Publicação: 22/03/07
A imaginação criadora dos políticos é um permanente motivo de assombro, a tal ponto que, se apenas uma décima parte desse engenho fosse empregada em benefício do interesse nacional, a competência dos governos brasileiros e a acuidade dos seus titulares seriam objeto de estudos detidos em qualquer curso de administração pública. O exemplo do dia é o estalo que levou o presidente Lula a enfrentar um dos efeitos colaterais surgidos da decisão de expandir o espaço do PMDB – o maior dos 11 partidos do seu governo de coalizão – na Esplanada dos Ministérios.
Para tanto, entre outros gambitos, Lula tirou do PSB a Pasta da Integração Nacional, enfeixada no primeiro mandato pelo ex e quem sabe futuro rival do lulismo, o cearense Ciro Gomes, e ocupada nos últimos tempos pelo seu correligionário e afilhado Pedro Brito. O presidente destinou-a a um ex-crítico feroz, o baiano Geddel Vieira Lima, que, para golpear o carlismo, fez o que sabia a fim de ajudar a eleger no Estado o petista Jaques Wagner.
Mas, sendo o PT o único partido que Lula pode privar de poder a custo zero, era necessário compensar o PSB pela perda sofrida. Foi quando a criatividade da espécie tornou a mostrar o seu valor. O governador pernambucano, Eduardo Campos, pessebista naturalmente, sugeriu – e Lula recebeu a idéia de braços abertos – que extraísse os portos e os aeroportos do avantajado organismo do Ministério dos Transportes, o qual voltará a ser chefiado pelo senador Alfredo Nascimento, do PR (ex-PL), em fase de acelerado crescimento (elegeu 25 deputados, já tem 38 e espera chegar a 50). O setor aeroportuário ficaria a cargo de uma Secretaria especial ligada diretamente ao gabinete da Presidência, e o seu titular, Pedro Brito – é claro -, seria agraciado com o status de ministro, o 35º do Executivo federal.
A idéia só não vingou por inteiro porque a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, alertou o chefe para não mexer com os aeroportos numa hora dessas. (Foi também o que abateu a idéia de enriquecer a Pasta do Turismo com a Infraero, como queria a nova ministra Marta Suplicy.)
Acertada a criação apenas da Secretaria dos Portos, única e exclusivamente para dar conta de uma dificuldade política circunstancial, eis que o presidente se põe a proclamar, com a esperteza de praxe, que há tempos vinha pedindo para “melhorar essa área, e ela não melhorou”, talvez porque, sendo o Ministério dos Transportes “grande demais”, não conseguia “priorizar os portos”. Mas, como se sabe, a escarrapachada administração federal será sempre um cobertor curto demais para agasalhar o corpanzil dos políticos – e não deu outra.
O PR pintou-se para a guerra, insinuando que, no novo talhe, os Transportes não mereceriam a abnegação de um expert como o senador Nascimento. Numa frase que vale por um mergulho nas profundezas da governança à brasileira, o líder da sigla na Câmara, Luciano Castro, protestou: “O Ministério nos foi oferecido inteiro.” Ao que se diz, Lula fez muxoxo. “Vou criar, sim, a Secretaria dos Portos”, assegurou aos seus mais assíduos interlocutores, a turma do PMDB. “E quero ver o Alfredo Nascimento vir aqui reclamar.”
Com o desmembramento da Pasta, o presidente criou – e haverá de estar ciente disso – um formidável problema para a boa gente “republicana”. Afinal, um dos atrativos para a súbita conversão ao PR de uma dezena de parlamentares eleitos por outras legendas era a promessa de vagas em profusão para os seus apaniguados no vasto sistema portuário brasileiro – outra caixa de Pandora da área estatal. Basta dizer que o Porto de Santos, o maior do País, foi enfeudado ao deputado Valdemar Costa Neto, o Boy, aquele que renunciou ao mandato para fugir ao risco de ser cassado como um dos operadores do mensalão. (O seu nome está na lista dos 40 que um dia, quem sabe, irão a julgamento no Supremo.) O PL, metamorfoseado em PR, tem as mãos também nos Portos do Rio de Janeiro, Salvador, Aratu e Ilhéus. Nada mais lógico, portanto, que o comentário de um deputado da agremiação: “Se o PSB se sentiu desprestigiado porque perdeu a Integração Nacional, também nós nos sentiremos desprestigiados se perdermos os portos.”
Mas Lula, a quem convém a engorda do PR, não o deixará a ver navios