O último barão

Por: 16/05/2007 15:05:45 - MMonline

Octavio Frias de Oliveira comprou a Folha de S. Paulo em 1962, na época um diário sem representatividade, e o transformou em um dos mais importantes veículos de comunicação do Brasil. Hoje, pode-s discutir o caráter independente e apartidário do jornal, mas é inegável que o empresário deixou como herança um produto inquieto, polêmico e provocador


EDGAR OLIMPIO DE SOUZA


Octavio Frias de Oliveira era o último barão da imprensa, após a morte de Júlio de Mesquita Neto (Estadão), Roberto Marinho (O Globo), Ari de Carvalho (O Dia) e Manuel Francisco do Nascimento Brito (Jornal do Brasil). O único dos históricos donos de jornais em atuação no País. Ele, que trabalhava no conhecido edifício da Alameda Barão de Limeira, no centro velho da capital paulista, detestava ser chamado de “doutor”. Argumentava que não portava o título, daí preferir apenas ser tratado como “Seo Frias”. Um homem pragmático, de hábitos simples, dono de inteligência intuitiva e tino comercial. Curioso e interessado por tudo o que era novo.
“A Folha procura um jornalismo crítico, apartidário, moderno e pluralista”, gostava de repetir o agnóstico e liberal Frias. À parte a controvérsia de suas palavras, viu a Folha de S. Paulo transformar-se em um dos mais respeitados veículos de comunicação do País. Costuma-se dizer, no meio, que pior do que ler a Folha é não lê-la. O leitor estaria perdendo, é o argumento de plantão, o jornal mais nervoso, vital e provocante da cidade. O carro-chefe do grupo de empresas de comunicação que Frias levantou, que inclui mais dois jornais (Agora e Valor, este em sociedade com a Globo), o portal e provedor de internet U 01, um instituto de pesquisas (Datafolha) e a sociedade na gráfica Plural.

“Não sou jornalista, mas empresário”, era outra de suas frases preferidas, embora como jornalista tenha sido responsável por um dos célebres furos do periódico. No caso, em 1985, ao acionar as suas fontes e descobrir em primeira mão que Tancredo Neves, recém-eleito indiretamente presidente da República, tinha um tumor e poucas chances de sobreviver. Frias era um workaholic. Quando alguém sugeria a ele que não fosse tão obcecado pelo trabalho, rebatia: “Vou continuar trabalhando normalmente porque os médicos me disseram para não parar senão me estrepo”. E acrescentava que tinha um filho na redação, o Otávio, e outro no comercial, o Luís, ambos competentes. “Graças a Deus com vocações diferentes e sem atrito entre eles.”

Frias nasceu em 5 de agosto de 1912 no bairro carioca de Copacabana, penúltimo dos nove filhos do casal Luiz Torres de Oliveira, juiz de direito, e Elvira Frias de Oliveira, descendentes dos barões de Itaboraí e Itambi – no Império, os antepassados eram gente rica, nobilitada pelo imperador Pedro 2º. Aos 7 anos de idade, órfão de mãe e com a família em dificuldades financeiras, vivia na Rua Bela Cintra, no nobre bairro paulistano dos Jardins. Dali caminhava até o colégio de elite São Luiz, onde era visto pelos colegas como um menino pobre, compensado pela fama de bom jogador de futebol.

Nessa época de vacas magras pregava que o seu grande compromisso de vida era ganhar dinheiro. Aos 14 anos empregou-se como office-boy na Companhia de Gás e ainda trabalhou como mecanógrafo. Hábil no uso da máquina de calcular, aos 21 tornou-se um bem-sucedido funcionário público da Receita Federal. Na ocasião, aderiu ao movimento da Revolução Constitucionalista.

Em 1947, contrariando o pai, que prezava a estabilidade do serviço público, decidiu-se pela atividade empresarial. Em associação com Orozimbo Roxo Loureiro, fundou o BNI. Especializado em imóveis, o banco financiou o Edifício Copan e tocou outros empreendimentos a preço de custo, mas acabou sem liquidez, sofreu intervenção do governo e terminou vendido para o Bradesco. Refeito do contratempo, fundou em 1953 a Transaco, empresa que atuava na venda de ações diretamente ao público.


