Francisco Sérgio Lange – 26/12/2013
– De acordo com o documento produzido pelo MAPA e Secretaria de Produção e Agroenergia em junho de 2009 sob o título “Analise Estrutural da Cafeicultura Brasileira”, na sua pagina 76, encontramos: – “Em julho de 1989 com a queda das cláusulas econômicas do Acordo Internacional do Café inicia-se o processo de desregulamentação do setor cafeeiro e em março de 1990, após uma reforma administrativa promovida pelo governo Color, extingue-se então o IBC – Instituto Brasileiro do Café, o que, afetou estruturalmente a politica cafeeira brasileira.
Da extinção do IBC até a criação do Departamento Nacional de Café, órgão submetido ao Ministério da Indústria, Comercio e Turismo, em dezembro de 1995, a governança do setor se dava através de ações dispersas do Governo, que atuava mediante ação de diversos órgãos, enquanto que a iniciativa privada procurava coordenar seus pleitos e necessidades mediante a ação do Comité Brasileiro do Café, um grupo formado pelos presidentes das entidades representativas da iniciativa privada ( CNC, CNA, FEBEC,ABIC E ABICS – respectivamente produtores cooperados, produtores sindicalizados, exportadores, indústria de torrefação e moagem e indústria de café solúvel). – – –
Em dezembro de 1996, fruto do trabalho da Comissão Especial da Câmara dos Deputados destinada a promover o debate e o exame da autogestão do FUNCAFE (criado em 1987), presidida pelo Deputado Carlos Melles, tendo como relator o Deputado Silas Brasileiro, foi criado, com a finalidade de aprovar politicas para o setor cafeeiro do Brasil, o CDPC – Conselho Deliberativo da Politica do Café formado, do lado governamental, pelos Ministério da Agricultura, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, Ministério das Relações Exteriores e Desenvolvimento e Ministério Da Industria e Comercio e do lado da iniciativa privada pelo CNC, CNA, ABIC, ABICS, CECAFE e FUNCAFE”. – e nas paginas 77 e 78: “esse modelo de gestão vem sendo sistematicamente posto em dúvida, apesar dos indiscutivelmente bons resultados quanto à evolução do mercado interno, de nossa participação no mercado internacional e do volume de receitas cambiais auferidas” e “os questionamentos advêm principalmente da quase permanente debilidade dos produtores da maioria das mais importantes regiões cafeeiras e dos insolúveis problemas de endividamento.
O aparente sucesso dos demais setores da iniciativa privada, o que de certa forma se contesta devido à situação delicada em que também se encontram a indústria de torrefação e de solúvel, em contrapartida à sempre delicada situação do setor produtor, acaba fazendo com que o CDPC se constitua numa caixa de ressonância das discordâncias entre os setores, ficando as decisões estratégicas relegadas a um plano secundário. E cabendo sempre ao governo a função efetiva de arbitrar as decisões. Temos nos caracterizado por ser produtores de matéria prima de baixo valor agregado, vendida a preços inferiores aos custos de produção. Em se tratando de produto de exportação, o Brasil vem subsidiando, com prejuízo de seus produtores e com recursos da nação, correspondentes aos financiamentos sempre prorrogados a taxas de juros inferiores à Selic, os consumidores de países desenvolvidos. As dificuldades encontradas para execução deste próprio trabalho são a clara demonstração da necessidade de aprimoramento de nosso sistema de gestão.
Faltaram informações importantíssimas e outras se mostraram incorretas, além das que são sempre questionadas como a própria produção, área plantada, consumo interno, custos de produção, etc. E a cafeicultura necessita decisões formuladas estrategicamente, com a necessária antecedência, visando objetivos de longo prazo e vislumbrando-se situações de longo prazo. Isso demonstra que devemos aprimorar nosso modelo, o que pode se dar reformulando o CDPC e a estrutura da Secretária de Produção e Agroenergia no que se refere ao Departamento de Café, ou buscando nova forma de governança, eventualmente mais adequada à situação do setor e que priorize os aspectos que hoje consideramos deficientes, qual seja, melhores condições de formulação de uma politica de renda ao produtor ”.
– Ainda de acordo com este documento, na pagina 82, podemos ler : “Por tudo que se observa dos diversos setores da economia cafeeira, há fortes indicações que este modelo atual NÃO esta funcionando a contento, tanto por ações estratégicas estarem relegadas a um plano secundário, quanto pelo fato do CDPC ter se tornado um local de forte conflito de opiniões, onde o antagonismo tem se exacerbado sistematicamente. Assim, ousamos apresentar um encaminhamento de alteração do modelo, através de proposta de Governança do Setor Cafeeiro partindo de duas vertentes principais: o esgotamento da capacidade regulatória estatal e a necessidade de uma coordenação mínima das atividades do setor cafeeiro, com a colaboração entre os setores públicos e privados.
