Linhas de pesquisas como o desenvolvimento de cultivares resistentes a pragas, doenças e clima
Sabemos que um dos pilares fundamentais para gerarmos desenvolvimento em qualquer segmento e cadeia produtiva é a pesquisa. Nesse campo temos de reconhecer que a cafeicultura brasileira trabalha com uma grande competência, por meio de suas instituições de pesquisa, universidades, empresas e mesmo pela pesquisa empírica dos produtores, elementos que nos trouxeram até o nível de desenvolvimento que temos hoje.
Linhas de pesquisas como o desenvolvimento de cultivares resistentes a pragas, doenças e clima, níveis adequados de nutrição e correção do solo, manejo deirrigação, podas, utilização de defensivos, mecanização, manejo da colheita entre outros e, principalmente, relacionados à produtividade, tem sido ao longo dos anos estudados e aplicados de forma intensa. Todo este esforço somado às condições tropicais e naturais do Brasil nos trouxe ao patamar de país produtor com a maior produtividade por área entre todos os países produtores de café. Uma conquista legítima que contribuiu de forma imensurável para a sustentabilidade da cafeiculturabrasileira, e que deve ser outorgada a todos as instituições e pesquisadores envolvidos, pois temos efetivamente uma cafeicultura competitiva em produtividade.
Pois bem, então quais são os nossos desafios?
Obviamente que não se findaram. Mesmo em termos de produção, apesar de toda a evolução, dada a atual dinâmica climática e a uma nova ordem mundial em torno da sustentabilidade, os desafios são inúmeros. A começar pelo uso da água, do solo e de todos os recursos naturais, onde efetivamente temos de ter uma postura e atitudes conservacionistas, visando equilibrar cada vez mais o uso de insumos e a produtividade.
Ok! Nossa pesquisa associada à produtividade cumpriu e vem cumprindo seu papel com extrema competência, mas como aqui neste espaço tratamos de “desafios”, sempre bom trazer à tona aqueles que enxergamos. Diante disso, questiono: como está nossa pesquisa aplicada à diferenciação?
Sim, produzimos em larga escala, contudo os desafios de hoje vão bem além da produção em escala. Estão relacionados, principalmente, a fatores mercadológicos e de consumo, além é claro de fatores sócio-ambientais.
Movidos pela “Terceira onda do Café”, um movimento que gira em torno da qualidade e da diferenciação, temos hoje uma miríade de torrefadores, cafeterias e consumidores que buscam e valorizam os cafés diferenciados, que também podem ter uma miríade de formatos e propostas diferentes: origem, processo, fermentações, estate coffee, varietais, certificações, formas de preparo… Enfim, são diversos os caminhos pelos quais podemos diferenciar nossos cafés e isso, meus caros, não está ligado a uma vontade apenas, está ligado a demanda e a necessidade crescente de diferenciação, frente a um mercado onde os consumidores buscam cada vez mais por novas propostas, se possível customizadas.
Diante disso, um novo olhar sobre a pesquisa se faz necessário. Mesmo que na produção, produzindo e comercializando café verde (in natura), nosso olhar deve estar nas novas demandas dos torrefadores, nosso olhar deve estar nos consumidores. Não podemos mais, enquanto produção, ser parte dissociada do processo que envolve toda uma cadeia. Ou seja, temos de produzir, mas sabendo o que vamos produzir, como vamos produzir e para quem vamos produzir.
E é exatamente nesse ponto que entra a pesquisa aplicada a diferenciação.
Quantos e quais sabores podem ser produzidos? Como se comporta a mesma cultivar em termos de qualidade de bebida para diferentes terroirs? Quais os melhores processos a serem empregados relacionados à bebida que se pretende obter? De que forma podemos ampliar a qualidade da bebida dentro de uma mesma propriedade com o emprego de processos e cultivares adequadas? Qual é a “cara” da qualidade da bebida dos cafés brasileiros, ou quais são? (Sim, pois ainda hoje buscamos sabores do Quênia, Etiópia, Colômbia, entre outros em nossos cafés, deixando assim de focar em construir nossa personalidade).
Estas e muitas outras questões contribuem para a geração de diferenciação na produção de café e enxergamos entre os novos desafios da cafeicultura uma grande necessidade de direcionarmos o foco para estas questões, de gerarmos diferencial.
Recentemente, em uma parceria entre a Epamig – Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Minas Gerais, Federação dos Cafeicultores do Cerrado e Fundação de Desenvolvimento do Cerrado Mineiro iniciamos duas pesquisas exatamente com este foco: gerar diferenciação através da qualidade de bebida.
Banco de Germoplasmas
Uma delas diz respeito ao Banco de Germoplasmas do Campo Experimental da Epamig em Patrocinio – Cerrado Mineiro. Através de um brilhante trabalho dos pesquisadores da Instituição, foi constituído um Banco de Germoplasmas que conta hoje com 1.500 acessos, entre variedades e cultivares das mais diversas origens eespécies. Um verdadeiro patrimônio genético no qual iremos, através do projeto, buscar aquelas com maior potencial de qualidade, variedades que possam nos trazer sabores ainda desconhecidos, que possam gerar diferenciação. Serão analisados cerca de 150 acessos através de suas amostras no que diz respeito à análise sensorial da bebida pela Metodologia da Associação Americana de Cafés Especiais.
Queremos identificar aqueles acessos que demonstrarem potencial de qualidade e avaliar ao longo dos anos, além de replicar, gerando assim novas oportunidades e alternativas aos produtores que buscam pela opção de cultivares que possam gerar diferencial na xícara.
O outro projeto diz respeito à implantação de 12 variedades e cultivares em 30 campos/propriedades em 17 municípios do Cerrado Mineiro. Entre outros fatores, ao longo dos anos iremos acompanhar o comportamento dos resultados de qualidade de bebida, visando obter informações de quais variedades darão melhores resultados em qualidade nas diferentes micro-regiões e faixas de altitude, inter-relacionando também o solo, temperatura, manejo, processo, enfim, todos os fatores que influenciam com o foco claro de identificar as cultivares para cada micro-região.
Todo este esforço se faz necessário frente às novas demandas. Felizmente, em nível global, impulsionado pela terceira onda, o café vem cada vez mais rompendo a barreira da commodititie e se transformando num produto passível de grandes diferenciações, onde o investimento em pesquisa nos trará as informações necessárias para que geremos o valor que buscamos.
Trabalhar com alta produtividade é fundamental, produzir com qualidade é um diferencial. Sejamos competitivos, mas também sejamos diferenciados, isso poderá gerar um ganho de imagem e percepção que naturalmente se reverte em diferencial econômico.
*Juliano Tarabal é engenheiro agrônomo; Especialista em Gestão do Agronegócio Café; Superintende da Federação dos Cafeicultores do Cerrado.
Fonte: CafePoint