DE ÔNIBUS PARA O JORNAL

Um de seus clientes era a Folha da Manhã, então dirigida pelo advogado José Nabantino Ramos, um dos pioneiros na introdução da psicanálise em São Paulo. A Transaco vendia assinaturas da Folha e, sob a sua administração, saltou de 150 para 6 mil assinaturas mensais.

Foi nessa empresa, aliás, que conheceu sua mulher, Dagmar de Arruda Camargo, que fora pedir um emprego para o marido, de quem acabou separada meses depois. Ela tinha uma filha do primeiro casamento, Maria Helena, e com Frias teve Otávio, Maria Cristina e Luís.

Com espírito empreendedor, Frias associou-se em 1960 a Carlos Caldeira Filho e construiu uma rodoviária em São Paulo, a da Luz (1960). A empresa começou bem, mas gerou problemas depois, foi ocupada por alguns meses pelo governo do Estado e finalmente fechada em 1982, na inauguração do terminal do Tietê – depois de alguns anos fechado, o prédio foi vendido para investidores coreanos.

Como o esforço para estabilizar comercialmente a rodoviária havia custado muitas horas de s o e trabalho, Frias preparava-se para viajar para a Europa quando outro negócio caiu no se colo. Tratava-se da Folha da Manhã, que comprou com o sócio Caldeira em 13 de agosto d 1962. Uma transação rápida: cheque de entrada e mais 24 prestações de Cr$ 17,5 mil. Ambos, por sinal, permaneceram sócios da Folha até o início da d cada de 90, quando o grupo passou a ser controlado apenas pela família de Frias.

Naqueles anos o jornal não desfrutava de muito prestígio, especialmente comparado ao concorrente O Estado de S. Paulo, o grande modelo da época. A Folha surgira em 1921 sob o formato de um jornal vespertino, e seus fundadores, Pedro Cunha e Olival Costa, eram jornalistas do Estado. Curiosamente, o próprio Júlio de Mesquita Filho, dono do Estadão, assinou o primeiro editorial da Folha da Noite. No início, o diário manifestou simpatia pelo movimento tenentista e encampou algumas bandeiras progressistas, como o voto secreto e o direito de férias.
Mas, com a saída de Pedro Cunha, em 1929, a linha editorial passou a defender a oligarquia paulista do café. Olival Costa, por exemplo, apoiou a candidatura à Presidência do paulista Júlio Prestes, opção que lhe custou caro – o periódico foi destruído na noite de 24 de outubro de 1930 pelos simpatizantes de Getúlio Vargas, o grande vencedor das eleições. A Folha só voltaria a circular em 15 de janeiro de 1931. Em 1945, o título passava das mãos do barão do café Octaviano Alves para o trio José Nabantino Ramos, Clóvis Queiroga e Alcides Meirelles.
Sob a direção de Frias e Caldeira, a Folha experimentou rápida ascensão. Em 1967, por exemplo, o jornal iniciou revolução tecnológica e modernizou seu parque gráfico – foi pioneiro na impressão ofsete em cores, utilizada em larga tiragem pela primeira vez no Brasil. Quatro anos depois o veículo adotou o pioneiro sistema eletrônico de fotocomposição. Mas o principal evento aconteceu em 1975, quando a Folha iniciou uma reforma editorial que mudaria a sua história. O personagem principal foi Cláudio Abramo, que trabalhara no Estadão e fora demitido por pressão dos militares. Ele convenceu Frias de que, para ganhar mais dinheiro, precisava de influência e, para ter influência, necessitava ter um bom jornal.


