Embora o Brasil seja o maior produtor, maior exportador e recentemente, também o maior consumidor de café no Mundo, o café brasileiro, tradicionalmente é ainda servido em uma xícara pequena com açúcar ou adoçante.
O açúcar cria um interessante contraste com o amargor e torna a bebida mais
agradável ao nosso paladar. Outro costume bastante disseminado no Brasil é
acrescentar leite ao café. Na foto Paulo Kasai instrutor e administrador
da Kassai Cafés.
Poucas são as pessoas que conseguem
consumir café sem a adição de açúcar, adoçante ou leite, devido ao sabor
horrível e amargor intolerável.
A verdade é que os cafés brasileiros são doces, de sabor frutado, com notas
de caramelo, chocolate ou amêndoas, desde que não ocorram falhas ou negligencias
durante as etapas do processo produtivo. Essas características são bem
distintas do sabor medicinal e amargor intenso dos cafés tradicionais que
costumeiramente encontramos por aí.
Quando o café apresenta o amargor exagerado, nos cafés especiais, é
um defeito e não uma característica intrínseca da bebida.
O amargor excessivo geralmente é produzido durante o processo de torra dos
grãos, que esconde outros defeitos da bebida que seriam mais repugnantes ao
nosso paladar, como o sabor avinagrado, de mofo, de terra, entre outros.
Esses defeitos também estão relacionados com a utilização de grãos verdes,
fermentados, apodrecidos, sujos ou mofados.
Imagine se você utilizasse laranjas verdes, fermentadas ou mofadas para
produzir suco de laranja. Por mais certo que fosse chamar o produto extraído
daquelas frutas de suco de laranja, ninguém em sã consciência tomaria aquilo.
Esta mesma lógica não funciona para o mundo dos cafés.
A grande diferença reside no fato de que as pessoas sabem reconhecer
facilmente laranjas estragadas e conseguem separá-las antes de se produzir o
suco, ou mesmo conseguem detectar quando o suco foi preparado com laranjas
estragadas.
Entretanto, a maioria dos consumidores não sabem reconhecer um grão de café
estragado, principalmente depois de torrado.
Quando a torra é muito escura, além do sabor repugnante de queimado, ela
esconde todas as características boas e ruins da bebida.
A produção dos aromas e paladar agradável do café torrado depende de um
conjunto de reações que ocorrem entre aminoácidos e carboidratos presentes na
semente do café, assim como de reações de caramelização de açúcares que são
catabolizadas pela aplicação de calor durante a torra.
Estas substâncias que reagem durante o processo de torra são formadas nas
sementes durante o processo de amadurecimento dos frutos. Assim, para que se
possa produzir uma bebida de excelente qualidade é necessário que o fruto do
café cumpra seu ciclo de formação e maturação.
A polpa ou mucilagem do fruto do cafeeiro, muito rica em carboidratos e
bastante adocicada quando o fruto está maduro, migram para a semente, quando o
fruto seca. Entretanto, é descartada pela maioria dos produtores, através de
despolpamento, visando padronizar o aspecto visual do grão e facilitar na
secagem.
O café quando é colhido ainda verde tem o seu ciclo de maturação
interrompido, o que impede a formação das substâncias precursoras nas sementes
que reagiriam durante a torra para produzir os compostos aromáticos.
Este café verde depois de torrado apresenta aroma e paladar desagradável, com
uma intensa adstringência (sensação parecida quando se morde caqui ou banana
verde) e amargor excessivo.
O melhor café que pode ser produzido, independentemente da região produtora,
é aquele onde as condições climáticas são favoráveis, sem a presença de
fenômenos naturais extremos como geadas, vendavais ou calor intenso, e com
presença de chuva na quantidade e em períodos adequados para o desenvolvimento
da planta e dos frutos.
As condições fitossanitárias e nutricionais também devem permitir o
desenvolvimento sadio das plantas e dos frutos, sem infestações de pragas, ou o
desenvolvimento de doenças causadas por fungos ou bactérias.
Os frutos sadios devem cumprir seu ciclo de maturação para serem colhidos e
processados de maneira adequada, lembrando que os frutos maduros, pretos
e/ou verdes, deveriam ser colhidos e processados separadamente.
O café deve ser seco de maneira a evitar que ocorram processos fermentativos,
pois a presença de calor, microorganismos, carboidratos, água e anaerobiose
durante a secagem do café nos terreiros favorecem a conversão dos açúcares da
polpa em álcool ou ácido acético.
O excesso de calor durante a secagem, seja nos secadores ou nos terreiros,
também compromete a qualidade do café por facilitar a oxidação das substâncias
presentes nas sementes.
Por fim, os grãos secos e beneficiados devem ser estocados de maneira
adequada para evitar a absorção de umidade e odores.
O cafeeiro da espécie Arábica é uma planta originária de clima tropical de
altitude, mais adaptada à temperaturas amenas e que não suporta temperaturas
extremas.
A temperatura ideal para o cafeeiro varia entre 17 e 23°C. Acima de 34°C a
fotossíntese é inibida e abaixo de 17°C o cafeeiro entre em estado de dormência.
Temperaturas inferiores a 2°C provocam a queima dos tecidos do cafeeiro.
Algumas regiões do Brasil são mais propícias para o desenvolvimento desta
cultura, enquanto outras oferecem elevado risco ao produtor devido a ocorrência
de geadas, secas, e outras catástrofes naturais.
A quantidade de chuvas e o período que elas ocorrem também é um fator
preponderante para o desenvolvimento da safra. A falta de chuva prejudica o
desenvolvimento das plantas, das floradas, a produção e o desenvolvimento dos
frutos.
