Em entrevista à Cafeicultura, coordenador de Recursos Hídricos da Agência Nacional das Águas, Wagner Vilella, comentou levantamento que traçou um panorama das áreas irrigadas por pivôs no Brasil
1,275 milhão de hectares irrigados com pivôs centrais. Crescimento de 43% em oito anos. Além de dados quantitativos, um panorama geral sobre a distribuição desse sistema por todo território nacional. É esse o foco do Levantamento da Agricultura Irrigada por Pivôs Centrais no Brasil, resultado de uma parceria iniciada em 2014 entre a Agência Nacional das Água (ANA) e a Embrapa Milho e Sorgo.
Um trabalho minucioso desenvolvido a partir de imagens de satélites (Landsat 8, prioritariamente) com auxílio de ferramentas de geoprocessamento para auxiliar na identificação do equipamento e no tratamento das imagens.
Os resultados desse estudo são temas da entrevista especial desta edição da revista Cafeicultura. Durante o bate-papo, o especialista Wagner Vilella, coordenador de Planos de Recursos Hídricos da ANA, comentou os números, avaliou o cenário da Agricultura Irrigada no país e defendeu a irrigação como ferramenta “única” para a mudança do perfil produtivo do campo. Confira:
Cafeicultura: Como o estudo pode contribuir para o desenvolvimento da agricultura irrigada e de uma melhor gestão dos recursos hídricos?
Wagner Vilella: Em relação ao desenvolvimento da agricultura irrigada, o estudo permite que os gestores públicos e empresários conheçam as regiões que concentram muitos equipamentos e, principalmente, as novas regiões onde é clara a expansão dessa modalidade de irrigação. Há que se pensar também nos motivos que levam a quase inexistência de irrigação em inúmeras áreas potenciais, com o relevo e solos adequados, além de água disponível.
Para a gestão e o planejamento dos recursos hídricos, posso afirmar que o levantamento é essencial. Não há como gerir ou planejar qualquer coisa sem conhecer suas características e, em se tratando de recursos hídricos, a principal informação a ser conhecida é o balanço hídrico que, nas principais bacias hidrográficas brasileiras, é dependente da demanda de água para irrigação.
Cafeicultura: O levantamento mostrou que as áreas irrigadas no Brasil cresceram 43% em oito anos, apesar de uma diminuição concentrada registrada em vários estados. Esse número geral é um aumento significativo? Como o senhor avalia?
WV: Em um primeiro momento, o dado numérico não foi tão importante. Importava mais saber a localização geográfica, com maior precisão, dos equipamentos. Daí a grande diferença com levantamentos passados, com base censitária. Acredito que dificilmente houve redução de equipamentos em qualquer estado, mas tão somente ajuste de dados.
Em um segundo momento, começamos a focar mais na avaliação do crescimento da irrigação por pivôs. Neste momento, verificamos que, apesar de um aumento numérico expressivo, ainda é pouco frente ao potencial do país. Em breve daremos outro passo adiante. Iremos traçar a dinâmica da expansão de pivôs pelo Brasil e avaliar os períodos do ano de maior utilização e de consumo de água pelos pivôs em cada região ou bacia hidrográfica.
Cafeicultura: Apesar do crescimento já demonstrado pelo estudo, ainda são “só” 1,275 milhão de hectares irrigados no Brasil com pivôs. Como o senhor avalia esse número? Ainda é pequeno?
WV: Mesmo se tratando apenas da área irrigada por pivôs centrais, acredito que este número é pequeno sim. Dispomos de um potencial gigantesco a ser explorado. Falta as áreas do governo responsáveis pelo setor identificar o motivo desta expansão ainda não ter ocorrido e atuar para que ela ocorra.
Cafeicultura: Se esse número fosse maior, a realidade produtiva brasileira seria diferente?
WV: Certamente seria diferente. Hoje, muitas culturas estão no limiar de sua produtividade, mesmo com uso das melhores tecnologias de genética, adubação e manejo disponíveis. O que pode fazer a diferença é a irrigação. Um exemplo claro são as lavouras de cana-de-açúcar que há mais de dez anos não mudam seu patamar de produtividade, a não ser aquelas que vêm sendo irrigadas, que demonstram aumento significativos de produtividade. Sempre falo o seguinte: “O agricultor que decide pela compra de um pivô centra já está no topo da cadeia agrícola. Ele já emprega a melhor tecnologia existente para tudo (sementes, adubação, manejo, maquinário etc.), só faltava a irrigação!”.
Cafeicultura: Por que ainda há resistência em implantação do sistema?
WV: Como diria meu antigo orientador, isso daria uma tese, devido à quantidade de motivos. Mas vou reduzir a dois, que acredito serem os mais importantes: desconhecimento e falta de infraestrutura.
Quando me refiro ao desconhecimento, digo isso não pela falta de propagando ou divulgação pelas empresas de equipamentos. O problema é que isso é sempre feito por vendedores ou técnicos das empresas que os agricultores também enxergam como vendedores. Falta atuação mais forte das universidades, das empresas de extensão rural e dos representantes dos governos que, em tese, não têm interesse comercial na divulgação e esclarecimento. Muitos agricultores simplesmente desconhecem ou não acreditam nos benefícios da irrigação, além disso, boa parte também acha que é um bicho de sete cabeças, o que não é verdade.
