O que pode fazer a diferença na agricultura brasileira é a irrigação, afirma especialista da ANA

Em entrevista à Cafeicultura, coordenador de Recursos Hídricos da Agência Nacional das Águas, Wagner Vilella, comentou levantamento que traçou um panorama das áreas irrigadas por pivôs no Brasil

19 de janeiro de 2017 | Sem comentários Novas Técnicas Tecnologias

1,275 milhão de hectares irrigados com pivôs centrais. Crescimento de 43% em oito anos. Além de dados quantitativos, um panorama geral sobre a distribuição desse sistema por todo território nacional. É esse o foco do Levantamento da Agricultura Irrigada por Pivôs Centrais no Brasil, resultado de uma parceria iniciada em 2014 entre a Agência Nacional das Água (ANA) e a Embrapa Milho e Sorgo.


Um trabalho minucioso desenvolvido a partir de imagens de satélites (Landsat 8, prioritariamente) com auxílio de ferramentas de geoprocessamento para auxiliar na identificação do equipamento e no tratamento das imagens.


Os resultados desse estudo são temas da entrevista especial desta edição da revista Cafeicultura. Durante o bate-papo, o especialista Wagner Vilella, coordenador de Planos de Recursos Hídricos da ANA, comentou os números, avaliou o cenário da Agricultura Irrigada no país e defendeu a irrigação como ferramenta “única” para a mudança do perfil produtivo do campo. Confira:


Cafeicultura: Como o estudo pode contribuir para o desenvolvimento da agricultura irrigada e de uma melhor gestão dos recursos hídricos?


Wagner Vilella: Em relação ao desenvolvimento da agricultura irrigada, o estudo permite que os gestores públicos e empresários conheçam as regiões que concentram muitos equipamentos e, principalmente, as novas regiões onde é clara a expansão dessa modalidade de irrigação. Há que se pensar também nos motivos que levam a quase inexistência de irrigação em inúmeras áreas potenciais, com o relevo e solos adequados, além de água disponível.


Para a gestão e o planejamento dos recursos hídricos, posso afirmar que o levantamento é essencial. Não há como gerir ou planejar qualquer coisa sem conhecer suas características e, em se tratando de recursos hídricos, a principal informação a ser conhecida é o balanço hídrico que, nas principais bacias hidrográficas brasileiras, é dependente da demanda de água para irrigação.


 


Cafeicultura: O levantamento mostrou que as áreas irrigadas no Brasil cresceram 43% em oito anos, apesar de uma diminuição concentrada registrada em vários estados. Esse número geral é um aumento significativo? Como o senhor avalia?


WV: Em um primeiro momento, o dado numérico não foi tão importante. Importava mais saber a localização geográfica, com maior precisão, dos equipamentos. Daí a grande diferença com levantamentos passados, com base censitária. Acredito que dificilmente houve redução de equipamentos em qualquer estado, mas tão somente ajuste de dados.


Em um segundo momento, começamos a focar mais na avaliação do crescimento da irrigação por pivôs. Neste momento, verificamos que, apesar de um aumento numérico expressivo, ainda é pouco frente ao potencial do país. Em breve daremos outro passo adiante. Iremos traçar a dinâmica da expansão de pivôs pelo Brasil e avaliar os períodos do ano de maior utilização e de consumo de água pelos pivôs em cada região ou bacia hidrográfica.


Cafeicultura: Apesar do crescimento já demonstrado pelo estudo, ainda são “só” 1,275 milhão de hectares irrigados no Brasil com pivôs. Como o senhor avalia esse número? Ainda é pequeno?


WV: Mesmo se tratando apenas da área irrigada por pivôs centrais, acredito que este número é pequeno sim. Dispomos de um potencial gigantesco a ser explorado. Falta as áreas do governo responsáveis pelo setor identificar o motivo desta expansão ainda não ter ocorrido e atuar para que ela ocorra.


Cafeicultura: Se esse número fosse maior, a realidade produtiva brasileira seria diferente?


WV: Certamente seria diferente. Hoje, muitas culturas estão no limiar de sua produtividade, mesmo com uso das melhores tecnologias de genética, adubação e manejo disponíveis. O que pode fazer a diferença é a irrigação. Um exemplo claro são as lavouras de cana-de-açúcar que há mais de dez anos não mudam seu patamar de produtividade, a não ser aquelas que vêm sendo irrigadas, que demonstram aumento significativos de produtividade. Sempre falo o seguinte: “O agricultor que decide pela compra de um pivô centra já está no topo da cadeia agrícola. Ele já emprega a melhor tecnologia existente para tudo (sementes, adubação, manejo, maquinário etc.), só faltava a irrigação!”.


Cafeicultura: Por que ainda há resistência em implantação do sistema?


WV: Como diria meu antigo orientador, isso daria uma tese, devido à quantidade de motivos. Mas vou reduzir a dois, que acredito serem os mais importantes: desconhecimento e falta de infraestrutura.


Quando me refiro ao desconhecimento, digo isso não pela falta de propagando ou divulgação pelas empresas de equipamentos. O problema é que isso é sempre feito por vendedores ou técnicos das empresas que os agricultores também enxergam como vendedores. Falta atuação mais forte das universidades, das empresas de extensão rural e dos representantes dos governos que, em tese, não têm interesse comercial na divulgação e esclarecimento. Muitos agricultores simplesmente desconhecem ou não acreditam nos benefícios da irrigação, além disso, boa parte também acha que é um bicho de sete cabeças, o que não é verdade.