PRIMEIRO LUGAR
Basicamente, a reforma consistia na injeção de opinião, levar o debate para dentro do jornal, celebrar a pluralidade. Surgiram editoriais, artigos opinativos, colunas com foco na crítica. O veículo publicava textos de sociólogos de esquerda e até de Plínio Corrêa de Oliveira, líder da ultraconservadora Tradição, Família e Propriedade (TFP). A Folha de S. Paulo renasceu e ganhou a credibilidade que lhe faltava. “O Cláudio sempre foi um homem de esquerda, uma das grandes figuras do jornalismo brasileiro, divergíamos politicamente, mas nunca tivemos nenhum atrito”, vivia elogiando Frias.
Abramo, no entanto, teve de sair por pressão política. “Me mandaram demitir o Cláudio ou fechariam o jornal, então eu o convidei para ser nosso correspondente em Paris”, conta. Foi substituído por Bóris Casoy. Outra grande virada aconteceria em 1984, quando Otávio Frias Filho, como diretor de redação no lugar de Casoy, iniciou a implantação do Projeto Folha, que instituía os princípios de um jornalismo crítico, moderno, apartidário e pluralista. Dois anos depois a Folha ultrapassou o Estadão e se tomou o jornal de maior circulação no País.
Foi justamente a partir dos anos 80 que os filhos Otávio e Luís ocuparam mais espaço na empresa. Isso não se revelou um problema porque Frias sempre manteve bom relacionamento com eles. “Eu diria até que é uma relação fora de moda”, gostava de comentar. O pai acompanhava Otavinho com atenção a respeito de sua maneira de tocar a redação. Em troca, o filho vivia afirmando que o pouco que ele aprendera no jornalismo devia ao velho. Com Luís, tomado presidente do grupo em 1991, o tom afável era o mesmo. Ao criar o Uol, em 1996, Frias disse ao filho executivo que não entendia bem o que ele estava fazendo, mas que tinha todo o seu apoio. “Meu pai intuía que aquilo representava o futuro, ele foi um dos grandes incentivadores do Uol”, lembra Luís.

Apesar da intenção pluralista do jornal, Frias concedeu tratamentos distintos para os presidentes civis. Em um primeiro momento, apoiou o “caçador de marajás” Fernando Collor como única forma de derrotar Luiz Inácio Lula da Silva. Em seguida, engrossou o cordão do impeachment. Durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso, pregou a ortodoxia macroeconômica. Com Lula, porém, parece ter caminhado convicto para a direita, amplificando as vozes oposicionistas tucanas e pefelistas. Um episódio foi ilustrativo disso. Em um almoço na Folha durante a campanha eleitoral de 2002, Otavinho perguntou a Lula se ele se sentia preparado para exercer a Presidência, mesmo sem ter curso superior. Lula achou a pergunta impertinente e retirou-se. Frias o acompanhou até a porta de saída.

Na crise política que se abateu sobre o governo lulista no final de seu primeiro mandato, a Folha foi acusada de ter virado palanque da mais contundente oposição. Dois institutos que monitoraram a imprensa durante a campanha da reeleição, o Datamídia e o Observatório Brasileiro da Mídia, identificaram que o jornal reservou um noticiário muito mais positivo para o adversário Geraldo Alckmin do que para Lula. Na época, o ombudsman da Folha, Marcelo Beraba, registrava o fato em suas colunas dominicais. Frias jamais aceitou a hipótese de que o seu jornal se pautava pela parcialidade. Preferia o discurso da independência.

Quem o conhecia sabia que seria difícil o homem claudicar. O banqueiro Lázaro de Mello Brandão, por exemplo, considerava Frias um sujeito muito personalista. “Ele imprimiu a sua marca ao jornal, com disciplina rígida e determinação. A Folha é o espelho do Frias, do que ele se propõe”, disse o presidente do Bradesco no livro A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira, do jornalista Engel Paschoal, lançado em agosto de 2006. A obra reúne depoimentos de personalidades, entre jornalistas, políticos e empresários.

Com os outros barões da mídia, Frias cultivava boas relações. Ele admirava Roberto Marinho, que um dia, na volta d um evento no Pará, confessa-lhe no avião que o seu maior era um dia fazer um jornal tão bom quanto a Folha de S. Pulo. “Foi o maior elogio que já recebi na minha vida, vindo de empresário que construiu, longe, o grupo de comunicação de maior expressão no País”, desmanchou-se Frias. Em relação a Assis Chateaubriand, derramava elogios: “O Chatô fez um império que, depois, não resistiu à morte dele. Mas fez um império. Ele era prático e audacioso”. No fundo, quem sabe, Frias lutou a vida toda se espelhando nesse exemplo.



