O Brasil vai se tornar a Arábia Saudita verde?

14 de fevereiro de 2007 | Sem comentários Produção Sustentabilidade
Por: 12/02/2007 08:02:13 - Época

O país pode virar o maior fornecedor de álcool para um mundo que busca alternativas ao petróleo. Saberemos aproveitar a oportunidade


Isabel Clemente
Com Paula Protazio


O Brasil é, novamente, o país do futuro. Depois de rodar pelo país e se encantar com o processo de produção do álcool a partir da cana-de-açúcar, Thomas Friedman, colunista do New York Times e um dos maiores especialistas em Oriente Médio, voltou para os Estados Unidos convencido de que o Brasil pode se tornar a Arábia Saudita do álcool. A comparação com o maior exportador mundial de petróleo não é delirante. O Brasil é o país mais avançado em combustíveis de origem vegetal, também chamados biocombustíveis. Temos matéria-prima competitiva, tecnologia de ponta, um mercado maduro e espaço para crescer. Foi esse potencial etílico que trouxe para cá o subsecretário de Estado americano para Assuntos Políticos, Nicholas Burns. Ele veio na semana passada para tratar de um acordo estratégico entre os dois países na área de energia. Em março, quem virá ao Brasil falar de combustíveis alternativos é o próprio presidente George W. Bush, cujas ligações com a indústria do petróleo são históricas.


Os EUA estão empenhados em reduzir sua dependência do petróleo importado de países politicamente voláteis, como Venezuela e Iraque. E também antecipam uma crescente preocupação com fontes de energia que não contribuam para o aquecimento global. Os combustíveis de origem vegetal, como nosso álcool e nosso biodiesel, estão entre as melhores opções. “A energia tende a distorcer o poder de alguns Estados que achamos que têm um peso negativo no mundo, como Venezuela e Irã”, afirmou Burns. “Quanto mais pudermos diversificar nossas fontes de energia e nos tornarmos menos dependentes do petróleo, melhor ficaremos.” Os americanos não são os únicos interessados no suprimento de combustíveis vegetais do Brasil. Outros países vão procurar nosso álcool. Como vamos faturar com isso



A meta que passa pela cabeça de todos: o país tem condição de se tornar a maior potência da energia alternativa e o maior exportador mundial de biocombustível, assim como a Arábia Saudita é a maior exportadora de petróleo. Nos próximos dez anos, a plantação de cana no Brasil deve permitir a produção de 1,2 milhão de barris de álcool por dia. Para alcançar o mesmo nível da Arábia Saudita, que exporta 9,6 milhões de barris de petróleo por dia, teríamos de dobrar nossa produtividade e ainda quadruplicar a área plantada. Estudos indicam que isso é viável. Os sauditas faturam US$ 154 bilhões por ano vendendo petróleo. Ninguém arrisca ainda quanto o Brasil ganharia exportando álcool – hoje, nossa exportação soma US$ 1,6 bilhão, valor ainda baixo diante dos petrodólares sauditas. Também não existem indícios para calcular se – e como – seria possível aos países que hoje importam petróleo passar a importar álcool. A única coisa que se sabe é que cresce o interesse mundial pelo álcool brasileiro e, portanto, os prognósticos são de crescimento.


O Brasil, de certa forma, virou herói por acidente. Nosso programa de álcool combustível nasceu na década de 70, durante o regime militar. Era uma opção estratégica para s reduzir a dependência do petróleo importado e melhorar nossa balança comercial. O programa quase naufragou nos anos 90, quando o petróleo ficou barato e os usineiros usavam a produção de cana para exportar açúcar, abandonando o álcool. Fomos salvos pela tecnologia bicombustível, que liberta o consumidor do humor dos usineiros. E pela gravidade do aquecimento global, que torna cada vez mais prioritária a substituição de combustíveis fósseis por outras fontes.


A queima de gasolina e diesel lança na atmosfera dióxido de carbono, um dos gases causadores do efeito estufa. O mesmo acontece com os biocombustíveis. Mas o carbono da combustão do álcool pode ser reabsorvido pelo canavial, no processo conhecido como fotossíntese. O mesmo vale para o biodiesel, produzido com óleos vegetais de soja, girassol ou mamona. Por isso, na soma geral, eles não alteram a atmosfera.A maneira mais imediata de combater as mudanças climáticas, portanto, é substituir combustíveis fósseis, como diesel e gasolina, por biocombustíveis, como álcool e biodiesel, afirma Suzana Kahn, da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).


