Data Publicação: 29/12/06
O ano de 2006 mostrou curiosa dualidade em torno do agronegócio brasileiro. Balanço divulgado pelo Ministério da Agricultura revelou que as exporta-ções de produtos agrícolas renderam US$ 45,28 bilhões entre janeiro e novembro deste ano. Este número representa uma expansão de 13,4% em relação ao volume exportado no mesmo período de 2005. O setor sucroalcooleiro ocupou o maior espaço desta pauta com vendas externas de US$ 6,92 bilhões, ante exportações de US$ 4,30 bilhões nos primeiros onze meses de 2005. Vale notar que as cotações do produto bruto subiram 52% e do refinado 61%.
Porém, o volume embarcado caiu 2%. Por outro lado, o peso do endividamento do agronegócio na referência do Produto Interno Bruto (PIB) do setor também cresceu muito neste ano. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do pesquisador Gervásio Rezende, confirmou que as dívidas do agronegócio que equivaliam a 37% do PIB setorial em 2000, em 2006 passaram a 61% desse PIB. O quadro é tão grave que o pesquisador do Ipea, órgão subordinado ao Ministério do Planejamento, apresentou na conclusão a proposta de uma limitação constitucional para o financiamento em excesso do agricultor.
O estudo também mostra que, mesmo com a recuperação dos preços internacionais das principais commodities agrícolas, o peso da dívida acumulada “impedirá que o setor retome maiores expansões”. O pesquisador resume o drama do agricultor brasileiro: os produtores chegaram à época das vacas magras com as dívidas altas contraídas na bonança. A reação do setor público em relação a esta dualidade é sempre a mesma: foge dos problemas do agricultor e quando o quadro fica muito grave assusta-se com os reflexos, especialmente no que diz respeito à política econômica. Em novembro, a inflação medida pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) atingiu a maior taxa desde janeiro pressionada por produtos agrícolas, sobretudo soja.
O IGP-M subiu 0,75% bem acima do avanço de 0,47% em outubro. Os técnicos da Fundação Getulio Vargas (FGV) avisaram que o problema vinha da entressafra e da pressão das novas cotações internacionais. A FGV também avisou que a pressão inflacionária deveria desacelerar em dezembro. A análise técnica apenas refletia a forte oscilação nos preços internacionais que ocorria desde setembro. O trigo puxou a alta com as quebras de safra na Argentina e na Austrália. Em um mês o preço do trigo saltou 31,6%. Como o trigo, ao lado do milho e soja, forma a base da produção de rações animais os preços se influenciam.
No final de setembro o preço internacional da soja subiu 23,9%. Bastou essa recuperação de preço das commodities para aplacar a preocupação do governo com o setor. Preços melhores apenas influenciam a decisão de plantar e não resolvem os problemas acumulados nas safras anteriores. Voltamos à lógica perversa da era das vacas magras e da bonança de que falava o Ipea. O professor Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) mostrou que nos últimos dez anos o setor agrícola sofreu recuo de renda de R$ 1 trilhão.
Este recuo implicou queda de 40% nos preços dos alimentos, em valores reais, ao longo da década. Ganhos de produtividade foram repassados ao consumidor, no entanto, o fato não significou expansão da renda dos produtores. Na prática, como concluiu o estudo de Camargo Barros “empobreceram” neste período. O setor enfrentou a adversidade acelerando exportações. Ano a ano, neste período de redução de renda real, o agricultor ampliou a venda externa. Nos três primeiros trimestres de 2006, como mostram os dados do Ministério da Agricultura, o saldo das exportações agrícolas representou 22% da receita da pauta de exportações brasileiras.
A constante perda de renda do setor agrícola é um quadro que não se sustentará indefinidamente. A desatenção com que o governo trata até os programas de sanidade animal indica que certos setores do governo consideram que o agronegócio pode perder sem parar. Não é um bom caminho, nem na época das vacas magras, nem na bonança.
kicker: Estudo do Ipea mostrou que as dívidas do agronegócio, que eram 37% do PIB setorial em 2000, em 2006 atingiram 61% desse mesmo PIB