Para ex-ministros, o futuro do campo é agora

13 de outubro de 2008 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado
Por: VALOR ECONÔMICO

Fernando Lopes e Mônica Scaramuzzo, de São Paulo


Independentemente das seqüelas do tsunami que arrasta os mercados financeiros mundiais, eles puxam o coro dos que consideram o Brasil o país com maior potencial para se firmar como o grande fornecedor global de alimentos do século XXI. Mas, apesar de confiarem que o cenário de longo prazo reserva demanda suficiente para sedimentar essa liderança, defendem mudanças ou o aprofundamento de políticas agrícolas importantes capazes de garantir o propalado futuro de bonança.


Para os quatro últimos ex-ministros da Agricultura brasileiros, o dever de casa é extenso. Vai desde a ampliação dos investimentos em tecnologia voltada ao desenvolvimento da produção, no melhor estilo deflagrado pela “revolução verde” da década de 50, até a reformulação da estrutura de crédito rural, passando pela intensificação das negociações para a abertura de novos mercados para os produtos nacionais no exterior e uma postura mais contundente em defesa das condições sanitárias e ambientais do agronegócio no país.


É em defesa desses interesses que Francisco Turra, Pratini de Moraes, Roberto Rodrigues e Luis Carlos Guedes Pinto, que se sucederam à frente do Ministério da Agricultura de 1998 a 2007, deixaram a Pasta mas continuaram diretamente envolvidos com o setor, em universidades, centros de pesquisa, entidades setoriais, bancos ou empresas, em cargos executivos ou em conselhos de administração.


Em seus mandatos, o campo passou por uma revolução, semeada a partir da década de 70 e turbinada pela ampla renegociação de dívidas de duas décadas atrás e pela desvalorização do real de 1999, que impulsionou a presença do país no exterior. E, com estilos e personalidades distintas, esses ex-ministros acreditam que o Brasil pode aproveitar melhor o que já conquistou nesse campo para acelerar novos, e necessários, avanços.


Como o craque franzino que precisa encorpar para sobreviver no pesado futebol inglês, o agronegócio brasileiro precisa apressar a modernização e a profissionalização em curso para tornar-se menos vulnerável a guinadas econômicas como a atual. A começar pela própria política agrícola do governo. “É preciso reformular o modelo de política para a agricultura. Todo o ano temos temos as mesmas discussões sobre como financiar a agricultura, é isso não é mais possível”, afirma Guedes Pinto, hoje vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, principal financiador do campo nacional.


Atualmente, lembra, os produtores agropecuários buscam mais ou menos um terço dos recursos necessários para o seu financiamento no sistema financeiro, o mesmo tanto com indústrias fornecedoras de insumos ou tradings e para o terço restante usa recursos próprios. Em caso de atrofia em qualquer dos vértices desse tripé, é problema na certa. “Temos que rever, diversificar e ampliar essas fontes de financiamento. A criação de fundos diferenciados é uma opção, mas, de qualquer forma, é preciso garantir regularidade de renda ao produto e acabar com as renegociações de dívidas”, afirma.


O Banco do Brasil, por exemplo, faz cerca de 1,5 milhão de contratos com produtores por ano. Apenas a renegociação desse ano, para a instituição, envolve 935 mil contratos. “Ou seja, operacionalmente é caro e desgastante para o banco”, diz Guedes Pinto. Para o Tesouro Nacional, o custo total dessa última rolagem – última por pouco tempo, já que as lideranças ruralistas pedem mais uma – é estimado em cerca de R$ 8 bilhões. Para melhorar o “sistema circulatório” do campo, Guedes Pinto defende a revisão do manual de crédito rural nacional, que é de 1965. “Foi o ano em que me formei. Naquele tempo, o café representava 60% das exportações do setor, sendo que hoje o percentual é de 6%”.


Fiador do curto período em que Guedes Pinto esteve à frente do ministério e amigo do vice-presidente do BB há quase meio século, Roberto Rodrigues, que o antecedeu, também acredita que faltam recursos baratos aos agricultores, apesar do aumento da oferta de crédito com juros controlados nas últimas safras. Com voz ativa em qualquer fórum sobre o setor, Rodrigues teve sua gestão no ministério marcada por uma grave crise de liquidez e renda, sobretudo no Mato Grosso, a terra dos grandes agricultores.


Em meio à conjuntura que teve de enfrentar, Rodrigues apressou o passo para tirar do papel outras ferramentas encaradas como vitais para assegurar alguma estabilidade de renda, como novos títulos para financiar a produção e seguro rural com subsídio do governo.


Hoje presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e “embaixador do etanol”, entre outras atividades, Rodrigues também gostaria de ver maior eficiência em políticas como a que envolve os estoques públicos, que voltaram a ganhar importância global com a chamada “agroinflação”.


Com a melhoria do sistema de irrigação de crédito e políticas públicas de sustentação de preços e oferta, talvez o país se livre de uma realidade que Antonio Cabrera, ministro da Agricultura de Fernando Collor entre 1990 e 1992, conhece bem e que também afetou os quatro últimos ex-ministros. “Aprendi que os negócios envolvendo o Ministério da Agricultura deste país se resolvem no Ministério da Fazenda”, afirma ele, hoje envolvido em investimentos no segmento de açúcar e álcool.