Mais uma vez, o Brasil descobriu que foi abençoado pela natureza. A cana, cultura adaptada a nosso clima, é uma das espécies mais eficientes para produzir álcool. A plantação de cana ocupa cerca de 6 milhões de hectares no Brasil. E ainda há espaço para ela crescer. Apesar da preocupação mundial que o desmatamento da Amazônia provoca no resto do mundo, o país ainda tem 90 milhões de hectares cultiváveis, fora das áreas sensíveis.


Temos um mercado sem igual. Mais de 80% dos carros novos são bicombustíveis. Usam gasolina ou álcool. A gasolina vendida nos postos vem com 25% de álcool. O país avança também em biodiesel. A partir do ano que vem, os postos venderão diesel com mistura de 2% de biodiesel produzido a partir de óleos vegetais. A Petrobras pretende suprir 80% desse mercado, comprando óleo vegetal da agricultura familiar para fazer biodiesel. A proporção chegará à 5% em 2013.


NO CAMPO
O fumicultor Martins em sua plantação de girassol. O biodiesel aumentou sua renda


O país continua aprimorando sua tecnologia. No ano passado, a Petrobras inventou um processo de produção de biocombustíveis. É o Hbio. Ele incorpora óleo vegetal à produção de diesel. O inventor é o engenheiro Jefferson Gomes, de 46 anos, há 20 na empresa. Por meio de reatores instalados em refinarias, ele conseguiu fazer com que 1 litro de óleo de soja renda praticamente 1 litro de diesel. “O Hbio complementa a indústria do biodiesel porque vai estimular o produtor de matéria-prima. Se a Petrobras se tornar um consumidor regular, aí o mercado vai se estruturar”, diz Gomes.


Alguns usineiros também estão pesquisando. A Dedini, empresa que fabrica instalações industriais para usinas canavieiras, desenvolveu uma unidade capaz de produzir álcool e biodiesel juntos. É a Barralcool, em Mato Grosso. Ela aproveita o álcool como reagente na fabricação de biodiesel de óleo de soja. Ainda queima o bagaço para gerar energia elétrica. “Acreditamos que será um ótimo negócio por causa do aproveitamento dos insumos”, diz Sílvio Rangel, gerente de biodiesel da usina, localizada a 160 quilômetros de Cuiabá.


O país já virou exportador de usinas. A Dedini já vendeu quatro usinas para países do Caribe, de onde empresários locais exportam o combustível para os EUA. “A procura é até excessiva, porque não há usinas para pronta entrega”, diz José Francisco Davos, vice-presidente de negócios da Dedini. O interesse e a curiosidade dos estrangeiros sobre o álcool criou o turismo da cana. Grupos de estrangeiros chegam ao país e acrescentam passeios a modernos engenhos ao roteiro da viagem. Do início do ano até o Carnaval, a Barralcool terá recebido quase 80 estrangeiros, a maior parte dos EUA. “Antes do Carnaval chega um grupo de 42 americanos”, diz o agente de turismo José Rocha Jr., de Tanguá da Serra, município onde está a usina.


Com tanta promessa, o ritmo de novos investimentos é frenético. Surgem 20 novas usinas por ano no país. O financiamento do BNDES para a indústria sucroalcooleira dobra a cada ano desde 2004. No ano passado, foram mais de R$ 2 bilhões. O banco avalia ou financia um total de 62 projetos, com investimentos de R$ 12 bilhões. Em biodiesel, há 11 projetos a caminho, com investimentos de mais de R$ 700 milhões, segundo afirma Carlos Gastaldoni, assessor da presidência do BNDES.


