O grão por trás da fama

14 de novembro de 2007 | Sem comentários Cafeteria Consumo
Por: Globo Rural

O grão por trás da fama

Texto Luciana Franco
Fotos Ernesto De Souza












O apresentador e repórter da TV foi à Colômbia para ver como se produz o café mais conhecido do mundo
NÉLSON ARAÚJO, do programa Globo Rural








QUANDO PREFEITO, Dário Martinelli enviou sementes do grão para todos os municípios de pouca altitude no estado; agora, ele próprio virou produtor
Capital do Café. Assim era chamada a cidade onde nasci e me criei: Ribeirão Preto. Bisneto de carcamanos (os italianos que vieram substituir os escravos nos cafezais), sabia de berço a importância da cultura. Na escola, estudei o Ciclo do Café, um dos pilares da nossa economia. Mais tarde, como jornalista, perdi a conta de quantas vezes relatei recordes de safras lembrando que “o Brasil continua sendo o maior produtor e o maior exportador de café do mundo”.

Por isso, imagine a minha frustração quando fui à Europa e aos Estados Unidos, pela primeira vez: no placar das cafeterias, nos cardápios, nas gôndolas dos supermercados, não via o nome do Brasil. Que decepção descobrir que o nosso nome não estava associado ao cafezinho que se bebia lá fora!


Café de Colombie, em Paris; Cafè della Colombia, em Roma; Coffee from Colombia, em Londres, Nova Iorque…

A Colômbia era a estrela no rol de cafés de vários países. Aquilo me intrigava. Como é que os colombianos conseguem dar essa personalidade ao cafezinho? Que segredos há por trás dessa fama?

Pude entender os porquês quando fui à Colômbia gravar uma série de reportagens para o programa Globo Rural, no Departamento de Quindío, entre os municípios de Pereira e Manizales, coração do que os colombianos apelidaram de Eje Cafetero (Eixo Cafeeiro).

– “Não dá para comparar: Brasil e Colômbia têm cafeiculturas muito diferentes,” adverte o dr. Gabriel Cadena, presidente da Embrapa do café deles, o Cenicafé – Centro Nacional de Investigaciones de Café. E o homem entende: na década de 1970, trabalhou no Instituto Agronômico de Campinas, em São Paulo, com ninguém menos que o dr. Alcides Carvalho, o célebre agrônomo melhorista da cafeicultura brasileira.

E, de fato, são coisas distintas. Se aqui temos a terra roxa, lá eles contam com solos vulcânicos de até dois metros de profundidade. Uma terra preta com 12%, 13% de matéria orgânica. Com exceções, aqui e ali, no Brasil, a cafeicultura se expandiu preferencialmente em terrenos planos. Na Colômbia, só tem lavoura ladeirosa. As plantações se dependuram nas encostas dos Andes, entre 1,2 mil e dois mil metros de altitude. O microclima naquele trecho da cordilheira colombiana é perfeito para café: no chamado Trópico Alto, as temperaturas médias anuais oscilam entre 18 e 24 graus. Como fica próximo da linha do Equador, a insolação é ótima o ano inteiro. Não há déficit hídrico pois chove todo mês. Há florada todo mês. E, embora haja um pico de safra em setembro, todo dia se colhe café na Colômbia, de janeiro de dezembro.

– “Bienvenido a la tierra del mejor café del mundo!”, voz tonitruante, chapéu panamá, bigodão, o cafetero dom Horácio Montoya, 47, me recebe de braços abertos no sopé do Nevado Del Ruiz (um vulcão adormecido), onde fica a sua pequena propriedade. Quer dizer: pequena para os padrões da cafeicultura brasileira. Na verdade, acima da média colombiana. Dos 550 mil produtores de café do país, mais de 500 mil têm no máximo um hectare e meio. Dom Horácio tem quatro hectares de lavoura onde a família cultiva 20 mil pés de café. E quase que, em vez de “cultiva”, eu escrevo aqui “ordenha”, pois é a comparação que me vem à cabeça quando desço (aliás, melhor seria dizer escorrego) para a área onde acontece a colheita do dia.








OS PLANTIOS se dependuram nas encostas dos Andes; a colheita é feita grão a grão
A apanha deles é completamente diferente do nosso sistema tradicional. Não há pano estendido no chão nem se faz derriça. Como um retireiro que amaina um teto cheio, dom Horácio vai correndo a mão pela galharia e só colhe o grão maduro. Um a um. Com muito cuidado para não sujar, vai pondo num baldinho pendurado na cintura.

Imediatamente após a apanha, os grãos são despolpados e deixados num tanque em pré-fermentação, entre 12 e 16 horas. É o tempo para desimpregnar a mucilagem, aquela substância docinha que envolve o grão mas que, no final, altera o gosto do café.

Depois, vem a lavagem. Três, quatro águas, até ficar tudo limpinho. Só, então, começa a secagem ao sol. Sendo que, durante todo o processo, o produtor se debruça numa incessante catação, feito quem colhe feijão para comer, pondo fora grão brocado, machucado, verde ou maduro demais, enfim, se empenhando pra selecionar um café sem defeito.

Dom Horácio produz uma saca tipo exportação por semana. E todo o sábado faz entrega na cooperativa que paga na hora, conforme a qualidade do grão. – ”A despesa da semana está garantida”, diz dom Horácio, contando as notas que já vai gastar em seguida no mercado.

Observa que seu lucro é nada perto do que ganham as multinacionais. Não conseguiu juntar dinheiro sequer para comprar um jipinho. Nunca tirou férias. Mas leva vida digna, com os dois filhos em escola particular. Contente, resume numa frase o que descobri que é um sentimento nacional na Colômbia:

– “Nuestro café es nuestro orgullo!” E a cordinha cívica acabou tocando em mim também. O café que dom Horácio cultiva, o castillo, desenvolvido especialmente para as condições andinas, tem sangue verde-amarelo: é um cruzamento entre um híbrido do Timor, resistente à ferrugem, com uma variedade de porte baixo e grande produtividade que os colombianos mandaram buscar no Brasil: o nosso café caturra.

 


Fonte> http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1660947-1641-3,00.html

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