Pequenos produtores investem em café especial
04/12/2017 – “Aqui, nós sempre produzimos café comum e mal conseguíamos sobreviver com essa produção. Nunca pensamos que poderíamos fazer café especial”, afirma Afonso Abreu de Lacerda, acrescentando que não sabia que tinha “tal tesouro entre os dedos”.
Na ladeiras das montanhas de Caparaó, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, o agricultor de 45 anos e seus vizinhos acabaram de colher manualmente as bagas vermelhas e amarelas dos arbustos de até 2 metros de altura.
Eles produzirão o café Arabica “especial”, com qualidade e preço muito superiores ao café comum, do qual o Brasil é o maior produtor mundial.
Este café de qualidade superior permite que os produtores escapem das flutuações dos preços mundiais e garantam sua renda.
Depois de classificar as “cerejas” de café de acordo com seu nível de maturidade, ou seja, as cascas semi-rígidas que servem de abrigo aos grãos, e retirarem sua polpa com a ajuda de uma máquina, Afonso lava os grãos maduros e os dispõem sob estufas abertas, construídas abaixo da plantação de 20 hectares.
De oito a dez vezes por dia, ele e seus dois irmãos, Ademir e José Alexandre, também cafeicultores, revolvem os grãos com um ancinho para garantir uma secagem uniforme, que, dependendo da estação, pode durar até um mês.
“Antes, colhíamos todas as cerejas de café ao mesmo tempo, inclusive as que não tinham chegado ao nível ideal de maduração. Colocávamos todas no chão para secar, sem ter tirado a casca e quando chovia, cobríamos com uma lona de plástico”, diz.
Depois, vendiam tudo para as empresas de torrefação “que misturavam todos os grãos, qualquer fosse a qualidade deles” .
A 1.180 metros de altitude, a propriedade, localizada em Forquilha do Rio, em Dores do Rio Preto, pertenceu ao avô e depois ao pais de Afonso, que como nas demais pequenas fazendas familiares da região produziam café segundo este método e viviam em dificuldades.
O MELHOR DOS GRÃOS
Após uma visita de um técnico do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) há uma década, Afonso e seus irmãos descobriram que sua plantação tinha potencial para produzir café de alta qualidade.
“Nosso solo é ideal, mas devíamos melhorar nossos métodos de trabalho, especialmente o processo pós-colheita”, explica Afonso.
Em seguida, participou de formações e treinamentos com outros agricultores e em 2009 recebeu das autoridades públicas uma máquina para triagem e uma despolpadeira.
No ano seguinte, Afonso ganhou, para sua surpresa, uma competição regional de café de alta qualidade, antes de conquistar vários títulos nacionais.
Hoje, dos quase 750 sacos de 60 kg produzidos a cada ano em suas duas propriedades, 400 são preenchidos com café especial, que ele vende por até R$ 1.500 a unidade, contra os R$ 430 cobrados pelo café comum.
LISTA DE ESPERA
Precursores na região, Afonso e seus irmãos agora vendem seus grãos para as melhores lojas especializadas do Brasil e exportam dois terços para vários países, incluindo Estados Unidos, Austrália e Japão.
Como eles, dezenas de cafeicultores das montanhas de Caparaó se voltaram para esse mercado mais exigente, mas mais lucrativo e crescente.
De acordo com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), enquanto a demanda global por café comum vem aumentando 2% por ano, o aumento para o café superior está crescendo entre 10% e 15%.
“No começo, tínhamos que ir até os clientes; hoje temos uma lista de espera de compradores”, ressalta Cecilia Nakao, de 53 anos, produtora e barista profissional.
Em sua pousada, perto da fazenda de Afonso, esta especialista prova cafés como se fossem vinhos e aconselha os cafeicultores.
“Com a produção desse tipo de café, o agricultor se aproxima do consumidor final e do próprio produto dele e pode permitir-se ser mais exigente com seus intermediários”, diz ela.
“Para um pequeno cafeicultor brasileiro, tornar-se um ator-chave do mercado é algo muito novo”, diz.
EXPANSÃO
Em 2016, o Brasil produziu 51,37 milhões de sacas de 60 kg, 85% de café comum, apreciado pelas grandes companhias de torrefação.
Mas agora está se firmando no mercado dos cafés especiais, produzidos com um cuidadoso processo de seleção e tratamento dos grãos de tipo arábica.
Na escala internacional de qualidade estabelecida pela Speciality Coffee Association of America (SCAA), que avalia o aroma, a acidez, a suavidade e a homogeneidade da infusão, os cafés especiais brasileiros recebem pontuações de mais de 80 pontos em 100.
No ano passado, a produção de cafés brasileiros de qualidade superior chegou a 8 milhões de sacas, 54% a mais que em 2015, segundo dados da Associação Brasileira de Cafés de Especialidade (BSCA).
Em 2018, o Brasil deve superar a Colômbia como primeiro produtor mundial deste tipo de grão, de acordo com a entidade.
O trabalho é mais exigente, mas acaba recompensado: a saca de café especial é vendida por mais que o dobro do preço do café tradicional.
Os produtores apostam, além disso, na valorização das indicações de origem geográfica do grão.
Atualmente, essa classificação abrange apenas cinco regiões brasileiras, entre elas a do Cerrado Mineiro, a única beneficiada por ela desde 2014.