De acordo com a Agência Internacional de Energia, a tecnologia e a matéria-prima disponíveis hoje garantem que 20% do combustível usado em transporte no mundo todo poderia ser substituído por biocombustíveis em 2030. Quem vai atender à explosiva demanda global
Saberá o Brasil aproveitar a oportunidade



Exportar não é fácil. Os EUA sobretaxam o álcool brasileiro e subsidiam a produção local, a partir do milho. s “O potencial é enorme. O problema é que todos querem desenvolver o próprio álcool”, diz Pedro Mizutani, vice-presidente-geral da brasileira Cosan, o maior produtor de álcool do mundo. Mas há indícios de que a capacidade de produção americana tenha limites. Em 2000, 6% do milho americano era usado para fazer álcool. Em 2006, foram 20%. Só que isso puxou o preço do cereal, usado para ração animal. O efeito colateral é péssimo para o custo dos alimentos nos Estados Unidos. Em algum momento, os americanos terão de importar álcool. Aí, as barreiras deverão cair.


Outra medida importante é criar uma especificação técnica única para o álcool no mundo. Sem isso, não há como vender o produto no mercado internacional. Na semana passada, Brasil e EUA concordaram em criar um padrão. A notícia é ótima para a Petrobras. A estatal já fornece para Venezuela, Nigéria e Japão, onde a lei permite misturar 3% de álcool à gasolina. Em parceria com uma empresa japonesa responsável pela importação de álcool, a Petrobras fundou uma firma, a Nippaku, para atuar no ramo. Seu plano é tornar-se uma multinacional de biocombustíveis. Para isso, negocia participações, compras e investimentos com mais de 20 usinas de álcool de grande porte no Brasil e outras duas dezenas de biodiesel. “Temos acordos de confidencialidade, mas há vários grupos na mesa de negociações. Se vamos aumentar as exportações, a garantia de fornecimento de álcool tem de ser total”, disse a ÉPOCA o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.


VEGETAL
Bush visita laboratório de álcool da DuPont nos EUA. Os americanos estudam comprar álcool do Brasil


A Petrobras tem motivos para se preocupar com isso. A falta de confiabilidade no abastecimento é um dos entraves históricos no ciclo do álcool brasileiro. Quando o preço do açúcar sobe e o do petróleo cai, é mais lucrativo para o usineiro abandonar temporariamente o álcool e dedicar-se ao açúcar. “É preciso modificar a produção, para ter usinas mais dedicadas ao álcool”, diz Gabrielli.


A entrada de uma gigante como a Petrobras na bioindústria pode modificar a vida de grandes e pequenos agricultores, como o plantador de fumo Sérgio dos Santos Martins, de 52 anos, de Venâncio Ayres, no Rio Grande do Sul. Incentivado pela Afubra, a associação dos fumicultores do Brasil, Martins começou a plantar girassóis nas entressafras do fumo em seu sítio. A Afubra compra a produção e repassa 75% do lucro ao agricultor. O girassol é um dos insumos do biodiesel. Quanto mais usos tiver, mais lucro agricultores como Martins terão.


Ser um grande exportador de produtos valorizados no mercado é sempre bom. Mas pode ser fugaz. O que o Brasil precisa fazer para não repetir enredos como o do ciclo da borracha
No início do século XIX, ela era o motor da economia nacional. Até os ingleses levarem algumas sementes para suas colônias na Ásia. Plantadas de forma mais planejada, elas renderam mais que as árvores espalhadas pela selva amazônica. Depois, veio a borracha sintética e acabou com o suntuoso ciclo da borracha. A saída para evitar que o álcool tenha esse destino é investir em tecnologia.


Um passo decisivo será a descoberta da melhor tecnologia para extrair açúcar de folhas e bagaço de plantas para, a partir daí, produzir álcool. O álcool celulósico dobrará a produção de álcool da cana. Também permitirá que outras culturas, como o milho americano e o canadense, fiquem competitivas com nossos canaviais. “Temos o menor custo de produção do mundo. Com o álcool celulósico, alguém pode nos passar”, diz Mizutani, da Cosan. “Como o mundo acordou para o álcool, Estados Unidos, Canadá e União Européia estão investindo milhões em pesquisas”, diz Ricardo Dornelles, do Ministério de Minas e Energia.