De qualquer forma, esse tem deveria ser amplamente discutido com a profundidade necessária pelos próprios setores, sendo posteriormente levados ao CONGRESSO NACIONAL para a necessária discussão e decisão politica. Nas análises desses fóruns, entendemos que deveriam ser priorizadas as ações estratégicas comerciais, que pudessem dar continuidade ao crescimento de nossa participação no mercado internacional e ao crescimento do nosso mercado interno, tendo sempre como principal parâmetro o desenvolvimento econômico e social das regiões produtoras, eu devem se dar com a necessária sustentabilidade, garantidora da estabilidade e da paz social, e buscando contemplar a melhoria da qualidade da produção no atendimento de nossos mercados, que teriam sua abordagem mais centrada na exportação de produtos com maior valor agregado, tanto no que se refere a produtos industrializados quanto no que se refere a cafés verdes de alta qualidade, considerados cafés especiais, naturais de regiões específicas com certificação de origem e adequada rastreabilidade, lavados e despolpados, ou ainda os cafés cereja descascados”.
– Para arriscar-me, despretensiosamente, a uma perspectiva para a cafeicultura em 2014, quero além do documento acima, recorrer-me também a um importante dado revelado pelo Censo Agropecuário de 2006, do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que registrou a existência no Brasil de mais de 285 mil estabelecimentos rurais de café, com grande maioria dessas propriedades brasileiras administradas por famílias de pequenos produtores com área média de 7Ha, revelando também que 38% do café é oriundo da agricultura familiar, o que lhe confere agora, importância relevante, o que, agrava então, ainda mais, o quadro acima considerado, pois, infelizmente a Cafeicultura Familiar não tem acento no CDPC.
– Depois de 1989, com a queda d do muro de Berlim, da desintegração da União Soviética e o fim da economia estatizada do Leste Europeu, a GLOBALIZAÇÃO se tornou um fenômeno universal, o que, levou os países a participarem da internacionalização da economia e da tecnologia, sob pena de serem excluídos do processo de modernização. Passamos a fazer parte de um mundo cada vez mais integrado, que oferece a milhões de pessoas acesso quase ilimitado a um universo de possibilidades nunca antes imaginado, mas também, um mundo marcado por desigualdades, fome e miséria que atingem mais de 2 bilhões de seres humanos.
Com relação a AGRONEGÓCIO GLOBALIZADO, este derrubou fronteiras, ultrapassou diferentes línguas e costumes e criou um mundo inteiramente novo e diferente. Um novo panorama se estabeleceu e milhões de novos consumidores estão tendo acesso a melhores condições de vida. Com relação aos alimentos, estão se preocupando com os aspectos da saudabilidade e mais recentemente, com os conceitos de sustentabilidade. A alta demanda por alimentos provoca a volatilidade dos preços das commodities agrícolas, o que afeta o custo dos alimentos, a segurança alimentar e a renda dos produtores. O alto custo Brasil com alta carga tributária, vem causando grande impacto no nosso custo de produção, ameaçando seriamente a competitividade dos nossos empreendimentos rurais.
Essa realidade implica cada vez mais a nós empreendedores agrícolas, voltarmos nossas atenções para o entendimento do mercado demandante e dos acontecimentos que afetam nossos negócios, levando-nos então a investirmos nossos escassos recursos financeiros na melhoria da gestão do empreendimento rural como estratégia de sobrevivência na atividade. Frente a tal cenário, agricultura rentável inexoravelmente terá que ser sinônimo e, consequência de agricultura muito eficiente em todos os aspectos tecnológicos, gerenciais e organizacionais. A diminuição dos serviços e dos recursos que o governo brasileiro vem destinando ao desenvolvimento do setor agropecuário não é mais uma tendência, é uma realidade, portanto, como nós pequenos cafeicultores iremos fazer uma agricultura eficiente, competitiva e rentável? Como iremos agregar valor aos nossos produtos? Como vamos ampliar nossa participação no mercado?
