Mas afinal, qual desses dois elementos do clima, seca ou calor, é o responsável primário pelos impactos negativos na safra de café?
Para responder essa pergunta, analisamos alguns parâmetros em uma lavoura de café Siriema com quatro anos de idade submetida a dois tratamentos*: (i) IRRIGADO duas vezes por semana com a água mantida na capacidade de campo e (ii) SEQUEIRO, ou seja, submetido ao escaldante clima observado nos meses de janeiro, fevereiro e março que dispensa apresentação. No primeiro caso as plantas sofreram influência somente do calor já que tinha água disponível e no segundo caso, falta de reposição de água e calor.
As plantas irrigadas receberam nota 10 para “vigor” com previsão de safra superior às de sequeiro que receberam nota 6,5 no vigor. A avalição dos frutos boias (com diversos graus de deformidades nas sementes) foi de 24% para o tratamento irrigado e 32% no tratamento sequeiro, no caso, valores estatisticamente diferentes. Curiosamente, ambas as parcelas irrigadas e não irrigadas, apresentaram o mesmo grau de escaldadura e clorose. Esses resultados demonstram então que o calor** foi o responsável primário pelos danos observados à lavoura. Se não fosse assim, a lavoura irrigada não apresentaria nenhuma (ou muito pouca) dessas anormalidades fisiológicas observadas neste experimento e tão exaustivamente mostradas nesse espaço de discussão. Então, se fosse possível separar esses fatores***, provavelmente 24% dos danos seriam devidos ao calor e 32% a ambos os fatores. A diferença de 8% seria devido a falta d´água.
Em um texto postado a poucos dias atrás mostrei que a fotossíntese do cafeeiro estava operando em taxas extremamente pequenas e conclui que mesmo que as chuvas voltassem, não haveria tempo suficiente para o enchimento dos frutos. Em outras palavras, aqueles espaços vazios observados quando se corta os frutos transversalmente, não serão mais preenchidos.
E como a temperatura foi capaz de causar todas essas anormalidades fisiológicas? E qual a relação que existe entre altas temperaturas e as baixas taxas fotossintéticas observadas?
Resposta: Altas temperaturas advêm das altas radiações que em conjunto, danificam o sistema responsável pela geração de energia (ATP e NADPH) para a planta conhecido como primeira fase da fotossíntese (fase fotoquímica). Neste caso, mesmo que o cafeeiro absorvesse o carbono na segunda fase da fotossíntese (fase bioquímica) não haveria possibilidades de reparos dos grãos chochos uma vez que não há energia suficiente para ligar os carbonos e fazer a semente crescer.
Acontece que, nem a segunda fase da fotossíntese do cafeeiro está funcionando adequadamente uma vez que o déficit hídrico (aqui classificado como responsável secundário pelos danos observados à lavoura) promove o fechamento dos estômatos e por isso, não há como absolver os carbonos.
Para facilitar o entendimento daqueles poucos afeitos à fisiologia vegetal, recorro a uma linguagem metafórica que é a de comparar a fotossíntese do cafeeiro com a construção de uma parede:
– A primeira fase da fotossíntese (fotoquímica) funcionaria como a fase de preparo da argamassa. A segunda fase da fotossíntese (bioquímica) funcionaria como a aquisição e empilhamento dos tijolos que no caso, representam os carbonos, que unidos uns aos outros formam a parede ou carboidratos. Para levantar a parede é necessário adquirir os tijolos, assentá-los com a argamassa que, depois de seca dará origem a uma parede sólida. Portanto, de nada adiantaria ter os tijolos se não tivermos a argamassa pronta.
Trazendo para o campo da fisiologia, temos um estoque de carbono disponível na atmosfera (+/- 350 ppm de CO2) para ser absorvido pelas plantas, via segunda fase da fotossíntese. Entretanto de nada adianta ter esses carbonos (ou tijolos) se a planta não tem condições de produzir energia (ou argamassa) para unir esses carbonos e formar os carboidratos (ou a parede). Então o problema das altas radiações e temperaturas comumente observadas, tem como origem a geração de energia na planta, ou seja, temos tijolos, mas não temos argamassa.
Se o fator primário fosse a falta de água, seria um problema mais fácil de solucionar. “Bastaria” irrigar para que as perdas fossem menores. Lamentavelmente, a maioria dos cafeicultores não tem como irrigar. Entretanto, considerando as altas temperaturas como fator primário dos danos na lavoura cafeeira, essa adversidade climática é ainda mais grave porque, no curto espaço de tempo, não tem solução.
* O experimento está instalado na Universidade Federal de Lavras sob a supervisão da Dra. Myriane Stella Scalco (UFLA), Dr. Carlos Henrique Siqueira de Carvalho (Embrapa-Café) e do estudante de mestrado Vinícius Alves Pereira orientado do Prof. Antonio Nazareno Mendes (UFLA).
** A explicação para esse fenômeno decorre do fato de que “dentre os elementos do clima, a radiação solar é a maior responsável pelas características climáticas do nosso planeta uma vez que ela carrega em si um componente energético ou energia solar que aquece a atmosfera”.
*** Essas percentagens não podem ser tomadas como média para todas as regiões cafeeiras porque ela é representativa somente dessa área onde está instalado o experimento.