Resta algo mais por fazer
“Marketing”, diz o consultor Mario Veiga, da PSR Consultoria. “O cidadão médio americano não tem idéia de que o álcool brasileiro é melhor, mais barato, mas é taxado. Não basta ser citado como exemplo a ser copiado. Negócio é negócio. Já fomos os reis do açúcar, da borracha e do café. É a última chance que Deus está nos dando. Precisamos aproveitar esta oportunidade.” Se o Brasil conseguir virar uma potência tecnológica do biocombustível, não seremos um país apenas de agricultores, como Martins, mas daremos futuro também para pesquisadores de ponta, como Jefferson. A escolha é nossa.



POR QUE É POSSÍVEL
• NOSSA CANA É A MELHOR matéria-prima para a produção de álcool


• HÁ ESTUDOS para dobrar a produtividade da cana e ampliar a área plantada. Nossa produção de álcool chegaria a 9,6 milhões de barris por dia, o equivalente à produção de petróleo atual da Arábia Saudita.


• MAIS DE 80% da frota nova tem motor bicombustível, movido a gasolina e álcool


• TODA A GASOLINA vendida no país já leva 25% de álcool


• TEMOS AS MELHORES CONDIÇÕES de clima e solo


• TEMOS UM PROCESSO INÉDITO para produzir diesel
a partir de óleo vegetal


• O PREÇO DO PETRÓLEO em alta torna viável o investimento em álcool e no biodiesel
O QUE FALTA FAZER
• CRIAR UMA POLÍTICA para garantir suprimento estável de álcool, que sempre pode cair se o preço do açúcar aumentar


•TER GRANDES EMPRESAS dedicadas à logística para exportar álcool, gasolina misturada ao álcool e outros produtos agregados


• ESTIMULAR MAIS PESQUISAS em tecnologia para descobrir como produzir álcool a partir de outras plantas


• INVESTIR EM MARKETING O mundo precisa conhecer as vantagens ambientais do álcool da cana para que os países reduzam as restrições à importação do produto brasileiro


UM PAÍS MOVIDO A PLANTAS
Como o Brasil criou várias tecnologias para encher os tanques de carros e veículos pesados com combustíveis de origem vegetal
O valor ambiental do combustível vegetal
O planeta está esquentando por causa da concentração crescente de gases, como o dióxido de carbono, na atmosfera. Eles retêm o calor do sol. Os combustíveis de origem vegetal evitam esse aumento de carbono na atmosfera
1 • Qualquer planta, para crescer, retira carbono do ar por meio da fotossíntese. Com essas moléculas de carbono, a planta constrói suas folhas, caule e raízes
2 • Usinas de álcool ou biodiesel fazem combustível a partir do vegetal. Assim, as moléculas de carbono que a planta tirou da atmosfera viram combustível
3 • Os carros queimam o combustível vegetal no motor. Pelo escapamento, lançam as moléculas de carbono de volta para a atmosfera
4 • As plantas, como cana-de-açúcar ou girassol, vão capturar moléculas de carbono outra vez para crescer. Isso compensa o que foi emitido pelos carros

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O Brasil vai se tornar a Arábia Saudita verde?

Por: 12/02/2007 10:02:17 - ANTP

O Brasil é, novamente, o país do futuro. Depois de rodar pelo país e se encantar com o processo de produção do álcool a partir da cana-de-açúcar, Thomas Friedman, colunista do New York Times e um dos maiores especialistas em Oriente Médio, voltou para os Estados Unidos convencido de que o Brasil pode se tornar a Arábia Saudita do álcool. A comparação com o maior exportador mundial de petróleo não é delirante. O Brasil é o país mais avançado em combustíveis de origem vegetal, também chamados biocombustíveis. Temos matéria-prima competitiva, tecnologia de ponta, um mercado maduro e espaço para crescer. Foi esse potencial etílico que trouxe para cá o subsecretário de Estado americano para Assuntos Políticos, Nicholas Burns. Ele veio na semana passada para tratar de um acordo estratégico entre os dois países na área de energia. Em março, quem virá ao Brasil falar de combustíveis alternativos é o próprio presidente George W. Bush, cujas ligações com a indústria do petróleo são históricas.

