Pernas inquietas e insones
Pernas inquietas e insones Síndrome que perturba o sono e está relacionada a falhas no sistema nervoso atinge 15% da população. O principal sintoma é a vontade incontrolável de se movimentar na hora de dormir Rachel Librelon Da equipe do Correio Carlos Moura/CB Ana Aguiar (com o marido, Manoel): quase 3 mil noites sem dormir até descobrir a doença e o tratamento eficaz Foram 10 anos de tormento para a professora Ana Aguiar Carneiro, 48 anos.
Quase 3 mil noites acordando e mudando de lugar a cada duas horas. Sempre que se deitava, começava a sentir uma espécie de gastura nas pernas. A sensação angustiante só passava quando ela levantava e andava um pouco. Voltava a se deitar e a sensação voltava. E a canseira só chegava ao fim por volta das 4h, quase amanhecendo, quando, finalmente, o desconforto nas pernas acabava. “Eu tinha pelo menos três lugares diferentes para dormir. Deitava na minha cama às 21h, levantava às 23h, com as pernas doendo. Ia para o sofá, ficava lá uma hora. Depois acordava e deitava na rede. Uma hora depois começava tudo de novo”, relata Ana. Na busca pela cura, consultou especialistas de diversas áreas. Primeiro, procurou um angiologista. O diagnóstico veio logo: um tratamento de varizes colocaria fim ao tormento.
Nada aconteceu. Depois, foi a um ortopedista. O médico concluiu que era um problema no nervo ciático. Tentou fisioterapia. Nada. “Um época, comecei a sentir muita dor de cabeça. Mas achava que era o incômodo nas pernas que provocava os outros problemas”, conta. Resolveu procurar um neurologista. Fez uma bateria de exames e nenhum resultado. “Foi quando o médico me falou da Síndrome das Pernas Inquietas. Disse que conhecia um especialista na doença”, lembra. A indicação era que procurasse o neurologista Raimundo Nonato Rodrigues, mestre e doutor pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Medicina do Sono pela Sociedade Brasileira do Sono (SBS). O tratamento era simples. Nonato prescreveu doses de ferro. Desde então, as tais pernas inquietas não importunam mais a professora. Para felicidade de todos, o humor e a disposição melhoraram.
Bom para o marido de Ana, o aposentado Manuel Carneiro, 53 anos, que também passou a dormir a noite inteira. Agora é a apnéia (parada respiratória rápida) do marido durante o sono e o ronco que, de vez em quando, atrapalham o descanso de Ana. “Mas não tenho mais medo de a noite chegar, porque tenho certeza que vou conseguir dormir”, comemora. Diagnóstico Assim como Ana, pelo menos 15% da população sofre com a Síndrome das Pernas Inquietas (SPI). O preocupante, de acordo com o neurologista Nonato Rodrigues, é que a maioria dos pacientes não faz idéia que o desconforto nas pernas tem tratamento na maioria dos casos. “Muitas vezes, nem os médicos conseguem fazer o diagnóstico logo”, comenta o especialista. De acordo com Nonato, em algumas pessoas, a sensação acontece durante algum tempo e pára.
É mais comum em mulheres. A gravidez, a idade, fatores genéticos e a deficiência de ferro são fatores que aumentam as chances de a doença se manifestar. O tratamento é feito com medicamentos que agem diretamente nos receptores do neurotransmissor dopamina – mediador químico indispensável pela atividade normal do cérebro. “Além disso, pelo menos 20% dos pacientes diagnosticados como portadores de déficit de atenção têm, na verdade, Síndrome das Pernas Inquietas”, acrescenta. A perda de qualidade de vida é um dos principais problemas para quem sofre com o distúrbio.
Quem não dorme direito passa o dia cansado e sonolento. As atividades cotidianas tornam-se um sofrimento. A SPI é mais uma de uma série de doenças que tiram o sono do brasileiro. “Pelo menos 35% das pessoas comuns que vivem nos grandes centros dormem mal”, explica Nonato. Desde a infância, uma gastura nas pernas impedia a fisioterapeura Ana Paula Duarte de dormir em paz. O problema começava por volta das 23h e, daí em diante, andava de um lado para o outro dentro de casa.
