Artigo
Geraldo Sant’Ana
de Camargo Barros*
Produzir mais a custos menores tem sido o trunfo do nosso agronegócio. Nos últimos dez anos, a produção das lavouras do País cresceu 45%, enquanto os preços reais recebidos pelos produtores caíram 10% e aqueles aos consumidores, 36%. Ao mesmo tempo, as exportações do agronegócio cresceram 45% em volume e 134% em valor.
Tal performance foi considerada inviável ou impossível por muito tempo no Brasil, pelo menos desde o início do processo de industrialização deslanchado por Getúlio Vargas e acelerado por Juscelino Kubitschek. A crescente demanda por produtos agropecuários decorrente da urbanização gerou forte pressão de alta de preços, com conseqüente acirramento das demandas salariais e da inflação. Acontecia que os ramos comerciais da agropecuária – café, cacau, cana-de-açúcar, algodão e a soja, mais tarde – estavam focados no mercado externo enquanto a produção de alimentos era apenas acessória.
Havendo limitada disponibilidade de recursos – terra e capital -, ou bem se exportava ou então atendia-se à demanda interna. O setor agropecuário era estático dos pontos de vista tecnológico e empresarial.
Para romper essa inércia, a partir dos anos 1960/70, um grande programa foi implementado para modernizar a agropecuária e apoiar sua transmutação do Sul e do Sudeste para o Centro-Oeste e Norte do País.
Investimentos em infra-estrutura, na formação de pesquisadores e em instituições geradoras de tecnologia foram realizados; financiamentos e preços subsidiados foram oferecidos para a agropecuária. É claro que tal transformação demandou pelo menos duas décadas para consumar-se.
Nos anos 1990, quando enfim realizou-se a securitização da dívida agrícola, que emperrava os investimentos, a revitalização do setor se processa segundo dois vetores fundamentais: elevação da produtividade por hectare (ou por trabalhador) e aumento da extensão de terra utilizada das fazendas. Ganhos de produtividade, que totalizaram quase 30% para as lavouras nos últimos 10 anos, foram obtidos corrigindo-se a acidez e a fertilidade do solo e irrigando-o, bem como utilizandose de melhores sementes.
Ganhos de escala foram alcançados com fazendas maiores, viabilizadas pela queda do preço real da terra de cerca de 50% nos últimos 10 anos. Maiores cultivos permitem uso mais adequado da terra, da mão-deobra especializada, das máquinas e dos equipamentos e benfeitorias de maior porte. Além disso, a produção em escala permite aquisição de insumos e a venda de produtos em condições mais vantajosas.
Maior produtividade por hectare e economias de escala resultam em maior produção a menores custos. E é aí que mora o perigo! Esse perigo tem a ver com a sustentabilidade do sistema como um todo se houver limitação de mercado. O economista americano W. Cochrane, nos anos 1950, e o brasileiro Ruy M. Paiva, nos anos 1960, haviam alertado para a armadilha do treadmill (esteira): o uso de tecnologia moderna pode ser limitado se o aumento de produção derrubar os preços a ponto de inviabilizar a continuidade da sua adoção. Com isso, apenas uma parte dos agricultores passa a usar a tecnologia mais produtiva enquanto os demais continuariam atrasados. Numa economia com baixo crescimento, o acesso a mercados externos é que contém o decréscimo dos preços, à medida que permite que o excesso de produção seja escoado ao exterior. Percebe-se, pois, que atualmente as exportações, ao invés de competir com o mercado interno, complementam-no: elas amenizam a queda de preço e viabilizam a produção de larga escala, beneficiando o consumidor nacional e garantindo competitividade do País no mercado externo.
O que esperar do agronegócio nos próximos anos? Um aspecto que preocupa é uma certa estagnação na produtividade verificada nos últimos três anos. Terá sido ocorrência circunstancial devido às irregularidades climáticas? Ou será um sinal de que se esgotaram os estoques de tecnologia disponíveis? Neste último caso, o efeito poderá perdurar num prazo mais longo, posto que é extenso o período e grandes são os investimentos necessários para a geração de nova tecnologia. A expansão da agropecuária estará, então, associada basicamente ao uso de novas áreas e/ou à intensificação da utilização das áreas já exploradas. É verdade que o fator terra não é limitante para o crescimento do agronegócio, mas sim o capital. No Centro-Oeste, no Norte e Nordeste ainda há terras em abundância, que poderão ser utilizadas – com a cautela que os problemas ambientais merecem – desde que investimentos em infra-estrutura sejam realizados.
Mesmo dentro da precariedade atual, pode-se contar ainda com um crescimento considerável do setor – cerca de 5% ao ano no curto prazo, mas não por muito tempo. É claro que, para isso, o agronegócio vai contar essencialmente com a expansão do comércio externo, embora a economia nacional possa vir a desempenhar-se melhor sem, entretanto, acompanhar os demais países emergentes. Os destaques devem continuar a ser a China, cujas importações de nosso agronegócio vêm crescendo a 16% ao ano, a Índia (15% ao ano) e a Argélia (14%). Ou seja, a expansão das exportações no ritmo atual depende do crescimento de países emergentes e não dos desenvolvidos, em que o consumo de produtos agropecuários já se estabilizou. Uma mudança importante nesse quadro ocorreria em caso de avanços relevantes nas negociações da chamada Rodada de Doha.
Nos dias que correm, há intensa preocupação com a evolução desfavorável da taxa de câmbio, que até agora vem sendo em boa parte compensada pelo comportamento dos preços internacionais. Entretanto, a perdurar o ritmo atual de valorização do real, estaremos nos aproximando a passos largos de um sério agravamento da rentabilidade do setor.
Por um lado, o acesso ao mercado externo, mesmo na eventualidade de essa situação ser alcançada, é melhor que o nãoacesso. Urge continuar exportando, retendo as posições já alcançadas via corte de custos e aumento permanente de eficiência. Por outro, um agravamento da rentabilidade certamente levará a uma desaceleração do crescimento do agronegócio, com prejuízos para o setor e para o País como um todo.
*Professor Titular da Esalq/ USP e Coordenador Científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP) gscbarro@ esalq.usp.br