Pesquisa na UFG usa borra de café como filtro para obter água potável

Estudo diz que material é filtro 3 vezes mais eficiente do que carvão ativado. Professor do Timor Leste fez descoberta na tese de doutorado, em Goiânia.

Estudo diz que material é filtro 3 vezes mais eficiente do que carvão ativado. Professor do Timor Leste fez descoberta na tese de doutorado, em Goiânia.


Fernanda Borges



A tese de doutorado do professor Julião Pereira, 31 anos, natural do Timor Leste, país localizado no sudeste asiático, descobriu na borra de café uma alternativa de baixo custo para se obter água potável. De acordo com a pesquisa, desenvolvida na Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia, o resíduo, que normalmente é descartado após o café ser coado, passa por um processo até que seja extraída a chamada “torta de café”, que, segundo os pesquisadores, é um filtro três vezes mais eficiente do que o carvão ativado.


A pesquisa, orientada pelo professor Nelson Roberto Antoniosi Filho, coordenador do Laboratório de Métodos de Extração e Separação (Lames), foi iniciada em 2009, assim que Julião chegou ao Brasil, por meio do programa Ciência Sem Fronteiras, do Ministério da Educação. Isso foi possível graças a um termo de cooperação assinado pelo governo brasileiro com o Timor Leste para formação profissional de timorenses. A ideia é que o projeto de Julião seja implantado no país natal, que sofre com a falta de água tratada.


De acordo com o professor, após seis anos de pesquisa, Julião comprovou que a borra de café é uma solução barata para o problema de calamidade pública do seu país. “Depois de fazer inúmeros testes para verificar se o material poderia reter mais poluentes, como metais tóxicos e agrotóxicos, foi comprovado que ele é muito mais eficiente do que o carvão ativado, existente nos purificadores, que custam, em média, R$ 400. Então, criamos algo que é muito mais barato, eficiente a partir de algo que iria para o lixo”.


Nelson explica que, como o Lames já tem experiência em aproveitar resíduos que são descartados e transformá-los em produtos úteis, a borra do café, que não servia mais para nada, foi vista como uma boa alternativa para filtrar a água. “Inicialmente, secamos o resíduo no sol, já que lá no Timor Leste essa seria a melhor maneira. Tudo foi complexo, pois tivemos que adequar o processo para a realidade daquele país”.


Com a borra de café seca, o material é submetido a três processos de extração. Primeiro, são retirados 15% de óleo de café, que pode ser usado na indústria alimentícia, de biocombustíveis, de cosméticos. Depois, na segunda etapa, é extraído o aroma do café, que também pode ser reaproveitado na indústria alimentícia e de bebidas. Por fim, no terceiro processo, é extraído um fertilizante, que pode ser utilizado na própria cafeicultura. “Ao final de tudo isso, chegamos àquilo que chamamos de ‘torta de café’. Ela não tem mais cheiro ou sabor e filtra a água com eficiência”, explicou o professor.


‘Torta de café’


No total, o processo para extração da “torta de café” leva 24 horas e, com o material preparado, os pesquisadores passaram a desenvolver uma forma simples para uso no Timor Leste. “Como não há recursos para uma produção de filtro muito elaborada por lá, criamos uma forma simples de montagem, usando tecido ou algodão, a ‘torta de café’ e uma garrafa de plástico”, relatou Nelson.


Ele explica que, primeiro, são feitos furinhos na tampa da garrafa. Depois, é colocado o tecido ou algodão. “Em seguida, vem a ‘torta de café’ e, mais uma vez, outra camada de algodão. E o filtro está pronto. A água pode ser colocada por cima e o que sair pela tampa está apto para consumo”, conta.


De acordo com o professor, para o consumo de uma casa, por exemplo, o ideal é que os filtros à base de café sejam trocados a cada um ano e meio. “Claro que isso depende da quantidade de água filtrada, mas é fato que toda água proveniente de represa, rios e poços artesianos, que normalmente são usadas para consumo, ficarão devidamente potável. Para o Timor Leste, que sofre com a falta de água tratada, isso será revolucionário”.


