Walter Medeiros* – waltermedeiros@supercabo.com.br
O gosto deste líquido quente, escuro, ora brilhoso ora fosco, que domina a boca e traz a sensação de prazer tem um alcance imenso, no espaço, no tempo e na vida. Quero falar de café, mas não tenho intenção de apresentar sua história, influência ou importância para o mundo nem particularmente para o nosso país, que por sinal tem muito o que contar a respeito. Apenas quero viajar no tempo e resgatar alguns momentos inesquecíveis do meu contato com esse companheiro, do qual cheguei a tomar umas trinta pequenas xícaras por dia em certa época.
As primeiras lembranças fortes do meu café vêm de Mata Grande, onde, com meus oito anos assistia dona Maria Sabiá torrar o café no caco para enviar a minha mãe. Era o café no seu estado mais natural e puro, com aquele cheiro que ainda circula tão forte em minha mente. Depois achava interessante aquele ritual nas casas que freqüentava em Natal, Tangará ou Nova Cruz, onde serviam o café em xícaras brancas decoradas com flores coloridas, o açucareiro ao lado, de onde se tirava aqueles grãos derivados da cana. Eram momentos únicos, de um tempo tão tranqüilo.
Naquela mesma época, lá por volta de 1966, fiz uma viagem de trem de Nova Cruz até Natal. Meu cunhado, Nivaldo Dantas, colocou-me, menino de treze anos, pela janela do vagão restaurante, para garantir melhor lugar. Ali saboreei, para não perder o costume, um café daqueles, cujo gosto dava prá aproveitar completamente, já que ainda estava longe de virar um fumante compulsivo. Hoje já faz mais de dez anos que deixei de fumar, quero apressar-me em explicar.
Ainda naquelas minhas manhãs frias da infância, via a colher de pau da minha avó, que mexia naquela bule, adoçando o café comprado na torrefação. De longe ouvia-se aquele som ritmado, forte e decidido, enquanto no ar passava o cheiro, tão inesquecível, tão marcante, da nossa saborosa refeição. Ah! Aquele sorriso quase tímido, da sertaneja que a tantos acolhia, aquela voz que ainda me ressoa, aquele olhar de rara confiança e o totó amarrando o cabelo.
Ali já estava sem jeito. Tinha toda curiosidade sobre o café São Luiz, onde ia comprar café moído na hora; o café Vencedor, ali na Avenida Dez da qual também temos tanta saudade, a exemplo de Babau com sua música; e tantos outros cafés que foram chegando e ocupando seus espaços. Até que chegamos no tempo das cafeterias.
Lembro bem que o primeiro café expresso que realmente me atraiu completamente – apesar daqueles quiosques dos shoppings – foi o cafezinho da Casa do Pão de Queijo do Carrefour. Sempre no ponto, aquele estabelecimento faz por onde receber a certificação de qualidade, pois o café servido tem de estar na temperatura padrão. Para não deixar passar outras coisas boas, chego a provar vez por outra o café de outros lugares, mas nenhum ainda me convenceu.
Quando puder tomarei com mais freqüência um cafezinho de Stuttgart, ali atrás do Kauf Hof Bat Cannstatt. Mas a última experiência forte que tive ao tomar café foi naquela viagem a Lisboa, ano passado. Fui tomar um cafezinho numa cafeteria do Shopping Colombo. Ainda meio tonto com a velocidade da fala dos portugueses, pedi um cafezinho e paguei. No momento apenas uma moça (rapariga, no caso, já que estávamos lá) bela e atenciosa, inagou: “Você traz a chávena?”. Não entendi. Graça, minha mulher, sempre acudindo, lembrou das suas aulas de culinária, entendeu e respondeu por mim: “traz.” Ainda sem entender, fui sentar olhando aquela bela movimentação. Aí esclareci imediatamente. “O que foi que ela parguntou?” – indaguei. E Graça, em meio àquela cena idiomática engraçada, me explica o que é chávena. Nada mais, nada menos que a xícara.
*Jornalista