Os EUA estão empenhados em reduzir sua dependência do petróleo importado de países politicamente voláteis, como Venezuela e Iraque. E também antecipam uma crescente preocupação com fontes de energia que não contribuam para o aquecimento global. Os combustíveis de origem vegetal, como nosso álcool e nosso biodiesel, estão entre as melhores opções. “A energia tende a distorcer o poder de alguns Estados que achamos que têm um peso negativo no mundo, como Venezuela e Irã”, afirmou Burns. “Quanto mais pudermos diversificar nossas fontes de energia e nos tornarmos menos dependentes do petróleo, melhor ficaremos.” Os americanos não são os únicos interessados no suprimento de combustíveis vegetais do Brasil. Outros países vão procurar nosso álcool. Como vamos faturar com isso?

A meta que passa pela cabeça de todos: o país tem condição de se tornar a maior potência da energia alternativa e o maior exportador mundial de biocombustível, assim como a Arábia Saudita é a maior exportadora de petróleo. Nos próximos dez anos, a plantação de cana no Brasil deve permitir a produção de 1,2 milhão de barris de álcool por dia. Para alcançar o mesmo nível da Arábia Saudita, que exporta 9,6 milhões de barris de petróleo por dia, teríamos de dobrar nossa produtividade e ainda quadruplicar a área plantada. Estudos indicam que isso é viável. Os sauditas faturam US$ 154 bilhões por ano vendendo petróleo. Ninguém arrisca ainda quanto o Brasil ganharia exportando álcool – hoje, nossa exportação soma US$ 1,6 bilhão, valor ainda baixo diante dos petrodólares sauditas. Também não existem indícios para calcular se – e como – seria possível aos países que hoje importam petróleo passar a importar álcool. A única coisa que se sabe é que cresce o interesse mundial pelo álcool brasileiro e, portanto, os prognósticos são de crescimento.

O Brasil, de certa forma, virou herói por acidente. Nosso programa de álcool combustível nasceu na década de 70, durante o regime militar. Era uma opção estratégica para s reduzir a dependência do petróleo importado e melhorar nossa balança comercial. O programa quase naufragou nos anos 90, quando o petróleo ficou barato e os usineiros usavam a produção de cana para exportar açúcar, abandonando o álcool. Fomos salvos pela tecnologia bicombustível, que liberta o consumidor do humor dos usineiros. E pela gravidade do aquecimento global, que torna cada vez mais prioritária a substituição de combustíveis fósseis por outras fontes.

A queima de gasolina e diesel lança na atmosfera dióxido de carbono, um dos gases causadores do efeito estufa. O mesmo acontece com os biocombustíveis. Mas o carbono da combustão do álcool pode ser reabsorvido pelo canavial, no processo conhecido como fotossíntese. O mesmo vale para o biodiesel, produzido com óleos vegetais de soja, girassol ou mamona. Por isso, na soma geral, eles não alteram a atmosfera.A maneira mais imediata de combater as mudanças climáticas, portanto, é substituir combustíveis fósseis, como diesel e gasolina, por biocombustíveis, como álcool e biodiesel, afirma Suzana Kahn, da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Mais uma vez, o Brasil descobriu que foi abençoado pela natureza. A cana, cultura adaptada a nosso clima, é uma das espécies mais eficientes para produzir álcool. A plantação de cana ocupa cerca de 6 milhões de hectares no Brasil. E ainda há espaço para ela crescer. Apesar da preocupação mundial que o desmatamento da Amazônia provoca no resto do mundo, o país ainda tem 90 milhões de hectares cultiváveis, fora das áreas sensíveis.

Temos um mercado sem igual. Mais de 80% dos carros novos são bicombustíveis. Usam gasolina ou álcool. A gasolina vendida nos postos vem com 25% de álcool. O país avança também em biodiesel. A partir do ano que vem, os postos venderão diesel com mistura de 2% de biodiesel produzido a partir de óleos vegetais. A Petrobras pretende suprir 80% desse mercado, comprando óleo vegetal da agricultura familiar para fazer biodiesel. A proporção chegará à 5% em 2013.

