OS NOVOS AROMAS DO CAFÉ BRASILEIRO
ENTREVISTA COM NATAN
HERSZKOWICZ, DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DO CAFÉ, PARA A REVISTA
SÍNTESE AGROPECUÁRIA DE JULHO
Entrevista de BRUNO BLECHER
http://brunoblecher.blogspot.com/
Os baixos preços do café nas lavouras e nas prateleiras dos supermercados
favoreceram os consumidores brasileiros nos últimos anos e devem levar as vendas
a mais de 19 milhões de sacas em 2010, número recorde segundo a projeção da
Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).
O campeão do
mercado ainda é a tradicional bebida preparada no coador, o famoso pingado de
aroma irresistível e acompanhado de pão e manteiga na chapa na padaria. Mas o
consumo cada vez mais frequente de cafés mais sofisticados — o expresso e seus
variados blends, o capuccino, o mocha, entre outros, ampliou a rede de
cafeterias nas grandes cidades.
“A melhoria do poder aquisitivo, com migração dos consumidores mais pobres
para a classe C, têm contribuído para o aumento de consumo de produtos em geral,
como alimentos e bebidas. Eles estão tomando mais café, as pesquisas mostram que
97% dos brasileiros acima dos 15 anos tomam café diariamente, isso é um número
muito elevado se comparado com os EUA, onde 58% da população bebe café”, diz
Nathan Herszkowicz, diretor da Abic.
Síntese Agropecuária Alguns analistas do mercado
apostam que vai faltar café nesta safra. Qual é a sua avaliação?
Nathan
Herszkowicz – Não deve faltar café. Existia o risco de falta de café no
final deste primeiro semestre, que coincide com o pico da entressafra. Os
estoques físicos de café em armazéns privados e do governo estão em níveis
baixos, os mais baixos das últimas décadas, mas a safra brasileira, que está
sendo colhida agora, deve ser recorde, entre 49 e 50 milhões de sacas, ou seja,
safra grande nunca é sinal de falta de produto. Acontece que a exportação
brasileira de grão verde e de café solúvel tem crescido ano a ano. Nos últimos
12 meses, ficou em 32 milhões de sacas, e é provável que este número se repita
ou que aumente, enquanto o consumo interno de café está em crescimento, e deve
subir em torno de 6 ou 7% este ano, atingindo seguramente 19 milhões de sacas
este ano. A soma de 32 milhões com 19 milhões dá 51 milhões, praticamente o
número previsto para safra de café.
S.A. Os preços estão estáveis?
N.H. Estão estáveis.
Os preços para o produtor estão um pouco acima do nível mínimo decidido pela
CONAB, R$ 261,00 a saca, os preços da ABIC estão entre R$ 260 e R$ 270,
estáveis. Como nós estamos na época de inverno, e o mundo ainda se assusta com o
risco de geadas no Brasil, vivemos uma época de volatilidade. Mas é preciso
lembrar que o café migrou para fora da região da geada. A última geada que houve
no Paraná praticamente não afetou os preços. O Paraná hoje tem uma participação
em torno de 4 a 5% de toda a safra brasileira. Ou seja, o frio é mais o efeito
remanescente e psicológico do que real. Não devemos ter problemas com geada.
S.A. Quais são as causa do forte crescimento do consumo
interno?
N. H. Há uma combinação de motivos. Sem dúvida, a
melhora do poder aquisitivo, com migração dos consumidores mais pobres para a
classe C, tem contribuído para o aumento de consumo de produtos em geral, como
alimentos e bebidas. Eles estão tomando mais café, as pesquisas mostram que 97%
dos brasileiros acima dos 15 anos tomam café diariamente, isso é um número muito
elevado se comparado com os EUA, onde 58% da população bebe café.
S.A. E nós também melhoramos o nosso café. Estamos tomando um café de
qualidade superior.