Simplesmente não conseguia ficar sem mexer as pernas. Em algumas épocas, as crises eram mais freqüentes. “Minha mãe sentia a mesma coisa, mas nunca encontrou tratamento”, conta. Ana Paula só desconfiou que tinha uma doença do sono quando, há alguns meses, viu em uma revista científica um artigo descrevendo os mesmos sintomas que sentia. Em março deste ano, procurou um neurologista especializado em medicina do sono e começou a se tratar. “O resultado foi rápido. Já consigo dormir bem mais tranqüila”, afirma a fisioterapeuta. Como descansa melhor, não fica cansada durante o dia e tem muito mais disposição. Nem sempre a Síndrome das Pernas Inquietas é uma doença que condena a pessoa a ficar acordada enquanto não se tratar.
De acordo com o neurologista Walter Moraes, sócio da Sociedade Brasileira do Sono e pesquisador do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na maioria dos casos, a SPI se manifesta e desaparece em menos de duas semanas. Além disso, está relacionada simplesmente à falta de ferro no organismo. No caso das gestantes, por exemplo, os sintomas que atingem 19% das mulheres grávidas desaparecem assim que o bebê nasce. A ingestão de estimulantes como chá e café em excesso também pode provocar uma síndrome temporária.
De qualquer forma, o melhor é não ignorar a doença se ela aparecer e desaparecer repentinamente. “Há relatos de pacientes que têm a síndrome e, mais tarde, apresentam o mal de Parkinson. As duas doenças são provocadas pela falta da mesma substância”, alerta Moraes. Porém, ainda não existam estudos que confirmem que uma doença leva necessariamente à outra. Apnéia Na tese de doutorado, defendida em dezembro do ano passado na Faculdade de Medicina da UnB, Raimundo Nonato Rodrigues estudou a relação da sonolência diurna e fadiga em pacientes com apnéia que sofriam ou não da Síndrome das Pernas Inquietas. Cerca de 8% dos pacientes têm uma associação das duas doenças. São pessoas que roncam e não conseguem ficar quietas durante a noite.
A estimativa de Nonato é que essa mistura de apnéia e SPI afete pelo menos 1 milhão de homens e mulheres no Brasil. No hospital univesitário de Estraburgo, na França, Nonato avaliou 30 pacientes, 17 com apnéia e Síndrome das Pernas Inquietas e 13 só com apnéia. A conclusão foi a de que depois de três meses o tratamento contra as rápidas paradas respiratórias que provocam o ronco também surtiu efeito nos pacientes com SPI e ajudou a reduzir os movimentos noturnos. “De qualquer forma, não adianta tratar só a apnéia para resolver o problema das pernas inquietas”, conclui. Parece um tique nervoso, mas não é A Síndrome das Pernas Inquietas não tem nenhuma ligação com um tique que muita gente tem, de ficar movimentando involuntariamente as pernas.
O neurologista Raimundo Nonato explica que o balanço das pernas durante o dia é uma espécie de “válvula de escape” do cérebro para amenizar sensações de nervosismo, ansiedade ou insatisfação. “Vale ressaltar que, no caso da síndrome, a pessoa movimenta as pernas conscientemente porque sente uma necessidade incontrolável de se mexer. No tique, a pessoa não percebe que está se mexendo”, explica Nonato. Segundo ele, o movimento das pernas pode ser comparado a outras ações que as pessoas fazem involuntariamente para descarregar algum incômodo e se acalmar. É semelhante ao cacoete de coçar a garganta ou passar a mão no nariz repetidas vezes. “Isso em si não é uma doença, não é tratado com medicamentos. O recomendável é fazer uma terapia para controlar a ansiedade”, orienta o neurologista.
Fonte URL: http://www2.correioweb.com.br/cbonline/cidades/pri_cid_276.htm?