No primeiro superávit de oferta depois de quatro anos de déficit, preços mantêm volatilidade por conflito na Costa do Marfim
14/04/2011
Maria Luíza Filgueiras
mfilgueiras@brasileconomico.com.br
Quando Laurent Gbagbo, presidente da Costa do Marfim por resistência, foi preso no palácio presidencial em Abidjan na segunda- feira, analistas decommodities se apressaram a relatar aos clientes que a volatilidade nos preços de cacau negociado em bolsa podia finalmente se reduzir. No entendimento do mercado, o espaço aberto para a posse efetiva de Alassane Ouattara, que venceu as eleições em 28 de novembro, era a sinalização de reconstrução econômica e liberação dos portos bloqueados para o escoamento do fruto.
O analista do Standard Bank, Samir Gadio, destacou a possível retomada das exportações com o desbloqueio do Porto de San Pedro e valorização no título público do país. Mas, a despeito do otimismo inicial, o cenário ainda não ficou tão claro uma vez que tropas armadas de ambos os lados mantêm troca de tiros no país e restauração financeiradeve tomar mais tempo.Comisso, o contrato futuro com vencimento em julho na ICE Futures US, em Nova York, voltou ontem ao nível mais alto em uma semana, atingindo US$ 3.095 a tonelada durante a sessão. Na Nyse Liffe London, a cotação em libras ultrapassou o correspondente aUS$3.160.
A pressão sobre preços no mercado futuro se baseia no receio de falta de suprimento, já que a Costa do Marfim é omaior produtor mundial de cacau, respondendo por 33% da oferta global. Junto a Gana, Indonésia, Nigéria e Camarões, responde por cerca de 70% da produção. O reflexo do conflito político que já se estende por quatro meses foi o pico na cotação por tonelada em fevereiro e março, para o maior patamar em 34 anos. Em julho de 1977, a cotação por tonelada atingiu recorde de US$ 5.368. A mínima foi em dezembro de 1971, a US$ 450, na bolsa de futuros de Nova York.
O preço médio da tonelada no mês de março na ICE foi a US$ 3.359,50. “A tonelada, que variava entre US$ 2,8 mil e US$ 2,9 mil, subiu para US$ 3,7 mil basicamente por fundamento político. Com a percepção de solução do conflito, os preços voltaram a cair mas a tomada do porto por tropas opositoras e o receio de que o conflito não vá acabar agora puxaram o cacau acima dos US$ 3 mil novamente”, explica Gabriel Elias, consultor da FCStone, especializada em commodities agrícolas.
Elias ressalta que a base é política porque, pela primeira vez depois de umasequência de quatro safras, o mercado de cacau deve fechar o ciclo 2010/2011 superavitário entre 50 mil E 70 mil toneladas. O reforço veio do clima, que castigou a safra passada comexcesso de chuvas. Exemplo é o crescimento de 8,9% do esmagamento europeu no primeiro trimestre deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado, para 378 mil toneladas. Já participação brasileira na produção mundial se mantém reduzida em relação ao que era na década de 1980, e não avançou com o cenário marfinense. Segundo a Associação Internacional de Cacau (ICCO), é de 4,3%, considerando a produção de 2009/2010. Na estimativa da FCStone, essa fatia será maior nesta safra , subindo para 4,5% — e a Costa do Marfim sobe para 35%.
O analista Tony D’Altorio, da consultoria americana Investment U, ressalta que um dos problemas para a oferta da Costa do Marfim é a falta de investimento nas plantações, considerando o tempo de existência da maioria das árvores de cacau e o desestímulo dos produtores, que migram para cultivo de seringueiras quando veem 40% do preço de venda se converter em taxas para o governo. “Apesar do baixo investimento, a produção aumentou neste ano, mas não deixa de ser um fator de risco”, pondera Elias.
Fundamentos indicam queda de preço
Saída de especuladores deve fazer cotação refletir melhor relação entre oferta e demanda
O receio de bloqueio do escoamento da produção e dos investimentos limitados por parte dos produtores locais não devem manter o preço do cacau nas alturas, ao menos no médio prazo. Os analistas de commodities ponderam que os fundamentos do mercado de cacau, excluindo as interferências políticas, tendem a levar as cotações para um ajuste “baixista”.
Shawn Hackett, presidente da Hackett Financial Advisor, uma das principais consultorias de commodities dos Estados Unidos, acredita que os preços tendem a ser comprimidos no curto prazo. “O cacau ainda deve cair mais até que os especuladores irracionais, que apostavam que o conflito civil poderia contrair a oferta, saiam domercado”, avalia o executivo. “Não restringiu antes e nem agora.”
Exemplo da atração de especuladores está na posição de fundos de investimento em contratos de cacau. Conforme levantamento da consultoria FCStone, considerando os dados da Comissão de Operações Futuras de Commodities (CFTC), fundos especulativos tinham posição comprada líquida de 38.534 contratos no fim da última semana, o que representa um recorde para esses investidores.
Para Hackett, o preço da tonelada deve voltar ao patamar de US$ 2,7 mil e só mais adiante ter refletir melhor a situação entre oferta e demanda. Já o analista do Barclays, Kevin Norrish, mantém avaliação neutra para o cacau. Em sua avaliação, os preços se beneficiaram da turbulência política na Costa do Marfim, mas a proximidade de um desfecho e fundamentos tendema corrigi-los.
Também para Gabriel Elias, consultor da FCStone, a equação, racionalmente, aponta baixa. “Grande parte da oferta vem da África e a safra terminou em março. Agora entramos na safrinha deles, até setembro, e o preço pode cair um pouco mais”, considera. Em bolsa, o mercado de cacau é um dos menores