N. H. – Este é o segundo motivo, a melhoria
da qualidade do café oferecido ao consumidor. E além de beber mais café, os
consumidores bebem tipos de cafés diferentes. Começam com café filtrado, puro ou
com leite, pingado com pão e manteiga na chapa na padaria, que é uma instituição
nacional, e prosseguem com café expresso, que hoje é muito comum em padarias,
bares, restaurantes, nas máquinas nas empresas. Também tem o capuccino, ou seja,
a forma de beber café tem melhorado no Brasil.
S.A. O que precisava melhorar também são os baristas das cafeterias,
que ainda não sabem servir alguns tipos de café, como o café
curto.
N.H. – Este é um problema mundial, não só no Brasil. As
pessoas não têm a cultura adequada da correta preparação do café. Portanto, o
Sindicato da Indústria de Café de São Paulo, em 1996, 14 anos atrás, inaugurou
um centro de treinamento e capacitação chamado Centro de Preparação de Café,
cujo objetivo era exatamente ensinar as pessoas a fazer o café direito. Não
deixar a água ferver, não misturar o açúcar na água, saber o que é um espresso
curto, normal ou carioca, fazer um drink de café. As pessoas não sabem fazer
isso, e a solução para isso é a educação, oferecer cursos e treinamentos, isso
acontece não só no Centro de Capacitação em São Paulo, mas em inúmeras
cafeterias que hoje oferecem também treinamentos. Vamos formando um exército de
baristas e de jovens, que entende mais sobre café e consegue nos servir um café
melhor. Hoje, nós bebemos um café muito melhor do que bebíamos há dez anos. A
qualidade do grão melhorou muito. A cafeicultura brasileira hoje ocupa espaço no
mercado mundial, onde antes existiam somente os cafezinhos da América Central.
Agora, os cafés brasileiros ocupam esta parte do mercado, por causa da
qualidade.
S.A. – Qual a tendência? Hoje em dia você senta para tomar um café no
Otávio’s e é maravilhoso. O que vai acontecer com o café, vai ser como vinho. O
preço vai subir?
N. H. – O café é uma bebida fantástica,
fabulosa, ela é complexa. Infinitas combinações podem fazer gostos, sabores,
fragrâncias diferentes em cada café que você toma. E o Brasil tem regiões
produtoras de café completamente diferentes umas das outras. O café segue a
mesma trilha do vinho, os cafés tradicionais, como o vinho de mesa, que têm uma
qualidade razoável e preços mais baixos até os vinhos finos, que são os nossos
cafés gourmets, raros, excelentes, de altíssima qualidade que conferem um prazer
fantástico quando a pessoa tem oportunidade de provar. A tendência é continuar
este consumo ampliado de cafés, formas diferentes de consumir café, as pessoas
bebendo mais café, porque inclusive faz bem à saúde, os benefícios são
comprovados, até essa ampliação do consumo de café de alta qualidade, gourmet,
porque cresce o número de cafeterias. Hoje, de cada dez restaurantes, dez têm
máquinas de café para servir um bom café no final das refeições, de maneira que
o futuro nos traz uma ampliação crescente do consumo de café tradicional, o
melhor da qualidade e um aumento anual e consistente do consumo de café de alta
qualidade.
S.A. Voltando ao café top. Hoje uma xícara varia entre R$ 1,50 até
quanto? Qual o máximo de preço numa cafeteria de luxo?
N.H. – Os
cafés normais, muito bons, que estão à venda em cafeterias altamente
sofisticadas, chegam a custar R$ 6,50, mas algumas destas casas de café vendem
uma edição limitada, pouca quantidade de xícaras de cafés premiados e
excepcionais que podem chegar a R$ 25 por xícara. A xícara mais cara do mundo é
servida em Londres, café que provém da Indonésia, muito raro. Ele é resultado de
uma espécie de animal, gato, que come os frutos de café puros, depois digere e
expele e as pessoas recolhem o que ele defecou, higienizam e transformam num
café que tem pouca produção anual e dizem que é um café diferente, sofisticado e
por isso custa 30 euros por xícara. Este é o universo do café especial, sem
limite, sofisticado, que pode atingir sabores e bolsos e valores absolutamente
inesperados. No mercado normal, aqui em São Paulo, na prateleira, os cafés
tradicionais custam em média R$ 5 por pacote de 500 gramas. E os cafés gourmets
chegam a custar R$ 35 por quilo, já aí existe uma diferença gritante e mesmo
assim os cafés gourmets têm uma demanda crescente, têm público que gosta, que
não se importa com preço e que consome pelo prazer.