Ideia


Após chegar ao Brasil, em 2009, Julião lembra que tinha a missão de fazer uma graduação e voltar para casa com um projeto de melhoria do meio ambiente. “Eu não tinha noção do que iria fazer, mas eu sofri muito bebendo água imprópria e sabia que esse era um problema grave no meu país. Conversando com os professores, eu disse que queria uma maneira de tratar a água, já que lá não existe tratamento como o que é feito por aqui. Pensamos que precisávamos de algum recurso simples e destaquei que lá existem muitas plantações de café e os estudos se concentraram nisso”, lembra.


A partir daí, já com orientação do professor Nelson, Julião passou a estudar como a borra de café poderia ser usada para tratar a água. “No mesmo ano, começamos as pesquisas e vimos que os resultados eram satisfatórios. Foquei minha tese nisso”, conta Julião.


O orientador lembra que, ao saber sobre a situação do Timor Leste, concordou com o aluno de que os problemas com água potável eram gravíssimos e que algo precisava ser feito. “Eu pesquisei sobre o país, que ficou em guerra contra a Indonésia por 24 anos, e recebeu como herança desse conflito a devastação. Com isso, em 2009, apenas 5% da população recebia água potável e isso apenas na capital, Díli, e nas cercanias do Palácio do Governo”, contou.


Com base na identificação do problema, o professor lembra que era preciso pensar em uma maneira de purificar a água com recursos disponíveis no país. “Foi aí que o Julião falou sobre a cafeicultura era uma das poucas atividades agroindustriais organizada no país. Tínhamos pessoas que produziam, beneficiavam e comercializavam o café tanto para a população do país, o governo e para a vizinha Indonésia. Sendo assim, o produto tinha que ser o alvo dos estudos”, relata Nelson.


Resultados


Desde que chegou ao país, Julião só retornou para casa em 2014, quando conversou com o representantes do governo do Timor Leste sobre a descoberta. Agora, com a conclusão da pesquisa, o objetivo é que ele volte para lá e repasse os conhecimentos adiante.


“A ideia é que seja criada uma cooperativa e que as autoridades se comprometam com o fornecimento da borra de café. Aí ela passará por todo o processo de extração e o óleo, o aroma e o fertilizante poderão ser comercializados. O que sobrar, que é a ‘torta de café’, deverá ser doado para a produção dos filtros, para que sejam distribuídos gratuitamente para a população”, destacou o professor.


Para Nelson, em um país tão carente de recursos como o Timor Leste, essa medida simples pode levar um enorme benefício para a sociedade. “Além da melhoria na saúde pública do país, acreditamos que o fornecimento de água de qualidade também pode ajudar na redução de conflitos, já que uma vez que não se existe abastecimento de qualidade para todos isso pode provocar uma tensão interna”, afirma.


Mas a medida também deve beneficiar os brasileiros. “Estamos conversando com uma empresa que está querendo comercializar o produto. Ainda não sabemos os custos finais, mas o nosso acerto com essa companhia é de que, a cada filtro vendido no Brasil, um seja doado para a comunidade carente. Sabemos que não é possível criar algo assim por aqui sem custos, mas essa seria uma alternativa para beneficiar brasileiros que também não têm acesso à água potável”.


No Brasil, além do sucesso com a pesquisa, Julião também conheceu uma jovem, com quem tem uma filha de dois meses. Eles irão se casar nos próximos dias e, depois de concluir o doutorado, seguirão para o Timor Leste. “Em 2016 pretendo voltar. Será um prazer enorme chegar em casa, encontrar meus pais, e repassar meus conhecimentos para ajudar o povo. Fico muito feliz por ter tido essa oportunidade de ter vindo para o Brasil, encontrado as pessoas certas e ter, de fato, descoberto uma forma de ajudar as pessoas a ter vida melhor”, comemora.

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Pesquisa na UFG usa borra de café como filtro para obter água potável

10 de fevereiro de 2015 | Sem comentários Curiosidades Pesquisa Escolar

Estudo diz que material é filtro 3 vezes mais eficiente do que carvão ativado.
Professor do Timor Leste fez descoberta na tese de doutorado, em Goiânia.
Fernanda Borges
Julião Pereira, 31, provou que borra de café pode ser usada como filtro de água (Foto: Fernanda Borges/G1)A tese de doutorado do professor Julião Pereira, 31 anos, natural do Timor Leste, país localizado no sudeste asiático, descobriu na borra de café uma alternativa de baixo custo para se obter água potável. De acordo com a pesquisa, desenvolvida na Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia, o resíduo, que normalmente é descartado após o café ser coado, passa por um processo até que seja extraída a chamada “torta de café”, que, segundo os pesquisadores, é um filtro três vezes mais eficiente do que o carvão ativado.


