O nascimento dos cafés especiais, ou gourmet, no Brasil se confunde em muito
com a criação da Associação Brasileira de Cafés Especiais – Brazil Specialty
Coffee Association (BSCA). Não que cafés de qualidade superior já não
existissem. Mas há dez anos, um grupo de produtores ‘’’de cafés de alta
qualidade fundou a BSCA, tentando conquistar um nicho do mercado de gourmet para
os melhores produtos do Brasil. Hoje, esses e outros esforços estão sendo
recompensados. O fruto do trabalho está sendo mostrado pelo reconhecimento dos
países consumidores da qualidade do café brasileiro. E isso é medido pelo preço
que muitas vezes é pago por um produto excepcional de nossas regiões
produtoras.
A BSCA selecionou cuidadosamente os membros da entidade. São cafeicultores
brasileiros que dedicam uma parte de sua produção para cafés de excelentíssima
qualidade, para torradores internacionais que só colocam na xícara dos
consumidores produtos diferenciados. Assim como os melhores vinhos, champanhas e
uísques, cafés especiais também podem ter preços exorbitantes. E essas
indústrias sabem valorizar a matéria-prima, o café verde especial, que permite a
produção de uma bebida ímpar.
Hoje, a BSCA participa dos principais eventos internacionais, como as
conferências e feiras da Specialty Coffee Association of America (SCAA) –
Associação de Cafés Especiais dos Estados Unidos, sempre destacando a qualidade
do café brasileiro e tentando melhorá-la. O presidente da BSCA, Marcelo Vieira,
define de forma simples como se chega à produção de um café especial: “É preciso
capricho, só isso”. Destaca que, fundamentalmente, um café gourmet vem da
dedicação do produtor e do controle de qualidade. Além do toque pessoal,
obviamente há outros quesitos necessários, como a alta tecnologia. Um verdadeiro
café especial parte da escolha da área e da variedade a ser plantada. “A escolha
do local de plantio relaciona-se com a qualidade do café e a sustentabilidade de
seu cultivo”, coloca a BSCA. A Associação destaca que os produtores membros têm
enorme preocupação com a preservação ambiental. Afora isso, as regiões
produtoras possuem características diversas, fornecendo alternativas para o
mercado de café gourmet quanto a sabores e outras virtudes do café.
As áreas de cafés especiais envolvem basicamente a região Mogiana de São
Paulo, o sul e Cerrado de Minas Gerais, além do Vale do Jequetinhonha, o oeste
da Bahia e região das chapadas baianas. No entanto, não se restringem a isso.
Novas áreas vão se firmando como produtoras de cafés excelentes, como é o caso
das Matas de Minas, região em que uma produtora venceu o prêmio do concurso de
qualidade de Café Gourmet – Cup of Excelence.
A seleção do local de produção e da variedade é seguida de práticas culturais
caprichosas na busca por um café especial. É fundamental uma colheita seletiva,
seja manual ou mecânica, no momento ideal da maturação para garantir um
rendimento ótimo de café cereja. Depois de uma colheita cuidadosa, a secagem é
recheada de toques especiais, ao sol em camadas finas, com mão-de-obra
experiente e bem treinada, podendo ser complementada em secadores modernos. Com
o clima favorável durante a colheita, em que normalmente há tempo seco, os
produtores de cafés especiais podem escolher o sistema de processamento adequado
às necessidades do mercado de gourmet. Dependendo do critério e da escolha do
produtor, podem ser produzidos o café natural, cereja descascado ou o
despolpado. Como a produção dos especiais é restrita, cada lote pode ser
preparado e designado no processamento de acordo com a necessidade do
comprador.
O trabalho da Associação Brasileira de Cafés Especiais é baseado na
consistência em torno da busca de qualificação do produto, no marketing –
traçando-se parcerias com o cliente – e fundamentalmente no controle de
qualidade, com a certificação garantida pela BSCA. A Associação só concede seu
Certificado de Café Especial aos mais finos cafés especiais que obedecem a
padrões rigorosos de qualidade, o que garante ao comprador todo o caprichoso
trato dado pelo produtor a cada lote de produto, por menor que este seja.
