13 de Abril de 2006 –
Há exatamente um ano mais de mil produtores rurais de Lagoa da Confusão (TO) cruzaram os braços. Eles são os maiores plantadores de arroz do estado. Colhem mais de 100 mil toneladas de um alimento que é consumido por todos os brasileiros.
Estes agricultores estavam pagando para trabalhar, uma vez que o arroz colhido por eles era vendido por preço duas vezes menor que o custo de produção. É como se um trabalhador da cidade fosse obrigado a gastar todo mês parte das suas economias para ir e voltar do emprego. Ou um industrial que, mesmo vendendo toda a sua produção, tivesse de usar as reservas para cobrir os custos de pessoal, matéria-prima e infra-estrutura da sua fábrica. Ao fim de poucos meses o trabalhador perderia o emprego e o industrial iria à falência.
Um ano depois do protesto dos agricultores da Lagoa da Confusão, a crise instalada no campo, ao invés de diminuir, recrudesceu. A agricultura e a pecuária, responsáveis por uma geração de riqueza da ordem de R$ 200 bilhões por ano, empregam 21% da população economicamente ativa, o que representa 16,4 milhões de postos de trabalho. A contribuição da agricultura para o superávit da nossa balança comercial foi de US$ 35 bilhões no ano passado. Mas isso tudo parece pouco.
O que tem faltado é a definição de uma política clara, com metas e voltada para o longo prazo. Por isso, as medidas anunciadas pelo governo não passam de tentativa de estancar uma hemorragia com band-aid. Elas surgem num momento em que a crise está mais aguda, com queda de renda e de produção: enquanto a safra diminuiu de 132 milhões para 113 milhões de toneladas, a renda da agricultura diminuiu 15,46%.
A crise, que o governo pretende contornar com medidas parciais, já atinge em cheio o comércio de cidades do Centro-Sul, provocando queda de 20% nas vendas do varejo, entre março de 2005 e de 2006. As previsões dão conta de que a renda agrícola de 2006 dos produtores de milho, algodão, arroz, feijão, soja e trigo – gente que colhe a cesta básica consumida nos grandes centros – terá corte de 7,9%, para R$ 50 bilhões.
Em muitas cidades a devolução de tratores e máquinas virou cena comum. No sudoeste de Goiás, onde predomina a cultura da soja, o preço do hectare caiu pela metade, passando de R$ 10 mil para R$ 5 mil. E, mesmo com o preço em queda, não há quem se disponha a comprar para investir e produzir.
As medidas anunciadas apenas adiam o problema, porque a crise que envolve pagamento de dívidas está sendo represada e, com certeza, estourará mais adiante. Não estancam a queda de renda nem o encolhimento do plantio, que em 2005 foi de 2,4 milhões de hectares.
As medidas aliviam momentaneamente alguns efeitos, mas não atingem as causas. Poderiam ser mais profundas, tratando das parcelas atrasadas da securitização, PESA e dívidas alongadas do Funcafé. Poderiam tratar ainda da renegociação das dívidas do Nordeste de maneira mais abrangente do que a tímida Medida Provisória 285.
As conseqüências da falta de política agrícola mais agressiva já podem ser notadas. Enquanto nossa área plantada encolhe, o governo dos EUA acaba de anunciar aumento de 6,6% na área cultivada com soja. Com incentivos e subsídios, os americanos levarão enorme vantagem sobre os concorrentes brasileiros, que um dia ousaram ser os maiores plantadores de soja do planeta.
(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados – Pág. 12)(Kátia Abreu – Vice-presidente de Secretaria da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA))