O livre fluxo de café pelo mundo e o draw-back


28/10/2009


Francisco Ourique


A Associação Brasileira da Indústria do Café-ABIC acaba de solicitar ao Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, autorização para que o Brasil importe café cru para processamento e reexportação.


A argumentação dos industriais para justificar a solicitação, como noticiado pelos jornais, variou de oportunidades pontuais de negócios que não estão sendo concretizados pela exigência deste ou aquele país importador de ter o café brasileiro misturado com um pouco do produto de outro país ou de vantagens comparativas dos industriais dos países importadores de café, que têm acesso a café cru de mais de 50 países diferentes.


A tese parece ser simples e em linha com a própria origem do programa de draw-back.


Nesta abordagem poderíamos até entender os comentários do dirigente da ABIC assim como as do empresário Sydney Marques de Paiva, membro da tradicional e amiga família Marques de Paiva, que teve destacado papel na formação de Varginha, Minas Gerais, como a capital mundial do café.


Não nos parece, todavia, que o tema seja tão simples assim.


Deixando a questão fitossanitária como um consenso geral, meus questionamentos lidam mais com o fato do Brasil ser um produtor de todas as variedades de café, o que até gerou a marca cafés do Brasil.


Com o mundo produtor de café optando entre pés de cafés arábicas e robustas, me pergunto se o Brasil não tem a matriz perfeita para ter todos os padrões de cafés produzidos aqui mesmo, com o tratamento pós colheita sendo a receita do clone de qualquer blend quimicamente inventado por este ou aquele torrefador instalado em país importador.


O ingresso do produto processado em país importador é extremamente difícil e custoso. Temos a própria Argentina aqui ao lado e não temos dito sucesso.


Mas, permitam-me construir um cenário para colaborar na investigação da melhor rota que o Brasil possa seguir na longa marcha da exportação de café processado.


Por mais que o Brasil seja o maior produtor mundial de café, com excedente de produção, descontado o consumo interno, representando cerca de 32% da demanda de café dos países importadores, temos uma cadeia setorial extremamente debilitada.


Mesmo sendo o Brasil o segundo maior país consumidor de café do mundo ainda estamos na fase da consolidação do sistema industrial brasileiro.


Não temos uma marca de âmbito nacional e as mais capilares são de empresas multinacionais, que não têm manifestado interesse na utilização do Brasil como suas plataformas de exportação de café industrializado.


Já na produção agrícola do café, a despeito do Brasil estar na liderança da produtividade por hectare na área do arábica e em segundo lugar no robusta, o país conta hoje com uma estrutura de custo total bem acima da dos seus concorrentes mundiais.


Podemos citar várias razões como a força da moeda nacional, o fato do Brasil ser basicamente importador de insumos, fartamente tributados, por ter uma legislação trabalhista que funciona, do endividamento do setor produtor e etc.


O setor produtor carrega endividamento de R$ 7,5 bilhões, tem custo variável de R$ 7 bilhões, contra instrumentos de crédito totalmente descalibrados para o volume da produção agrícola anual, composto por financiamentos anuais do Funcafé de R$ 1,5 bilhão, valor dobrado com os recursos obrigatórios, e outros R$ 1,5 bilhão de recursos livres.


Por favor, entendam os fatos acima como dados econômicos, sem qualquer variante política.


As duas vulnerabilidades mencionadas acima devem ser levadas em conta na discussão das opções brasileiras de como ingressar, para valer, na exportação de produto de maior valor agregado, cabendo aqui tanto o café torrado e moído como o café solúvel.


As transações de café verde dentre países produtores é hoje extremamente tímida.


Segundo a Organização Internacional do Café somente 3,5 milhões de sacas de café verde são negociadas entre países produtores, cabendo a rota Brasil para a Colômbia a liderança com 20% do total destas transações.


O caso colombiano é notório, mas em nada nos ajuda para formar juízo quanto à oportunidade do Brasil em colocar em operação o draw-back para o café.


A Colômbia conseguiu uma extremamente bem sucedida campanha de segmentação de seu café, o que lhe vale um prêmio humilhante de alto contra o do café brasileiro no mercado mundial.


A importação pela Colômbia de café brasileiro visa a ampliar a disponibilidade do produto local para exportação. É de conhecimento de todos que a produção colombiana caiu drasticamente nos últimos anos em resposta a processo de revigoramento do seu parque produtor.


Não é o nosso caso. Pelo contrário.


O que o Brasil precisa é de definir uma estratégia de estímulo efetivo à presença de marcas brasileiras no mercado mundial, que, diga-se de passagem, tem regras de rotulação de origem extremamente precárias.


Somente através de um processo de ingresso de marcas brasileiras é que poderemos conquistar o interesse do consumidor final, o que irá se refletir no valor de todos os cafés de origem brasileira.


Sem o atendimento desta dupla condição não estaremos construindo processo sustentável, para todos os agentes envolvidos.


O exemplo da líder mundial Nestlé é elucidativo.


Antes de ela ser Nestlé ela era de origem Suíça. Isto é, credibilidade, consistência e qualidade.


Deu tão certo que ela é ainda suíça em função da estrutura de capital, pois as qualidades e confiança intrínsecas foram transferidas para a marca Nestlé.


O que é hoje o café, ou cafés, do Brasil.


Até o final dos anos 1980 o consumidor mundial, nas pesquisas realizadas pelos órgãos de então, ligavam café ao Brasil. Este link foi perdido para a Colômbia.


O Brasil se fizer o dever de casa e recuperar o terreno perdido, terá que, no futuro, instalar a operação de importar café cru para reexportação.


Com a atual taxa demográfica brasileira, com o crescimento da renda per capita e do consumo interno de café, não há chance do país não lançar mão desta alternativa no seu devido momento.


A questão é quando e como?


Não nos parece que o momento seja agora e muito menos com a importação residual desta ou daquela origem.


O segmento cafeeiro brasileiro merece algo mais articulado e promissor.


Além do que, permitir a importação seletiva de café, de uma ou de outra origem, com os processos de defesa fitossanitários rigorosamente aplicados, abre a porta do Brasil para demandas políticas de algumas de dezenas de nações produtoras.


Francisco Ourique- Economista


O artigo foi publicado no Coffee Break, noticiou a Assessoria de comunicação do Dep. Carlos Melles.



Fonte: Café e Mercado


 

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