Preços e remuneração extraordinários
Quando se trata de um mercado de cafés especiais, as cifras falam por si. O
café verde gourmet vendido por produtores brasileiros no dia a dia consegue
ágios médios em relação ao preço normal de um café fino de cerca de 20%, observa
Marcelo Vieira, presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais. Pode não
parecer muito, mas, como exemplo, se o mercado trabalha com uma cotação de R$
110,00 a saca para um café muito fino, o gourmet pode ser vendido em média a
pelo menos R$ 132,00. Meio quilo de café torrado e moído no Brasil custa de R$
2,50 a R$ 3,50.
Algumas marcas industrializadas de cafés especiais de outros países chegam a
custar mais de R$ 100,00 na Europa e EUA.
Marcelo Vieira destaca cafés que são vendidos a preços bem mais altos, como
variedades orgânicas. Isso sem falar nos valores que produtores brasileiros de
cafés premiados podem conseguir. No leilão realizado pela internet em 2000,
fruto do Prêmio Cup of Excelence, o lote vencedor do Concurso foi vendido ao
sensacional preço de R$ 725,74 a saca, na época o equivalente a US$ 402,13.
O Brasil ainda não alcançou outras nações que estão há mais tempo e com um
marketing mais consolidado em relação ao prêmio para seus cafés. A Colômbia,
segundo maior país produtor do mundo, ainda ganha nos seus ágios para o café
gourmet, admite Marcelo Vieira. Mas o café brasileiro tem espaço para crescer
não só em produção e exportação, como também em melhores preços. Por isso o país
briga para largar o padrão atual do mercado interno de “duro para melhor”,
buscando retomar o conceito de produção de um produto “mole” ou melhor ainda,
“estritamente mole”, que é um café de qualidade superior. E luta para comprovar
que o café brasileiro não tem nada a perder para o colombiano.
Custos X Lucratividade
Pesquisas mostram que vale à pena o produtor investir na qualidade, desde que
saiba encontrar os canais certos de comercialização do seu café especial, para
mercados que paguem mais pelo grão diferenciado. Na maior parte dos casos, o
custo de produção é maior que o normal. Isso pode ser compensado com a
valorização do produto, aumentando a lucratividade do cafeicultor.
O engenheiro agrônomo e consultor técnico do Projeto Café Gourmet, Guy
Carvalho Ribeiro Filho, conduziu um trabalho para avaliar a “qualidade como
fator de competitividade para a cafeicultura”. Além da qualidade, foram
analisados os custos e o valor agregado ao produto. Para isso, foram utilizadas
10 fazendas modelo, com resultados avaliados em duas safras. No primeiro ciclo,
a produção foi convencional e no seguinte os tratos foram dirigidos para a
colheita e preparo de um café especial. Guy Carvalho observou que: “Mesmo com
valores diferenciados, todas as Fazendas Modelo apresentaram aumentos na
receita, como prêmio alcançado pela melhoria de qualidade e diferenciação do
produto. Quando analisado o impacto na lucratividade, observa-se que, mesmo com
aumento no custo final, as Fazendas Modelo que diferenciaram seu produto e
conseguiram agregar valor na venda, alcançaram aumento na lucratividade,
comparando-se com o sistema anterior, à exceção da Fazenda número 10, que possui
uma pequena área em produção e fez o investimento em ano de baixa
produtividade.”
As conclusões do trabalho de Guy Carvalho, basicamente, são de que é
vantajoso o cultivo de um café especial, mas isso só é possível para aumento de
lucratividade se o produtor tiver como vender esse café de forma diferenciada.
“O produtor precisa de canais como os concursos de qualidade Cup of Excelence,
Illycaffè e outros, ou trabalhar com a Associação Brasileira de Cafés Especiais,
ou ainda ter acesso a exportadores de café de qualidade, porque de nada adianta
produzir um café especial para vendê-lo como um produto normal, sem prêmio, pois
o custo total de produção vai aumentar”, garante o engenheiro agrônomo. Guy
Carvalho se disse satisfeito com o trabalho nas 10 Fazendas Modelo, destacando
que todas elas continuam investindo em qualidade e buscando canais específicos
de comercialização para o seu café especial. Texto
extraído do site http://www.revistacafeicultura.com.br/edicao00/cafesesp.htm
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