– De acordo com Carlos Brando, diretor da P&A Consulting, no mundo do pequeno produtor brasileiro de café, MUDANÇAS significam um processo muito difícil e embora nosso pais tenha desenvolvido um ótimo sistema de pesquisa cientifica de café, ele ainda não é capaz de aplicar as novas tecnologias tão rapidamente quanto elas são criadas, assim, vamos precisar desenvolver então, um serviço de extensão cafeeira mais atuante. Mas, como fazer isso se os Governos Estaduais vem sistematicamente diminuindo os recursos financeiros destinados aos seus institutos de pesquisa e extensão?
– Pois bem, em assim sendo, posso afirmar que se continuarmos dependentes do MODELO ATUAL com o antagonismo do CDPC, com uma politica cafeeira centrada no financiamento e distantes das nossas instituições de pesquisa e extensão, com certeza as perspectivas para 2014 serão as mesmas que estamos acostumados, ou até piores, visto que, a produção novamente deverá ficar em patamares elevados.
– Agora, dentro de um cenário mais otimista e no curto prazo, acredito que se, levarmos em consideração que será nossa obrigação, provocarmos estas mudanças e oferecermos aos consumidores os cafés que eles vem exigindo, certamente teremos uma chance, pois, nestes últimos anos, conforme estudos da Dra. Maria Célia Martins Souza pesquisadora cientifica da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo: “estamos observando no CAFÉ, transformações com intuito de diferenciá-lo com base em parâmetros de qualidade que atendam a novos valores associados ao consumo. Mais do que uma estratégia de concorrência, que acrescenta valores aos produtos, estas mudanças revelam uma rearticulação da organização social do mercado.
A diferenciação de cafés reorganiza as relações sociais em todo o sistema produtivo, desde a produção e o comercio dos grãos até a torrefação e a distribuição para os consumidores. Os novos parâmetros dos cafés diferenciados, apresentam um leque muito grande tanto de dimensões materiais, que podem incorporar atributos de natureza física e sensorial, como no caso dos cafés finos, quanto de dimensões simbólicas, relacionadas a uma nova ética associada a características ambientais e sociais da produção. O Brasil, tradicional fornecedor de café commodity, já vem sendo reconhecido também como capaz de produzir excelentes cafés. A produção dos ESPECIAIS, e entre eles os SUSTENTÁVEIS, vem se expandindo, intensificando assim as iniciativas de valorizarem a ORIGEM DOS PLANTIOS, tendo os mecanismos de certificação importância fundamental”.
– Ainda dentro deste foco, aproveito para atentá-los para o que foi estabelecido no novo Acordo Internacional do Café de 2007, onde no seu capítulo I – Objetivos, vamos encontrar: “O objetivo do presente acordo é fortalecer o setor cafeeiro global num contexto de mercado, promovendo sua expansão em beneficio de todos os participantes do setor, e para tanto: Item 3 – Incentivar os membros a desenvolver um setor cafeeiro sustentável em termos econômicos, sociais e ambientais; Item 9 – Promover a qualidade do café com vistas a proporcionar maior satisfação aos consumidores e maiores benefícios aos produtores; e …. sendo assim, pergunto: Como o Brasil fará para cumprir com o que se comprometeu a seguir se não estamos nem ao menos conseguindo fazer a lição de casa?
– Nesse sentido, criarmos condições de ampliarmos o acesso dos pequenos negócios ao mercado, reaproximarmos o Estado, da Inciativa Privada e dos produtores e investirmos em produtos ou serviços de qualidade, certamente novas oportunidades e chances aparecerão. Assim, patrocinar iniciativas que fortaleçam e disseminem sistemas de Indicação Geográfica e Certificação de Qualidade, com certeza será uma excepcional estratégia. Para tanto, a definição da qualidade do café no Brasil, o fortalecimento da Agricultura de Produção Familiar e o desenvolvimento de um novo modelo associativista precisam ser urgentemente colocados em pratica.
– Diante disso, implantar um novo Modelo Gestor da Cafeicultura brasileira, elaborar e colocar em vigência uma nova instrução normativa para o café contemplando a qualidade e investir em origem e certificação, como forma de fortalecimento da agricultura familiar será fundamental para o desenvolvimento de uma nova cafeicultura brasileira.
– Assim, se iniciarmos logo agora no começo do ano este processo de mudanças, acredito que será possível terminarmos 2014 com bons resultados, mas como as coisas no Brasil demoram a acontecer, prefiro acreditar que 2014 ainda deverá ser um ano difícil, mesmo com o mercado ameaçando uma recuperação e o dólar subindo para patamares próximos a R$ 2,50.
Francisco Sérgio Lange é Presidente na empresa Sindicato Rural de Divinolândia na Mogiana Paulista