08/04/2014
Celso Luis Rodrigues Vegro
O primeiro trimestre de 2014 inverteu por completo o cenário para o mercado de café vigente até final de 2013. A anomalia climática que incidiu sobre os principais cinturões de arábica brasileiros, sacramentou expressivas perdas nas expectativas de volume de colheita (atual e futura), acarretando ainda, provável deterioração na qualidade esperada para a bebida. Em contrapartida, o distúrbio provocou debate técnico de grande aprendizado aos que dele participaram.
O sistema formador de preços para a commodity rapidamente internalizou as condições vigentes no Centro-Sul brasileiro, iniciando-se rali em torno das cotações futuras do produto em âmbito das Bolsas de Mercadorias. Como se pautam por expectativas, há entre os participantes do mercado aqueles situados no campo dos otimistas e outros no extremo oposto, o dos pessimistas, fazendo assim oscilarem as cotações com amplificação da volatilidade. Tais posicionamentos dos agentes são perfeitamente compreensíveis tendo em conta que os danos são muito variáveis entre regiões (altitude), idade da lavoura, condição do solo (raso/profundo; arenoso/argiloso), reserva hídrica, adensamento, podas, etc.. Cada uma dessas variáveis ou a combinação aleatória entre elas resulta em diferentes graus de dano produtivo a ser verificado, na prática, apenas no transcurso da pós-colheita.
Se antes da anomalia climática recomendava-se enfaticamente a necessidade de planejamento comercial por parte dos cafeicultores, em ambiente de mercado mais volátil, torna-se atualmente uma exigência inescapável, porém mais complexa diante das incertas variáveis a serem ponderadas no cálculo estratégico da busca de rentabilidade.
Em âmbito da gestão das lavouras se aproxima o momento de início das práticas de manejo destinada a colheita dos frutos. Em suas rotineiras rondas pelos talhões, alguns cafeicultores têm sido surpreendidos pela intensidade das perdas ocasionadas pela anomalia climática, enquanto outros, especialmente os irrigantes, não contabilizam perdas além dos 5%. Efetuar levantamentos dessa natureza na pré-colheita é de fundamental importância pois a etapa de recolhimento dos frutos é remunerada por volume (litros) e a comercialização do cafeicultor por peso (quilo). Frutos chochos, mal formados, que não serão descascados no benefício representam volume (alqueire pago ao trabalhador rural) e peso próximo de zero (preço recebido da cooperativa/máquina de benefício). Configura-se assim o cenário do pior do pior.
O cafeicultor precisa elaborar orçamentos de quanto poderá desembolsar na colheita frente à expectativa de quanto poderá obter monetariamente pelo resultado desse esforço. Haverá casos que deixar na árvore esse café e recolhê-los apenas no repasse/varrição estratégia válida e eficaz do ponto de vista do resultado econômico final.
Aqueles que se anteciparam com a contratação de CPR’s ou ainda se posicionaram no mercado futuro, poderão ter dificuldades em cumprir com os contratos, pois a perda de qualidade restringirá a disponibilidade de lotes de produto dentro das especificações. O preparo de cereja descadado também pode incrementar demasiadamente os custos finais, uma vez que parte significativa dos frutos maduros pode ser retirada no lavador, diminuindo o rendimento do equipamento a ponto de inviabilizar sua operação.
Mas o pior do pior não para por ai. Caso se confirmem as expectativas de formação de El Niño com aquecimento das águas do Pacífico Sul, há fortes possibilidades de precipitações durante a estação seca do ano nos principais cinturões produtores o que pode comprometer ainda mais a qualidade da bebida, mesmo contanto com uma eventual antecipação da maturação e, conseqüentemente, da operação de colheita.
O exíguo crescimento vegetativo dos ramos novos, constatado nesse primeiro trimestre de 2014, provocará necessariamente menor produção de frutos na safra 2015/16 (ano de baixa no ciclo bienal). Adicionalmente, prováveis efeitos da anomalia sobre a diferenciação de gemas podem também contribuir para menos flores e frutos na próxima safra. Que estratégia de manejo adotar nesse momento, com menos produção seria momento propício para efetuar poda, ou os preços nesses patamares recomenda que se mantenha a planta com sua incipiente vegetação na expectativa de que o magro volume obtido seja recompensado por preços extraordinários?
Retornando a análise para o contexto do mercado mundial, não se antevê redução na taxa de crescimento do consumo (excetuando-se o Brasil em que a ABIC registrou queda no consumo interno). Por outro lado, a anomalia climática no Centro-Sul ocorre em período de estoques muito baixos (cerca de 14 milhões de sacas) entre importadores. O cenário provável para o mercado se encaminha para incremento da volatilidade com disputa por lotes de produto capazes de cumprir com as qualidades especificadas por contratos. As companhias traders poderão incorrer em substanciais perdas financeiras em razão dos ágios que desembolsarão visando honrar compromissos. Por sua vez a indústria de torrefação sem fôlego para reajustar preços na gôndola dos supermercados (o mercado encolheu), terá margens ainda mais estreitas ao limite da inviabilidade econômica. Enfim, pior do pior não é uma exclusividade da lavoura.
*Celso Luis Rodrigues Vegro
Pesquisador Científico VI do IEA
celvegro@iea.sp.gov.br