A pesquisa, orientada pelo professor Nelson Roberto Antoniosi Filho, coordenador do Laboratório de Métodos de Extração e Separação (Lames), foi iniciada em 2009, assim que Julião chegou ao Brasil, por meio do programa Ciência Sem Fronteiras, do Ministério da Educação. Isso foi possível graças a um termo de cooperação assinado pelo governo brasileiro com o Timor Leste para formação profissional de timorenses. A ideia é que o projeto de Julião seja implantado no país natal, que sofre com a falta de água tratada.


Julião e seu orientador, o professor Nelson Antoniosi Filho (Foto: Fernanda Borges/G1)


Resíduos extraídos da borra até a obtenção da 'torta de café' (Foto: Fernanda Borges/G1)


 


 


 


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Pesquisadores alertam para riscos à saúde por uso da ‘Seiva da Moreira’ Remédio à base de mama-cadela pode ajudar pessoas com vitiligo Pesquisador descobre mutações em gene de doença que causa cegueira MIT lista professor da UFG entre os dez brasileiros mais inovadores De acordo com o professor, após seis anos de pesquisa, Julião comprovou que a borra de café é uma solução barata para o problema de calamidade pública do seu país. “Depois de fazer inúmeros testes para verificar se o material poderia reter mais poluentes, como metais tóxicos e agrotóxicos, foi comprovado que ele é muito mais eficiente do que o carvão ativado, existente nos purificadores, que custam, em média, R$ 400. Então, criamos algo que é muito mais barato, eficiente a partir de algo que iria para o lixo”.


Nelson explica que, como o Lames já tem experiência em aproveitar resíduos que são descartados e transformá-los em produtos úteis, a borra do café, que não servia mais para nada, foi vista como uma boa alternativa para filtrar a água. “Inicialmente, secamos o resíduo no sol, já que lá no Timor Leste essa seria a melhor maneira. Tudo foi complexo, pois tivemos que adequar o processo para a realidade daquele país”.


Com a borra de café seca, o material é submetido a três processos de extração. Primeiro, são retirados 15% de óleo de café, que pode ser usado na indústria alimentícia, de biocombustíveis, de cosméticos. Depois, na segunda etapa, é extraído o aroma do café, que também pode ser reaproveitado na indústria alimentícia e de bebidas. Por fim, no terceiro processo, é extraído um fertilizante, que pode ser utilizado na própria cafeicultura. “Ao final de tudo isso, chegamos àquilo que chamamos de ‘torta de café’. Ela não tem mais cheiro ou sabor e filtra a água com eficiência”, explicou o professor.


 



Sistema usando ‘torta de café’ e garrafa de plástico
se transforma em filtro (Foto: Fernanda Borges/G1)’Torta de café’
No total, o processo para extração da “torta de café” leva 24 horas e, com o material preparado, os pesquisadores passaram a desenvolver uma forma simples para uso no Timor Leste. “Como não há recursos para uma produção de filtro muito elaborada por lá, criamos uma forma simples de montagem, usando tecido ou algodão, a ‘torta de café’ e uma garrafa de plástico”, relatou Nelson.


Ele explica que, primeiro, são feitos furinhos na tampa da garrafa. Depois, é colocado o tecido ou algodão. “Em seguida, vem a ‘torta de café’ e, mais uma vez, outra camada de algodão. E o filtro está pronto. A água pode ser colocada por cima e o que sair pela tampa está apto para consumo”, conta.


De acordo com o professor, para o consumo de uma casa, por exemplo, o ideal é que os filtros à base de café sejam trocados a cada um ano e meio. “Claro que isso depende da quantidade de água filtrada, mas é fato que toda água proveniente de represa, rios e poços artesianos, que normalmente são usadas para consumo, ficarão devidamente potável. Para o Timor Leste, que sofre com a falta de água tratada, isso será revolucionário”.


