O Estado e a iniciativa privada nos portos

Por: GAZETA MERCANTIL

Toda atividade econômica, para se desenvolver em ambiente sadio, necessita de estabilidade normativa. Esta é a premissa básica para a garantia de investimentos em qualquer setor, e se torna imprescindível quando a atividade demanda intenso capital e retorno em longo prazo. É o caso do setor portuário.


Os serviços portuários, nos termos da Constituição Federal, são indispensáveis ao bom funcionamento da economia. São os portos que garantem o escoamento da produção para o exterior e sua constante atualização, mediante vultosos investimentos em infra-estrutura e modernização de embarcações. Junto à intensiva utilização de capital, os serviços portuários públicos necessitam atender à demanda nacional por qualquer carga, independentemente de valor agregado e retorno comercial. Assim, a prestação desses serviços é regulamentada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a fim de se alcançar sempre o interesse público. Neste passo, a iniciativa privada concorre para o desenvolvimento nacional segundo a Lei n 8.630/93 (Modernização dos Portos), assumindo a exploração do serviço portuário após licitação promovida, em regra, pelas Companhias Docas com prévia autorização da agência reguladora. A única exceção à licitação é a admissão de portos privativos, cuja instituição demanda demonstração da premente necessidade do agente privado de movimentar, essencialmente, carga própria, como ocorre com grandes empresas cuja produção é voltada para o exterior. Repita-se: no caso de autorização de portos privados a carga própria, por si só, deve prever viabilidade da instalação do porto.


A regra institucional segue, portanto, a premissa pela qual a carga de terceiros seja movimentada em portos organizados, em modalidade pública de prestação de serviço, observando-se princípios de isonomia de acesso, modicidade tarifária, continuidade da prestação e adequação material da prestação dos serviços, dentre outras regras. A opção por tal modelo é fruto de sensata opção do Estado brasileiro, cristalizada na Constituição, com grandes objetivos: garantia da soberania nacional, visto que os portos são estratégicos e o Poder Público deve promover fiscalização tributária, sanitária e de movimentação de pessoas e mercadorias, bem como defesa da nação; e garantia do interesse público na implementação de políticas industriais e de comércio internacional, na medida em que os portos interferem na dinâmica de diversos mercados.


Apenas na operação portuária em modalidade pública é que o Estado detém mecanismos necessários para a implantação e fiscalização dos parâmetros que assegurem esses objetivos. Alterar tal quadro significa romper com o sistema instituído pela Constituição, no qual se baseou a Lei de Modernização dos Portos, com incalculáveis riscos à manutenção da atividade. Para além da ilegalidade e inconstitucionalidade que uma improvável regulamentação que contrariasse o espírito público do setor portuário nacional há, sim, severos riscos de colapso no sistema que se encontra em expansão, com investimentos realizados pelos operadores portuários. Deve-se ressaltar ainda que a assimetria econômico-financeira entre portos que operam na modalidade pública e portos privativos impede ampliação indiscriminada da atuação dos portos privados. A estrutura da prestação como serviço público, que impõe a remuneração do Estado, a impossibilidade de recusa de determinadas cargas de baixo valor agregado, a contratação de mão-de-obra do órgão setorial e efetivo controle das barreiras sanitárias e fiscais impedem que portos privativos venham a realizar a movimentação de carga de competência dos públicos. Esta é a regra que emana da Constituição, repetida na Lei de Modernização do setor e que deve ser respeitada por eventual atualização.


Almeja-se uma precisa regulamentação do setor portuário a fim de aclarar o relacionamento entre o Estado e o particular, com vistas ao incremento da infra-estrutura de escoamento da produção nacional. Entrementes, a regulamentação desta atividade deve obedecer às disposições constitucionais, sob pena de se carrear severa insegurança jurídica aos agentes interessados. Como se sabe, insegurança jurídica caminha de mãos dadas com limitação de investimentos. Para a continuidade do ciclo de crescimento econômico, é tudo o que o País não necessita.


Colaboraram: Jorge Henrique de Oliveira Souza, Igor Tamasauskas, advogados


kicker: A carga de terceiros só pode ser movimentada em terminais sob domínio público


(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3) SEBASTIÃO BOTTO DE BARROS TOJAL* (Colaboraram: Jorge Henrique de Oliveira Souza, Igor Tamasauskas, advogados – Prof. da Faculdade de Direito da USP)


 

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