Em 1992, no mandato de Cabrera, foi aprovada a Lei Agrícola, por incrível que pareça uma inovação naquele momento. A partir dali, recorda-se, o governo começou a aprofundar as discussões de temas como a adoção de medidas antidumping no comércio exterior e o impacto ambiental da produção, hoje fundamentais para o garantir o gigantismo brasileiro no setor.


Na frente comercial, a semente plantada rendeu os maiores frutos já colhidos pelo país na gestão de Pratini de Moraes, que conduziu, assessorado por Pedro de Camargo Neto (hoje presidente da associação que reúne exportadores de carne suína) a abertura de dois comitês de arbitragem (painéis) na Organização Mundial do Comércio (OMC), contra a União Européia pelos subsídios ao açúcar e contra os EUA pela ajuda ao algodão. Ambas as disputas foram vencidas posteriormente pelo Brasil.


Marcado pela defesa incisiva das posições brasileiras, Pratini, que depois assumiu a presidência da associação dos exportadores de carne bovina (Abiec) e hoje é membro do conselho de administração de companhias como JBS e Cosan, além de representar o país em comitês internacionais ligados a alimentos, Pratini se recusa a aceitar calado os ataques externos às condições da produção interna.


“Temos que continuar o combate ao protecionismo sanitário. Não basta nos defendermos das críticas descabidas, temos que atacar as mazelas desses críticos”, afirma. Pratini praticamente cunhou a expressão “protecionismo sanitário”, que em época de crises como a atual torna-se um recurso usualmente utilizado por importadores até para pressionar pela renegociação de contratos. Foi o que fez a China em 2004 quando o preço da soja começou a cair após disparar. Alegou contaminação e devolveu cargas do Brasil, para depois buscar outros lotes mais em conta.


Com outras cores, mas nessa mesma linha, os biocombustíveis brasileiros, inclusive o etanol, volta e meia vêem-se sob fogo cerrado na Europa, onde a preocupação com o desmatamento da Amazônia transformou-se em argumento para toda uma sorte de barreiras. Que o diga Roberto Rodrigues, que em sua cruzada para transformar o etanol em commodity global cansa de explicar às mais diferentes platéias que há limites legais e agronômicos para o plantio de cana na Amazônia, e que no Brasil, onde há dezenas de milhões de hectares de pastos degradados, os biocombustíveis não competem com os alimentos por área.


“O processo de evolução do setor no Brasil foi muito grande. Daí a necessidade de se construir uma política mais agressiva, em linha com a nossa competitividade. Afinal, o agronegócio é a base para o Brasil driblar a crise mundial atual mais rapidamente”, afirma Francisco Turra, hoje na presidência da associação que reúne exportadores de carne de frango.


Na primeira safra em que esteve à frente do ministério, a 1998/99, o país colheu 82,4 milhões de toneladas de grãos, volume que deverá chegar a 144 milhões no ciclo recém-iniciado, o 2008/09. A renda agrícola (“da porteira para dentro”) das 20 principais lavouras brasileiras foi de R$ 106,7 bilhões em 1999 (a preços atuais) e deverá chegar a R$ 164,1 bilhões este ano, enquanto as exportações do agronegócio, que somaram US$ 20,5 bilhões em 1999, agora devem superar a marca de US$ 60 bilhões. “Só nas carnes eram US$ 1 bilhão e agora teremos US$ 13 bilhões”.


Se, guardadas algumas particularidades, os ex-ministros já têm uma visão que aponta na mesma direção para questões como crédito, comércio exterior, sanidade e meio ambiente, todos falam exatamente o mesmo idioma para apontar a dependência de insumos importados, a elevada carga tributária e a infra-estrutura deficiente como outras mazelas que precisam ser urgentemente tratadas. E todos elevam o tom para pedir investimentos em pesquisa e desenvolvimento, principalmente no fortalecimento da Embrapa.


Os ex-ministros afirmam que o atual titular da Agricultura, Reinhold Stephanes, tem procurado, com maior ou menor ênfase, avançar em todos os quesitos levantados como importantes para garantir ao Brasil a posição de grande protagonista no cenário global deste século. Sobre a Embrapa, unanimidade em todos os discursos, Stephanes disse ao Valor que o fortalecimento da estatal deve ser geral. “É uma instituição científica, sem margem para política. Queremos para a Embrapa uma linha de atuação mais precisa em relação a seus parceiros [16 instituições estaduais de pesquisa apenas no país] e sua integração em redes de trabalho, em uma estratégia que envolverá até linhas de financiamento. Essa rede terá R$ 300 milhões até o fim de 2010”, garantiu o ministro.


Se tudo isso for feito, aposta Roberto Rodrigues, a nova geração de agricultores, que investe em tecnologia e gestão eficiente, dará conta de colocar o Brasil como o grande protagonista global na oferta de alimentos. “Os planos de estabilização da economia brasileira adotados desde 1986 foram de desestímulo para o campo, e houve uma seleção natural nos últimos anos. Mudou o perfil do agricultor, e a nova geração é a grande responsável pelo crescimento do setor”.


 

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