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Empresário faleceu aos 94 anos


O empresário e editor da Folha de S. Paulo Octavio Frias de Oliveira morreu no domingo, dia 29 de abril, após um agravamento de suas condições clínicas nas últimas semanas, que o colocou em um quadro de insuficiência renal grave. Em novembro, em decorrência de uma queda doméstica, ele foi submetido a cirurgia para remoção de hematoma craniano. Teve alta hospitalar na passagem do ano e desde então vinha se recuperando na casa de sua filha, Maria Cristina. Suas condições clínicas pioraram nas últimas semanas. Ele estava consciente havia dois dias. Seu sepultamento ocorreu na segunda-feira, 30, ao meio-dia, no cemitério Gethsemani, em São Paulo.

Nascido no Rio de Janeiro, em 5 de agosto de 1912, Frias começou a trabalhar aos 14 anos como o office-boy. Aos 23, já era diretor da Secretaria da Fazenda de São Paulo. Foi sócio de banco e atuou no setor agropecuário. Em 13 de agosto de 1962, comprou a Folha, que viria a se tornar na década de 9r o maio jornal do País e a base do conglomerado que hoje abrange o portal e provedor de internet Uol, o jornal Agora, o instituto de pesquisas Datafolha, a editora Publifolha, a gráfica Plural e o diário econômico Valor (este em sociedade com as Organizações Globo). A Portugal Telecom também tem participação acionária do conglomerado.
Em 1996, a Folha atingiu tiragens recordes de 1,5 milhão de exemplares. Segundo o Valor Econômico de 30 de abril, o grupo que Frias dirigiu faturou R$ 765 milhões em 2006.


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Nem tão liberal assim


Em que pese a vitoriosa trajetória pessoal e profissional de Octavio Frias, sua figura nunca desfrutou de consenso. O jornalista Mino Carta, editor de Carta Capital e um dos maiores nomes da imprensa brasileira, disse em entrevista publicada em 2006 na revista Caros Amigos que a Folha, diferentemente da propalada pluralidade, sempre serviu à ditadura e cresceu graças às benesses do poder. “Até hoje o jornal, que gosta de posar de democrata e transparente, tenta esconder esse período macabro, que revela todo o seu caráter de classe e a sua postura direitista”, alfinetou Carta.

Há razões para a crítica de Carta. O liberal Frias teve, de fato, uma história controversa em suas posições políticas. Logo ao comprar a Folha, teria feito do jornal um instrumento a serviço da conspiração golpista. Estampava manchetes sensacionalistas contra o “perigo comunista” e assinava editoriais contra a “corrupção e a subversão”. Na fase mais aguda da ditadura militar, por exemplo, a Folha da Tarde, também do grupo, divulgava a “morte de terroristas em emboscadas policiais” quando estes ainda estavam na prisão.

A falsa notícia servia para encobrir as torturas. Grupos armados, como resposta, incendiaram três peruas da empresa, usadas não só para transportar o jornal como para recolher torturados ou pessoas que seriam torturadas na Operação Bandeirantes (Oban), órgão de segurança que combatia a subversão, inaugurado em 1969.

Assustada, a família passou a morar no prédio da Folha – de setembro de 1971, quando da morte de Carlos Lamarca, militar que atuou na oposição armada, até fevereiro de 1972. Um apartamento foi construído no oitavo andar do prédio, com vidros à prova de bala. Os filhos aprenderam a usar armas.

Na ocasião, um furioso edital contra o movimento de guerrilha foi publicado na primeira página: “Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é tão compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil …”

Em 1977, Frias demitiu o colunista Lourenço Diaféria, a pedido do general linha-dura Hugo de Abreu, então ministro e chefe da Casa Militar do presidente Ernesto Geisel. Em sua irreverência habitual, o escritor assinara uma crônica sobre um bombeiro que urinara na estátua de Duque de Caxias, no centro de São Paulo. Com Cláudio Abramo, Frias também sucumbiu aos apelos militares. O filho Otávio refuta as acusações. No livro que perfila a vida de seu pai, Otavinho alega que os veículos da empresa foram usados por equipes do DOI-Codi (órgão de inteligência e repressão durante o governo militar) à revelia de Frias. (EOS)

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