘Pode ter se acostumado por não ter parâmetros comparativos ou nem reparar os defeitos de sabor porque, em geral, é comum a mistura da bebida com café e achocolatado’, diz.
‘O gosto ideal do leite é aquele que, após ser bebido, não deixa nenhum outro gosto na boca. O leite deve ser cremoso e levemente adocicado, sem nenhum odor’, completa.
Georgiana diz que, para eliminar os defeitos do leite, é preciso começar a atuar na ponta da cadeia produtiva, o produtor. Segundo ela, o controle sanitário é competente e obedece a todas as normas de higiene. ‘Mas é preciso ampliar os cuidados em fatores que possam influenciar o gosto final do leite.’
Para a indústria láctea, a pesquisadora sugere a introdução da análise sensorial. ‘Poderíamos ter um especialista em julgamento de sabor que atuasse próximo do produtor, com orientação no sentido de eliminar os casos que levem ao aparecimento de defeitos.’
DEGUSTADORES
‘Usina que produz leite de boa qualidade tem degustadores, sim. É costume sortear um funcionário cuja opinião é considerada’, diz o presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Leite Pasteurizado (Abilp), Benedito Vieira Pereira. ‘Ferver o leite, por exemplo, é um costume no Brasil e isso altera o sabor. Em outros países ninguém ferve leite pasteurizado.’
Na opinião do presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Leite Brasil), Jorge Rubez, ‘gostar do leite depende do paladar de cada um’, diz. ‘O leite não é igual ao café, ele já vem pronto e, ao entrar em contato com o meio externo, pode sofrer alterações’, explica. ‘Por isso temos a pasteurização, para eliminar riscos e conservar a qualidade.’
Rubez diz que o consumidor pode encontrar diferença de sabores, pois cada tipo de leite é envasado por uma técnica distinta. ‘O UHT é superaquecido, pode estar aí a diferença. O de saquinho é menos aquecido.’
A assessoria de imprensa da Associação Brasileira da Indústria do Leite Longa Vida informa que o UHT em caixinha é consumido por 80% da população. A ABLV acredita que tal patamar já é uma resposta de aceitação e preferência pelo sabor do leite UHT e reitera que não tem recebido reclamação a respeito de alteração de sabor no leite.