Ideia
Após chegar ao Brasil, em 2009, Julião lembra que tinha a missão de fazer uma graduação e voltar para casa com um projeto de melhoria do meio ambiente. “Eu não tinha noção do que iria fazer, mas eu sofri muito bebendo água imprópria e sabia que esse era um problema grave no meu país. Conversando com os professores, eu disse que queria uma maneira de tratar a água, já que lá não existe tratamento como o que é feito por aqui. Pensamos que precisávamos de algum recurso simples e destaquei que lá existem muitas plantações de café e os estudos se concentraram nisso”, lembra.


A partir daí, já com orientação do professor Nelson, Julião passou a estudar como a borra de café poderia ser usada para tratar a água. “No mesmo ano, começamos as pesquisas e vimos que os resultados eram satisfatórios. Foquei minha tese nisso”, conta Julião.



Resíduos extraídos da borra até a obtenção da ‘torta de café’ (Foto: Fernanda Borges/G1)


O orientador lembra que, ao saber sobre a situação do Timor Leste, concordou com o aluno de que os problemas com água potável eram gravíssimos e que algo precisava ser feito. “Eu pesquisei sobre o país, que ficou em guerra contra a Indonésia por 24 anos, e recebeu como herança desse conflito a devastação. Com isso, em 2009, apenas 5% da população recebia água potável e isso apenas na capital, Díli, e nas cercanias do Palácio do Governo”, contou.


Com base na identificação do problema, o professor lembra que era preciso pensar em uma maneira de purificar a água com recursos disponíveis no país. “Foi aí que o Julião falou sobre a cafeicultura era uma das poucas atividades agroindustriais organizada no país. Tínhamos pessoas que produziam, beneficiavam e comercializavam o café tanto para a população do país, o governo e para a vizinha Indonésia. Sendo assim, o produto tinha que ser o alvo dos estudos”, relata Nelson.


Resultados
Desde que chegou ao país, Julião só retornou para casa em 2014, quando conversou com o representantes do governo do Timor Leste sobre a descoberta. Agora, com a conclusão da pesquisa, o objetivo é que ele volte para lá e repasse os conhecimentos adiante.


“A ideia é que seja criada uma cooperativa e que as autoridades se comprometam com o fornecimento da borra de café. Aí ela passará por todo o processo de extração e o óleo, o aroma e o fertilizante poderão ser comercializados. O que sobrar, que é a ‘torta de café’, deverá ser doado para a produção dos filtros, para que sejam distribuídos gratuitamente para a população”, destacou o professor.



Julião e seu orientador, o professor Nelson
Antoniosi Filho (Foto: Fernanda Borges/G1)Para Nelson, em um país tão carente de recursos como o Timor Leste, essa medida simples pode levar um enorme benefício para a sociedade. “Além da melhoria na saúde pública do país, acreditamos que o fornecimento de água de qualidade também pode ajudar na redução de conflitos, já que uma vez que não se existe abastecimento de qualidade para todos isso pode provocar uma tensão interna”, afirma.


Mas a medida também deve beneficiar os brasileiros. “Estamos conversando com uma empresa que está querendo comercializar o produto. Ainda não sabemos os custos finais, mas o nosso acerto com essa companhia é de que, a cada filtro vendido no Brasil, um seja doado para a comunidade carente. Sabemos que não é possível criar algo assim por aqui sem custos, mas essa seria uma alternativa para beneficiar brasileiros que também não têm acesso à água potável”.


No Brasil, além do sucesso com a pesquisa, Julião também conheceu uma jovem, com quem tem uma filha de dois meses. Eles irão se casar nos próximos dias e, depois de concluir o doutorado, seguirão para o Timor Leste. “Em 2016 pretendo voltar. Será um prazer enorme chegar em casa, encontrar meus pais, e repassar meus conhecimentos para ajudar o povo. Fico muito feliz por ter tido essa oportunidade de ter vindo para o Brasil, encontrado as pessoas certas e ter, de fato, descoberto uma forma de ajudar as pessoas a ter vida melhor”, comemora.


 

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Pesquisa na UFG usa borra de café como filtro para obter água potável

 


Estudo diz que material é filtro 3 vezes mais eficiente do que carvão ativado.
Professor do Timor Leste fez descoberta na tese de doutorado, em Goiânia.