S.A. Nós já estamos vendendo café para a China ?
N.H.
Existem algumas cafeterias brasileiras na China, mas ainda é um movimento muito
recente e pequeno pelo tamanho do mercado chinês e asiático em geral. Nós temos
casos de café brasileiro no Japão, na Coréia do Sul e na China, mas são mercados
novos, e a iniciativa brasileira é muito recente, tem só dois anos.
S.A. São mercados difíceis. Eles preferem o chá.
N.H.
É difícil porque são as terras do chá, então para fazer as pessoas migrarem do
chá para o café é preciso desenvolver o hábito, o gosto, a forma de preparo, que
é diferente do chá. O café precisa de um coador, chaleira, água quente, e muitas
vezes esses países não têm nem equipamento para preparo, portanto é um pouco
mais difícil, mas está acontecendo. O bom é que nesses países, o café tem para o
consumidor a percepção de que é a bebida moderna, diferente do chá que é antiga,
os homens gostam do café porque é moderno beber café, por isso o consumo de café
nesses países é impulsionado pelos homens e aí a coisa vai em frente.
S.A. O produtor continua reclamando. Diz que o café não paga as
despesas de produção?
N.H. Isso é verdade. Os preços do café não
tem sido compensadores para uma parte da cafeicultura brasileira, isso porque se
você analisar qualquer estatística você vai ver que os preços da saca de café
praticamente não subiram nos últimos cinco anos. O aumento foi entre 5 e 8%
apenas. Nesses cinco anos, a inflação subiu muito mais e os custos de
mão-de-obra, de defensivos explodiram. Os custos aumentando e o preço da saca
não subindo, inclusive por causa do câmbio, o real valorizado em relação ao
dólar, fazem com que, mesmo que a cotação lá fora aumente, os preços em reais
recebidos pelo produtor na venda da saca continuam os mesmos. Essa combinação
não dá certo: preço de venda fixo, e custo aumentando significa cada vez mais
lucro menor. É isso que o produtor e a indústria reclamam. O problema para a
indústria de café é que os preços nas prateleiras são os mesmos de quatro ou
cinco anos atrás, não mudaram. O café ficou uma bebida muito acessível e barata
para o consumidor.
S.A. Por que o custo de produção de café é tão alto? Por causa da
mão-de-obra?
N.H. – O principal componente do custo é mão-de-obra, que
representa praticamente 50% do custo. É colheita manual. Quando a colheita é
mecânica há uma compensação de custos, mas nas regiões de montanha, por
exemplo: zona da mata de Minas, sul de Minas, Espírito Santo, a colheita ainda é
manual.
S.A. O café de qualidade hoje vem principalmente dos
cerrados.
N.H. – A grande produção vem de Minas, 50%, e metade
disso vem do sul de Minas, que produz mais do que os cerrados, mineiro e goiano.
E hoje também o Espírito Santo, que produz 25% da safra brasileira, é o segundo
maior estado produtor.
S.A. Por que a Colômbia ainda é mais famosa que o
Brasil?
N.H. Porque investiu muito em marketing durante 30 anos,
enquanto o Brasil não investiu em nada. Quando você está fora do marketing, está
fora da publicidade e o público te esquece. Eles foram competentes, é verdade,
na questão da qualidade. Os cafés colombianos tinham qualidade na década de 80 e
começo da década de 90, uma qualidade diferenciada com relação ao café
brasileiro. Somente depois que a cafeicultura brasileira acordou para a questão
da qualidade é que hoje nós podemos ter cafés iguais ou melhores do que os
deles. Mas sobrou a percepção que foi o resultado de um investimento competente
em marketing e promoção.