Quando o cafeeiro encontra condições adversas, a planta entra em estado de
sobrevivência e aborta a formação dos frutos, provocando uma quebra
significativa na produção.
A falta de água também pode prejudicar o desenvolvimento das flores ou
induzir a interrupção do desenvolvimento e amadurecimento dos frutos e provocar
o apodrecimento do grão de café verde ainda no pé.
Chuvas irregulares também podem produzir diversas floradas durante a mesma
safra, induzindo o desenvolvimento e amadurecimento dos frutos produzidos em
cada florada em épocas distintas.
Esta heterogeneidade quando do amadurecimento dos frutos dificulta a
determinação do momento certo de iniciar a colheita, pois a lavoura pode
apresentar frutos verdes, frutos em estágios intermediários de maturação, frutos
que atingiram o pico de maturação e frutos secos.
Desta forma, quando a colheita é realizada de uma vez só, a safra sempre
apresentará uma porcentagem de café seco, uma porcentagem de café maduro e outra
de café verde.
Quanto menor a porcentagem de café verde, melhor será para a qualidade da
safra. O produtor pode optar por retardar o início da colheita para que se
desenvolva uma maior porcentagem de cafés maduros e secos e uma menor
porcentagem de cafés verdes.
Porém, a decisão de retardar a colheita pode expor o produtor a grandes
perdas caso ocorram chuvas ou ventanias inesperadas que derrubem os frutos secos
dos pés de cafés, ou ainda o café pode mofar, ainda preso à planta, quando
absorve umidade do ambiente depois de já ter secado no pé.
Quando as chuvas ocorrem em excesso, ocorre a lixiviação do solo e o cafeeiro
pode sofrer devido à nutrição inadequada. O excesso de umidade também favorece o
desenvolvimento de doenças causadas por bactérias ou fungos. Além disto, medidas
fitossanitárias, como a pulverização de fungicidas e bactericidas, podem ter seu
impacto reduzido pela lavagem promovida pelas chuvas.
As chuvas também podem derrubar os frutos maduros ou secos, que sofrerão um
processo fermentativo ou até mesmo poderão apodrecer no chão. As chuvas na época
inadequada também podem inviabilizar a colheita, assim como a secagem dos frutos
nos terreiros.
Esta breve descrição deixa claro como é difícil para o cafeicultor produzir
uma safra de boa qualidade, principalmente quando a quantidade de sacas é mais
importante do que a qualidade da safra na geração de lucro para o produtor.
Os fenômenos naturais estão fora do controle do produtor, mas algumas medidas
podem ser adotadas para diminuir o impacto negativo daqueles sobre a lavoura.
O Brasil possui um mapeamento das áreas mais propícias ao cultivo do café.
Estas áreas têm uma menor probabilidade de serem atingidas por geadas, fenômeno
que tem o potencial de arrasar as lavouras de café.
Nestas áreas mais propícias, ainda devem ser considerados aspectos como a
quantidade de insolação e o período do dia de maior incidência de luz sobre as
plantas, a exposição a ventos, as médias diurnas e noturnas de temperatura, as
médias pluviométricas, entre outros fatores.
O ataque de pragas às lavouras de café pode comprometer a vitalidade das
plantas ou o desenvolvimento dos frutos, por isto faz-se necessário que o
produtor esteja sempre atento a sua lavoura.
Um manejo adequado das plantas pode ajudar a manter condições fitossanitárias
de maneira a garantir uma safra boa e de qualidade.
Algumas pragas diminuem sensivelmente a produtividade da lavoura como é o
caso da infestação por bicho mineiro e cochonilhas, outras também prejudicam a
qualidade do grão por consumir as substâncias que estão dentro das sementes,
como no caso da broca. O café atacado por broca produz um sabor e aroma muito
desagradável depois de torrado.
As lavouras de café no Brasil têm por característica o desenvolvimento de
duas ou mais floradas na safra e um período de colheita único com duração de
aproximadamente 3 meses.
O produtor brasileiro procura mesclar o plantio de espécies precoces e
tardias de cafeeiros para otimizar a colheita. Os frutos das espécies precoces
atingirão seu pico de maturação mais cedo do que as espécies tardias,
possibilitando que se processe a colheita primeiro das espécies precoces e
depois das espécies tardias.
Entretanto, como uma mesma planta pode produzir duas ou mais floradas, haverá
um descompasso no desenvolvimento e amadurecimento dos frutos. A presença de
frutos em diferentes estágios de maturação exigiria que se processasse a
colheita de maneira seletiva, isto é, somente os frutos maduros deveriam ser
colhidos, enquanto os verdes seriam deixados para amadurecer e seriam colhidos
posteriormente.
Porém, as características das fazendas produtoras de café brasileiras não são
adequadas para essa prática que necessita de mão de obra intensiva e barata.
Vale lembrar que mesmo as pequenas propriedades brasileiras são verdadeiros
latifúndios se comparadas às propriedades de outros países produtores de café,
como a Guatemala, Colômbia, Panamá, Etiópia, entre outros, onde tradicionalmente
a colheita seletiva é empregada.
Assim, cada região produtora brasileira procura empregar práticas que tragam
uma melhor relação custo/benefício para o produtor. Todavia, muitas vezes o
lucro provêm mais facilmente com o aumento da produtividade do que com a
melhoria da qualidade da safra que ocorreria caso fosse realizada a colheita
seletiva.
Conhecer as fazendas de café, conversar com o trabalhador da lavoura,
com o produtor, verificar in loco os problemas e desafios dessa cultura, torna
mais saborosa cada xícara de café.
*Jorge Kasai é especialista em cafeterias gourmet e na formação de
baristas.
Fone: (41) 3035-5640
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