OPINIÃO
08/11/2012
Os limites da agricultura
Por Alysson Paolinelli e Cesário Ramalho
Em busca de fontes potenciais para o crescimento da produção de milho no Brasil, a Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) encomendou um estudo para identificar oportunidades de crescimento via 1) áreas novas; 2) segundas safras; 3) substituição de pastagens e 4) aumento de produtividade. Como não é possível antecipar que tipos de lavouras tomarão os espaços futuros, que dependerá de preços relativos dos vários produtos, foi necessário levantar as disponibilidades gerais e esperar que, com incentivos públicos e ações privadas, a cultura do milho sobressaia perante as demais.
Embora nós, que trabalhamos com a agricultura, sentíssemos que estávamos perto de atingir os limites de expansão horizontal – áreas novas – não esperávamos estar virtualmente esgotados, especialmente nos Cerrados da região central, fonte principal de crescimento nos últimos 30 anos e de esperanças futuras. Nossos estudos revelaram que não resta mais do que 7 a 8 milhões de hectares (ha) de cerrado num total de 192 milhões, dos quais 88 milhões estão ocupados por pastagens e lavouras e mais de 100 milhões de hectares com reservas e áreas urbanas. Se compararmos ao nível de expansão dos últimos cinco anos – 1,5 milhão ha/ano, parte originário de pastagens -, em cerca de cinco anos as áreas dos cerrados estarão esgotadas. Desnecessário dizer que nas demais regiões agrícolas do país – Sul, Sudeste e Nordeste – não resta mais espaço e nos biomas Amazônia e Pantanal não é tecnicamente possível produzir grãos mecanizados.
Infelizmente, a área agrícola do Brasil é bem menor do que supõe o senso comum, inclusive pelas exigências de reservas legais nas propriedades, que variam de 20% nos cerrados, 35% na pré-Amazônia e 80% na Amazônia, além das Áreas de Preservação Permanente (APP). Dos 851 milhões de hectares de nosso território, temos 86 milhões com pastagens plantadas (fora da Amazônia), 60 milhões com lavouras temporárias, inclusive cana-de-açúcar; 7 milhões com lavouras permanentes, principalmente frutas e café; 5 milhões com silvicultura; e 2 milhões com hortaliças, que somam 160 milhões de hectares, ou apenas 19% de todo o território brasileiro.
Mesmo se adicionarmos os 7 milhões a 8 milhões de hectares ainda teoricamente disponíveis nos cerrados, chegaríamos a 168 milhões, o que representa somente 20% do território brasileiro. Muito pouco e ponto final. A área total de lavouras – 82 milhões de ha – é menor do que a de países como Estados Unidos, China, Índia e União Europeia, todas também exauridas. Alguns Estados brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, têm áreas urbanas e outras não agrícolas superiores a suas áreas agrícolas.
E não somos “pequenos” em área somente porque um segmento da sociedade tenta controlar nossa expansão; somos “pequenos”, acima de tudo, porque a ciência agronômica assim nos impõe: não plantamos na Amazônia por excesso de chuvas; não expandimos no Nordeste por deficiência das mesmas chuvas. São as leis naturais que nos restringem, acima das leis dos homens, como se Deus nos impusesse um limite de ocupação de 20%, de acordo com sua vontade e independente dos burocratas.
No entanto, mesmo diante desse cenário as perspectivas de crescimento agrícola por meio de aumento de produtividade em geral são fantásticas, graças ao nosso clima tropical e a tecnologia agrícola para ele desenvolvida nos últimos anos.
Estamos vendo os plantios de segunda safra (chamadas de “safrinhas” quando eram pequenas) crescer rapidamente, especialmente no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. No Paraná já colhem três safras por ano em algumas áreas, assim como há municípios no Centro-Oeste onde já se utilizam 70% da área agrícola em segunda safra, tendência promissora e somente possível no nosso país tropical. A irrigação poderá prover pelo menos mais 10 milhões de ha, principalmente no Nordeste semiárido, com duas a três safras anuais ou uma permanente de alta renda.
Há, entretanto, uma lacuna tecnológica a ser suprida por órgãos de pesquisas públicos e privados, por meio da criação de cultivares adequados aos limites impostos pelos regimes de chuvas e temperaturas regionais, além de resistentes a pragas e doenças locais. Por outro lado, os preços relativos de grãos e carnes têm levado à substituição de pastagens em favor de plantio de grãos, principalmente no cerrado, tendência que se manterá caso esses preços persistam. Diante dessa situação, levanta-se a questão: de onde virão nossas carnes bovinas futuramente? Virão de enormes ganhos potenciais de produtividade em termos de lotação cabeça/ha, índice que varia de 0,8 a 2,5 nas principais regiões produtoras, que poderão liberar milhões de hectares para plantio de grãos sem prejuízo da produção de carnes.
Finalmente, no caso específico de crescimento de produtividade, o milho assume papel emblemático. Costumam conviver no mesmo espaço físico produtores com rendimentos iguais ou até superiores aos maiores do mundo – 12 mil kg/hectares – com outros de rendimentos inexpressivos, 3 mil a 4 mil kg/ha. Isso revela que tecnologia existe, faltando, porém, extensão e assistência técnica, que lamentavelmente foram abandonadas no país nos últimos anos.
O mundo requererá mais e mais alimentos no futuro próximo, especialmente pela entrada no mercado de 3,5 bilhões de pessoas – metade da população mundial – que até então não tinha renda. O crescimento agrícola brasileiro é promissor, mas dependeremos de tecnologia, tecnologia e tecnologia. Preparemo-nos, pois.
Alysson Paolinelli é presidente-executivo da Abramilho e ex-Ministro da Agricultura
Cesário Ramalho é vice-presidente da Abramilho e presidente da Sociedade Rural Brasileira