 


Tese de Julião Pereira, 31, provou que borra de café pode virar filtro de água (Foto: Fernanda Borges/G1)Julião Pereira, 31, provou que borra de café pode ser usada como filtro de água (Foto: Fernanda Borges/G1)


A tese de doutorado do professor Julião Pereira, 31 anos, natural do Timor Leste, país localizado no sudeste asiático, descobriu na borra de café uma alternativa de baixo custo para se obter água potável. De acordo com a pesquisa, desenvolvida na Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia, o resíduo, que normalmente é descartado após o café ser coado, passa por um processo até que seja extraída a chamada “torta de café”, que, segundo os pesquisadores, é um filtro três vezes mais eficiente do que o carvão ativado.


A pesquisa, orientada pelo professor Nelson Roberto Antoniosi Filho, coordenador do Laboratório de Métodos de Extração e Separação (Lames), foi iniciada em 2009, assim que Julião chegou ao Brasil, por meio do programa Ciência Sem Fronteiras, do Ministério da Educação. Isso foi possível graças a um termo de cooperação assinado pelo governo brasileiro com o Timor Leste para formação profissional de timorenses. A ideia é que o projeto de Julião seja implantado no país natal, que sofre com a falta de água tratada.


De acordo com o professor, após seis anos de pesquisa, Julião comprovou que a borra de café é uma solução barata para o problema de calamidade pública do seu país. “Depois de fazer inúmeros testes para verificar se o material poderia reter mais poluentes, como metais tóxicos e agrotóxicos, foi comprovado que ele é muito mais eficiente do que o carvão ativado, existente nos purificadores, que custam, em média, R$ 400. Então, criamos algo que é muito mais barato, eficiente a partir de algo que iria para o lixo”.
Nelson explica que, como o Lames já tem experiência em aproveitar resíduos que são descartados e transformá-los em produtos úteis, a borra do café, que não servia mais para nada, foi vista como uma boa alternativa para filtrar a água. “Inicialmente, secamos o resíduo no sol, já que lá no Timor Leste essa seria a melhor maneira. Tudo foi complexo, pois tivemos que adequar o processo para a realidade daquele país”.
Com a borra de café seca, o material é submetido a três processos de extração. Primeiro, são retirados 15% de óleo de café, que pode ser usado na indústria alimentícia, de biocombustíveis, de cosméticos. Depois, na segunda etapa, é extraído o aroma do café, que também pode ser reaproveitado na indústria alimentícia e de bebidas. Por fim, no terceiro processo, é extraído um fertilizante, que pode ser utilizado na própria cafeicultura. “Ao final de tudo isso, chegamos àquilo que chamamos de ‘torta de café’. Ela não tem mais cheiro ou sabor e filtra a água com eficiência”, explicou o professor.


Sistema usando 'torta de café' e garrafa de plástico se transforma em filtro (Foto: Fernanda Borges/G1)
Sistema usando ‘torta de café’ e garrafa de plástico
se transforma em filtro (Foto: Fernanda Borges/G1)


‘Torta de café
No total, o processo para extração da “torta de café” leva 24 horas e, com o material preparado, os pesquisadores passaram a desenvolver uma forma simples para uso no Timor Leste. “Como não há recursos para uma produção de filtro muito elaborada por lá, criamos uma forma simples de montagem, usando tecido ou algodão, a ‘torta de café’ e uma garrafa de plástico”, relatou Nelson.


Ele explica que, primeiro, são feitos furinhos na tampa da garrafa. Depois, é colocado o tecido ou algodão. “Em seguida, vem a ‘torta de café’ e, mais uma vez, outra camada de algodão. E o filtro está pronto. A água pode ser colocada por cima e o que sair pela tampa está apto para consumo”, conta.


De acordo com o professor, para o consumo de uma casa, por exemplo, o ideal é que os filtros à base de café sejam trocados a cada um ano e meio. “Claro que isso depende da quantidade de água filtrada, mas é fato que toda água proveniente de represa, rios e poços artesianos, que normalmente são usadas para consumo, ficarão devidamente potável. Para o Timor Leste, que sofre com a falta de água tratada, isso será revolucionário”.


