A febre do crappuccino
O negócio das fezes na origem do café mais caro do mundo.
ANDREIA NOGUEIRA (Jacarta)
A crescente procura do Kopi Luwak, o café mais caro do mundo, feito a partir das fezes da civeta, está a gerar controvérsia na Indonésia. Activistas alertam para os animais que estão a ser colocados em jaulas sem o mínimo de condições.
O saudita Abdulrahman Khowaiter e a indonésia Santika Pernamawati não desistiram até encontrar o espaço da marca Kopi Luwak no centro comercial Grand Indonesia, em Jacarta. “É o melhor café que já provei em toda a minha vida”, diz Abdulrahman, que normalmente prefere chá. É como “a fruta de um quinta com solo rico, verdadeiramente cheia de sabor”, acrescenta, perante o sorriso da amiga, que não considera o Kopi Luwak caro.
“Tem um sabor exótico. Não é muito forte e nem é muito amargo”, descreve Richard Kumaradjaja, enquanto saboreia, no mesmo local, aquele que considera o melhor café que já provou. Mas a forma como o café é feito “é a parte mais interessante”.
Os luwak (palavra indonésia para civeta ou gato-de-algália), como têm um olfacto muito apurado, escolhem apenas os melhores frutos e grãos de café para se alimentarem e, durante a fermentação natural no estômago destes animais, o sabor amargo do café é reduzido. Por fim, as fezes são reviradas para encontrar os grãos, que não se desfazem no processo e que são posteriormente lavados e torrados.
A origem deste café remonta ao século XVIII, quando os holandeses trouxeram sementes de café do Iémen para serem cultivadas na Indonésia. Proibidos de beber o café, os produtores descobriram acidentalmente que os grãos ingeridos pelos luwak eram ainda mais saborosos.
Uma chávena do café feito a partir dos luwak a Indonésia pode custar mais de 20 euros e uma embalagem de 370 gramas pode valer 200 euros, mas os preços variam muito. A oferta limitada e a crescente procura têm levado a um aumento do preço. Contudo, o café feito com a ajuda de animais não é exclusivo da Indonésia. Há também elefantes e aves envolvidos neste processo noutros locais do mundo.
Tranformar uma produção artesanal
Anualmente são produzidos cerca de 500 quilos de Kopi Luwak, mas a procura ascende a mais de quatro toneladas. Apesar de muitos o apelidarem de crappuccino, este café tornou-se um bem de luxo muito desejado. É por isso que alguns agricultores indonésios tentam encontrar vias para transformar uma indústria artesanal ocasional numa produção intensiva.
“A procura do Kopi Luwak está a aumentar de ano para ano. Isto deve-se à qualidade superior do café e à divulgação internacional. Há muitos amantes de café estrangeiros entusiasmados por encontrar este café”, diz o gestor da marca, que só trabalha com animais selvagens. “O instituto dos luwak é a parte mais importante na escolha dos melhores grãos, por isso não podemos saltar essa parte”, explica Henry Fernando.
Yusianto, investigador do Instituto de Pesquisa de Cacau e Café Indonésios, explica ao PÚBLICO que o café feito a partir de animais enjaulados é “mais consistente”, porque é “mais fácil de gerir, colher e processar”.
A empresa Kopi Luwak Organic Kayu Mas decidiu trabalhar com animais selvagens e enjaulados para fazer este tipo de café gourmet porque alguns clientes consideram que manter os animais em gaiolas é mais higiénico, já que as fezes recolhidas na floresta podem estar “contaminadas” com “fezes de outros animais, pragas ou fertilizantes químicos”, segundo a representante da marca. Além disso, acrescenta Annas Taufan, ninguém sabe por quanto tempo as fezes ficam na floresta.
“Nós alimentamos os nossos luwak com mamão, manga, goiaba e até mesmo frango, porque o luwak é um omnívoro. Depois trazemos os grãos de café para eles comerem. Assim, os luwak não comem os grãos de café quando estão com fome”, esclarece.
A saúde dos animais
Xu Kasmito, da empresa Maharaja Coffee, prevê que, “em média, três a dez luwak enjaulados morram após um ano de alimentação com café”. Há animais enjaulados a ingerir “leite condensado, mel, cenoura, mamão, banana, arroz e, por vezes, antibióticos” e “eles não se reproduzem quando estão em gaiolas”, alerta.
Kasmito calcula que o custo de produzir café a partir de luwak enjaulados é maior, pois exige a compra de gaiolas e de outro tipo de alimentos.
“As gaiolas são pequenas e os animais são mantidos em condições pobres. Estas condições e a saúde dos animais é definitivamente algo a que as organizações especializadas em questões de bem-estar animal devem estar atentas”, alerta Chris Shepherd, da organização Traffic, questionando quantos consumidores param para pensar na hipótese de a “sua chávena de café exótico matinal poder estar a contribuir para um comércio ilegal e insustentável” para a vida selvagem.
Também em declarações ao PÚBLICO, o especialista Massimo Marcone defende que “estas práticas podem ser muito desumanas e vão certamente afectar a qualidade do café, já que os animais ficam sob stress”.
De acordo com o investigador Yusianto, “não é muito difícil” desenvolver o Kopi Luwak em países onde este mamífero também habita, como “Malásia, Birmânia, Bangladesh, Filipinas, Tailândia e Vietname, etc.”.
Massimo Marcone, professor associado da Universidade da Guelph, no Canadá, considera ainda que o facto de a Universidade da Florida ter descoberto uma forma de reproduzir o Kopi Luwak sinteticamente, sem fazer uso de animais, não representa um perigo para o negócio na Indonésia, uma vez que os consumidores gostam da história em torno deste café e de se “gabar ao dizer que consumiram o café mais raro e mais caro do mundo”.
http://www.publico.pt/economia/noticia/a-febre-do-crappuccino–
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