Apesar de sermos o país que mais produz café e o segundo que mais o consome, pela primeira vez, nesta década, estamos engatinhando em direção à cultura gourmet. Este movimento acontece só agora, pois, assim como o vinho, o café também apresenta propriedades sensoriais e inúmeras possibilidades de degustação, mas, diferente dele, ainda não está completamente incorporado como tal. Ou seja, estamos vivenciando um momento em que o brasileiro está deixando de apenas tomar café para começar a apreciá-lo.
Se analisarmos o amadurecimento do mercado de vinho e degustação no país em relação ao do café, perceberemos que a cultura enóloga está sedimentada e que o café tende a seguir a mesma trajetória. Pois, hoje, não basta mais comprar um bom vinho, o consumidor já exige uma carta diferenciada e até mesmo busca conhecer a fundo a produção desta bebida. O mercado de café gourmet, por sua vez, precisa esperar um pouco, porque, para chegar até lá, o consumidor deve estar preparado. Por isso, não estamos vivenciando o melhor momento para se apostar em uma cafeteria essencialmente gourmet, já que, atualmente, o café ainda é um complemento das refeições.
Já nos Estados Unidos, o cenário é outro. Como exemplo, temos o surgimento da Starbucks há duas décadas, que se internacionalizou e levou esse conceito para consumidores que ainda não tinham o hábito de sair para tomar café em um espaço especial e direcionado à ele. Este surgimento foi possibilitado pelo perfil do consumidor norte-americano que, consumista e ansioso por tendências, integra uma cultura acostumada a sair para comer fora de casa, o que permitiu que o mercado de cafeterias se consolidasse. Foi essa a realidade obrigou a segmentação de produtos e serviços e proporcionou o surgimento bem-sucedido de marcas como Starbucks.
Enquanto isso, no Brasil, a miscigenação da cultura aliada ao desenvolvimento contínuo, inclusive no que se trata à maturação do mercado de café gourmet, impulsionam a indústria cafeeira. As características do consumidor brasileiro são favoráveis, porque trazem influências tanto norte-americanas quanto europeias. Do primeiro, trazemos a ansiedade por novidades e tendências, do segundo, herdamos a valorização por qualidade e tradição. Ou seja, um perfil de consumidor interessado e crítico, que tende a assimilar, com o passar dos anos, o consumo do café gourmet.
Contudo, reitero que ainda o melhor negócio, se for apostar em gastronomia, é investir em um estabelecimento que ofereça alimentação como principal atrativo e, é claro, um bom café que a complemente. E não ao contrário, pois o consumidor ainda não apresenta esse perfil. A exemplo disso, temos o Santo Grão, uma cafeteria paulistana que, aberta há anos atrás, acabou se valendo muito mais de seu ambiente e comida, do que do próprio café para se fixar como alternativa ao público jovem e cult que quer comer bem, em um lugar legal e, de quebra, tomar um café.
Esse é o cenário atual. O que percebo é que o brasileiro é empreendedor, mas não tem conhecimento sobre o mercado de café, pois não basta só conhecer o seu cliente, é preciso entender a movimentação desse segmento, que ainda está inseguro diante de sua recente expansão. O melhor caminho é avaliar a concorrência, respeitá-la e seguir tais modelos de negócios que já estão dando certo na sua cidade. Se for empreender, empreenda construindo uma marca agregada a um conceito forte para, assim, alcançar o sucesso. Foi dessa forma que uma micropadaria de São Paulo, chamada Mr. Baker, conquistou um público de nicho, que buscava um cardápio com produtos diferenciados. A aposta foi em opções orgânicas, inclusive, é lá que você encontra alguns dos melhores cafés orgânicos do Brasil. Estamos falando de uma micropadaria que, pelo forte conceito, conseguiu se transformar em um espaço cool para um bom cafezinho.
Perceba que temos um futuro promissor que está garantindo ao mercado de cafeterias uma revolução ainda silenciosa, mas que em breve fará parte da cultura brasileira, como ocorre na Europa e nos Estados Unidos. Embora ainda silenciosa ao consumidor, ela já é forte o suficiente para modernizar a produção de café no país, o que tem estimulado produtores a criarem novos blends. Esta fase é fantástica para o nosso mercado interno e externo, tanto pelas características dos nossos solos e pelos vários tipos de café plantados em regiões distintas do país, quanto pela capacidade que temos de reinventar o mercado gourmet. O Brasil tem condições de produzir harmonizações exclusivas e ganhar muito mercado internacional a partir dos investimentos nesse setor.
Portanto, se esse não é o melhor momento para a explosão de cafeterias gourmet, digo que é o melhor momento para começar a investir em um bom café como complemento. Dessa forma, estaremos preparando e ganhando o consumidor brasileiro, que está aberto às novas tendências e é sedento por qualidade.
*Marco Mammana Filho faz parte do conselho administrativo da Italian Coffee