Ideia
Após chegar ao Brasil, em 2009, Julião lembra que tinha a missão de fazer uma graduação e voltar para casa com um projeto de melhoria do meio ambiente. “Eu não tinha noção do que iria fazer, mas eu sofri muito bebendo água imprópria e sabia que esse era um problema grave no meu país. Conversando com os professores, eu disse que queria uma maneira de tratar a água, já que lá não existe tratamento como o que é feito por aqui. Pensamos que precisávamos de algum recurso simples e destaquei que lá existem muitas plantações de café e os estudos se concentraram nisso”, lembra.
A partir daí, já com orientação do professor Nelson, Julião passou a estudar como a borra de café poderia ser usada para tratar a água. “No mesmo ano, começamos as pesquisas e vimos que os resultados eram satisfatórios. Foquei minha tese nisso”, conta Julião.


Resíduos extraídos da borra até a obtenção da 'torta de café' (Foto: Fernanda Borges/G1)
Resíduos extraídos da borra até a obtenção da ‘torta de café’ (Foto: Fernanda Borges/G1)


O orientador lembra que, ao saber sobre a situação do Timor Leste, concordou com o aluno de que os problemas com água potável eram gravíssimos e que algo precisava ser feito. “Eu pesquisei sobre o país, que ficou em guerra contra a Indonésia por 24 anos, e recebeu como herança desse conflito a devastação. Com isso, em 2009, apenas 5% da população recebia água potável e isso apenas na capital, Díli, e nas cercanias do Palácio do Governo”, contou.


Com base na identificação do problema, o professor lembra que era preciso pensar em uma maneira de purificar a água com recursos disponíveis no país. “Foi aí que o Julião falou sobre a cafeicultura era uma das poucas atividades agroindustriais organizada no país. Tínhamos pessoas que produziam, beneficiavam e comercializavam o café tanto para a população do país, o governo e para a vizinha Indonésia. Sendo assim, o produto tinha que ser o alvo dos estudos”, relata Nelson.


Resultados
Desde que chegou ao país, Julião só retornou para casa em 2014, quando conversou com o representantes do governo do Timor Leste sobre a descoberta. Agora, com a conclusão da pesquisa, o objetivo é que ele volte para lá e repasse os conhecimentos adiante.


“A ideia é que seja criada uma cooperativa e que as autoridades se comprometam com o fornecimento da borra de café. Aí ela passará por todo o processo de extração e o óleo, o aroma e o fertilizante poderão ser comercializados. O que sobrar, que é a ‘torta de café’, deverá ser doado para a produção dos filtros, para que sejam distribuídos gratuitamente para a população”, destacou o professor.


Julião e seu orientador, o professor Nelson Antoniosi Filho (Foto: Fernanda Borges/G1)
Julião e seu orientador, o professor Nelson
Antoniosi Filho (Foto: Fernanda Borges/G1)


Para Nelson, em um país tão carente de recursos como o Timor Leste, essa medida simples pode levar um enorme benefício para a sociedade. “Além da melhoria na saúde pública do país, acreditamos que o fornecimento de água de qualidade também pode ajudar na redução de conflitos, já que uma vez que não se existe abastecimento de qualidade para todos isso pode provocar uma tensão interna”, afirma.


Mas a medida também deve beneficiar os brasileiros. “Estamos conversando com uma empresa que está querendo comercializar o produto. Ainda não sabemos os custos finais, mas o nosso acerto com essa companhia é de que, a cada filtro vendido no Brasil, um seja doado para a comunidade carente. Sabemos que não é possível criar algo assim por aqui sem custos, mas essa seria uma alternativa para beneficiar brasileiros que também não têm acesso à água potável”.


No Brasil, além do sucesso com a pesquisa, Julião também conheceu uma jovem, com quem tem uma filha de dois meses. Eles irão se casar nos próximos dias e, depois de concluir o doutorado, seguirão para o Timor Leste. “Em 2016 pretendo voltar. Será um prazer enorme chegar em casa, encontrar meus pais, e repassar meus conhecimentos para ajudar o povo. Fico muito feliz por ter tido essa oportunidade de ter vindo para o Brasil, encontrado as pessoas certas e ter, de fato, descoberto uma forma de ajudar as pessoas a ter vida melhor”, comemora. Com informações de Fernanda Borges Do G1 GO

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