Outro fator importantíssimo, na minha opinião, é a falta de infraestrutura. Dispomos de regiões privilegiadíssimas para o desenvolvimento da irrigação por pivôs centrais, mas sempre falta um ou vários equipamentos de infraestrutura governamental. Talvez o exemplo mais marcante, para citar apenas um, é a distribuição de energia elétrica para alimentar as moto bombas dos pivôs: faltam redes de distribuição tanto em regiões com a irrigação amplamente desenvolvida, como em Cristalina (GO), como em regiões ainda consideradas promissoras, como em boa parte dos estados do Tocantins e Mato Grosso.
Cafeicultura: Ainda de acordo com os números levantados, a maior concentração de área irrigada é em Minas Gerais e o município de Unaí lidera entre os municípios brasileiros. Além disso, o estado foi um dos que mais apresentou crescimento nos últimos anos. A que podemos atribuir esse aumento?
WV: Parte se explica pelas características naturais (regime de chuvas, solo, relevo, água disponível etc.) e parte pelas características históricas da agricultura desses municípios. Mas, na minha opinião, o principal fator remete à resposta da pergunta anterior, pois nas regiões onde se concentram irrigantes, a tendência é de que o conhecimento sobre a técnica seja mais difundido e existe mais confiança na sua aplicação, além de assistência técnica mais acessível e qualificada. Além disso, nessas regiões a dinâmica econômica da irrigação faz com que a infraestrutura governamental seja constantemente melhorada, apesar de ainda existirem problemas como questão de redes de energia.
Cafeicultura: Notamos também um forte crescimento nos estados Bahia e Mato grosso. A que podemos atribuir? Há uma tendência de que as áreas irrigadas fiquem concentradas nesses estados?
WV: O crescimento da Bahia e Mato Grosso é consequência da expansão da agricultura tecnificada para estas regiões nas últimas décadas, sendo a irrigação o último passo tecnológico. Acredito que a irrigação ainda vai se expandir muito nesses estados, mas não podemos menosprezar os estados já consolidados, como São Paulo, Minas Gerais e Goiás, além do surpreendente crescimento no Rio Grande do Sul e da expectativa de que regiões promissoras venham a se desenvolver, como no Tocantins e MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
Cafeicultura: O estudo também mostra as bacias hidrográficas mais utilizadas para irrigação. Existe alguma situação crítica?
WV: Sim, existem várias situações críticas, afinal, a irrigação é a maior usuária de água no Brasil e no mundo, então é esperado que isso ocorra. Outro estudo elaborado pela ANA, sobre bacias hidrográficas críticas, identificou que em quase 90% dos casos a irrigação é o principal fator indutor de conflitos. Na maioria das vezes, o conflito existente ou potencial é entre os próprios irrigantes, sendo que a melhor maneira de se evitar isso é a regularização do uso da água com cadastro e outorga junto ao órgão responsável.
Cafeicultura: Em função da escassez de chuvas em algumas regiões, notamos uma queda bruta de produtividade e até mesmo perdas completas de lavouras nos últimos anos. A irrigação pode ser a salvação da produção de alimentos, o que é indispensável em alguns pontos. Essa é, sem dúvida, uma utilização racional necessária dos recursos. Como a ANA avalia esse uso?
WV: O uso da água na agricultura irrigada é entendido pela ANA como necessário para a produção de alimentos e de alta relevância para gestão dos recursos hídricos. É necessário para a produção de alimentos, pois garante a produção agrícola em períodos de escassez de chuvas e eleva significativamente a produtividade, mesmo em locais de chuvas regulares. É altamente relevante para a gestão dos recursos hídricos, pois trata-se do maior uso de água existente no país e na grande maioria das bacias hidrográficas. Um único investimento em pivôs centrais pode alterar significativamente o balanço hídrico de um rio ou de uma bacia hidrográfica, por isso devemos cada vez mais conhecer a dinâmica do setor para fazer uma adequada gestão dos recursos hídricos.
Cafeicultura: A Agricultura irrigada é um caminho sem volta?
WV: Certamente é um caminho sem volta. Diria até que estamos atrasados, longe demais do potencial que o país oferece. Mas, para isso, é necessário que os responsáveis pelo setor, principalmente nos governos, se atentem e dispensem a devida atenção ao planejamento, infraestrutura e divulgação da irrigação. Do lado da gestão de recursos hídricos, devemos nos preparar cada vez mais para atender a demanda que surgirá do setor, de forma que seja garantida sustentabilidade para uso da água, não só para a irrigação, mas também para os demais setores usuários.
Cafeicultura: Como o senhor prevê o cenário de agricultura irrigada para os próximos anos? Esses números vão crescer? Em qual proporção?
WV: No curto prazo, acredito que os números vão crescer na mesma proporção que temos verificado nos últimos anos, entre 3 e 4% ao ano, com algumas regiões chegando perto de 10%. Para o médio e longo prazo é difícil fazer uma previsão, pois depende muito de uma política governamental sólida para o setor, o que aumentaria significativamente o crescimento. Se continuar dependendo apenas da iniciativa privada, acredito que a tendência do curto prazo se manterá por muito tempo, perdendo-se assim uma nova grande oportunidade do país dar novamente um salto em sua produção agrícola, sem necessidade de avançar sobre áreas vegetadas.