Outro fator importantíssimo, na minha opinião, é a falta de infraestrutura. Dispomos de regiões privilegiadíssimas para o desenvolvimento da irrigação por pivôs centrais, mas sempre falta um ou vários equipamentos de infraestrutura governamental. Talvez o exemplo mais marcante, para citar apenas um, é a distribuição de energia elétrica para alimentar as moto bombas dos pivôs: faltam redes de distribuição tanto em regiões com a irrigação amplamente desenvolvida, como em Cristalina (GO), como em regiões ainda consideradas promissoras, como em boa parte dos estados do Tocantins e Mato Grosso.


Cafeicultura: Ainda de acordo com os números levantados, a maior concentração de área irrigada é em Minas Gerais e o município de Unaí lidera entre os municípios brasileiros. Além disso, o estado foi um dos que mais apresentou crescimento nos últimos anos. A que podemos atribuir esse aumento?


WV: Parte se explica pelas características naturais (regime de chuvas, solo, relevo, água disponível etc.) e parte pelas características históricas da agricultura desses municípios. Mas, na minha opinião, o principal fator remete à resposta da pergunta anterior, pois nas regiões onde se concentram irrigantes, a tendência é de que o conhecimento sobre a técnica seja mais difundido e existe mais confiança na sua aplicação, além de assistência técnica mais acessível e qualificada. Além disso, nessas regiões a dinâmica econômica da irrigação faz com que a infraestrutura governamental seja constantemente melhorada, apesar de ainda existirem problemas como questão de redes de energia.


Cafeicultura: Notamos também um forte crescimento nos estados Bahia e Mato grosso. A que podemos atribuir? Há uma tendência de que as áreas irrigadas fiquem concentradas nesses estados?


WV: O crescimento da Bahia e Mato Grosso é consequência da expansão da agricultura tecnificada para estas regiões nas últimas décadas, sendo a irrigação o último passo tecnológico. Acredito que a irrigação ainda vai se expandir muito nesses estados, mas não podemos menosprezar os estados já consolidados, como São Paulo, Minas Gerais e Goiás, além do surpreendente crescimento no Rio Grande do Sul e da expectativa de que regiões promissoras venham a se desenvolver, como no Tocantins e MATOPIBA  (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).


Cafeicultura: O estudo também mostra as bacias hidrográficas mais utilizadas para irrigação. Existe alguma situação crítica?


WV: Sim, existem várias situações críticas, afinal, a irrigação é a maior usuária de água no Brasil e no mundo, então é esperado que isso ocorra. Outro estudo elaborado pela ANA, sobre bacias hidrográficas críticas, identificou que em quase 90% dos casos a irrigação é o principal fator indutor de conflitos. Na maioria das vezes, o conflito existente ou potencial é entre os próprios irrigantes, sendo que a melhor maneira de se evitar isso é a regularização do uso da água com cadastro e outorga junto ao órgão responsável.


Cafeicultura: Em função da escassez de chuvas em algumas regiões, notamos uma queda bruta de produtividade e até mesmo perdas completas de lavouras nos últimos anos. A irrigação pode ser a salvação da produção de alimentos, o que é indispensável em alguns pontos. Essa é, sem dúvida, uma utilização racional necessária dos recursos. Como a ANA avalia esse uso?


WV: O uso da água na agricultura irrigada é entendido pela ANA como necessário para a produção de alimentos e de alta relevância para gestão dos recursos hídricos. É necessário para a produção de alimentos, pois garante a produção agrícola em períodos de escassez de chuvas e eleva significativamente a produtividade, mesmo em locais de chuvas regulares. É altamente relevante para a gestão dos recursos hídricos, pois trata-se do maior uso de água existente no país e na grande maioria das bacias hidrográficas. Um único investimento em pivôs centrais pode alterar significativamente o balanço hídrico de um rio ou de uma bacia hidrográfica, por isso devemos cada vez mais conhecer a dinâmica do setor para fazer uma adequada gestão dos recursos hídricos.


Cafeicultura: A Agricultura irrigada é um caminho sem volta?


WV: Certamente é um caminho sem volta. Diria até que estamos atrasados, longe demais do potencial que o país oferece. Mas, para isso, é necessário que os responsáveis pelo setor, principalmente nos governos, se atentem e dispensem a devida atenção ao planejamento, infraestrutura e divulgação da irrigação. Do lado da gestão de recursos hídricos, devemos nos preparar cada vez mais para atender a demanda que surgirá do setor, de forma que seja garantida sustentabilidade para uso da água, não só para a irrigação, mas também para os demais setores usuários.


Cafeicultura: Como o senhor prevê o cenário de agricultura irrigada para os próximos anos? Esses números vão crescer? Em qual proporção?


WV: No curto prazo, acredito que os números vão crescer na mesma proporção que temos verificado nos últimos anos, entre 3 e 4% ao ano, com algumas regiões chegando perto de 10%. Para o médio e longo prazo é difícil fazer uma previsão, pois depende muito de uma política governamental sólida para o setor, o que aumentaria significativamente o crescimento. Se continuar dependendo apenas da iniciativa privada, acredito que a tendência do curto prazo se manterá por muito tempo, perdendo-se assim uma nova grande oportunidade do país dar novamente um salto em sua produção agrícola, sem necessidade de avançar sobre áreas vegetadas.

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