O país continua aprimorando sua tecnologia. No ano passado, a Petrobras inventou um processo de produção de biocombustíveis. É o Hbio. Ele incorpora óleo vegetal à produção de diesel. O inventor é o engenheiro Jefferson Gomes, de 46 anos, há 20 na empresa. Por meio de reatores instalados em refinarias, ele conseguiu fazer com que 1 litro de óleo de soja renda praticamente 1 litro de diesel. “O Hbio complementa a indústria do biodiesel porque vai estimular o produtor de matéria-prima. Se a Petrobras se tornar um consumidor regular, aí o mercado vai se estruturar”, diz Gomes.

Alguns usineiros também estão pesquisando. A Dedini, empresa que fabrica instalações industriais para usinas canavieiras, desenvolveu uma unidade capaz de produzir álcool e biodiesel juntos. É a Barralcool, em Mato Grosso. Ela aproveita o álcool como reagente na fabricação de biodiesel de óleo de soja. Ainda queima o bagaço para gerar energia elétrica. “Acreditamos que será um ótimo negócio por causa do aproveitamento dos insumos”, diz Sílvio Rangel, gerente de biodiesel da usina, localizada a 160 quilômetros de Cuiabá.

O país já virou exportador de usinas. A Dedini já vendeu quatro usinas para países do Caribe, de onde empresários locais exportam o combustível para os EUA. “A procura é até excessiva, porque não há usinas para pronta entrega”, diz José Francisco Davos, vice-presidente de negócios da Dedini. O interesse e a curiosidade dos estrangeiros sobre o álcool criou o turismo da cana. Grupos de estrangeiros chegam ao país e acrescentam passeios a modernos engenhos ao roteiro da viagem. Do início do ano até o Carnaval, a Barralcool terá recebido quase 80 estrangeiros, a maior parte dos EUA. “Antes do Carnaval chega um grupo de 42 americanos”, diz o agente de turismo José Rocha Jr., de Tanguá da Serra, município onde está a usina.
Com tanta promessa, o ritmo de novos investimentos é frenético. Surgem 20 novas usinas por ano no país. O financiamento do BNDES para a indústria sucroalcooleira dobra a cada ano desde 2004. No ano passado, foram mais de R$ 2 bilhões. O banco avalia ou financia um total de 62 projetos, com investimentos de R$ 12 bilhões. Em biodiesel, há 11 projetos a caminho, com investimentos de mais de R$ 700 milhões, segundo afirma Carlos Gastaldoni, assessor da presidência do BNDES.

De acordo com a Agência Internacional de Energia, a tecnologia e a matéria-prima disponíveis hoje garantem que 20% do combustível usado em transporte no mundo todo poderia ser substituído por biocombustíveis em 2030. Quem vai atender à explosiva demanda global? Saberá o Brasil aproveitar a oportunidade?

Exportar não é fácil. Os EUA sobretaxam o álcool brasileiro e subsidiam a produção local, a partir do milho. s “O potencial é enorme. O problema é que todos querem desenvolver o próprio álcool”, diz Pedro Mizutani, vice-presidente-geral da brasileira Cosan, o maior produtor de álcool do mundo. Mas há indícios de que a capacidade de produção americana tenha limites. Em 2000, 6% do milho americano era usado para fazer álcool. Em 2006, foram 20%. Só que isso puxou o preço do cereal, usado para ração animal. O efeito colateral é péssimo para o custo dos alimentos nos Estados Unidos. Em algum momento, os americanos terão de importar álcool. Aí, as barreiras deverão cair.

Outra medida importante é criar uma especificação técnica única para o álcool no mundo. Sem isso, não há como vender o produto no mercado internacional. Na semana passada, Brasil e EUA concordaram em criar um padrão. A notícia é ótima para a Petrobras. A estatal já fornece para Venezuela, Nigéria e Japão, onde a lei permite misturar 3% de álcool à gasolina. Em parceria com uma empresa japonesa responsável pela importação de álcool, a Petrobras fundou uma firma, a Nippaku, para atuar no ramo. Seu plano é tornar-se uma multinacional de biocombustíveis. Para isso, negocia participações, compras e investimentos com mais de 20 usinas de álcool de grande porte no Brasil e outras duas dezenas de biodiesel. “Temos acordos de confidencialidade, mas há vários grupos na mesa de negociações. Se vamos aumentar as exportações, a garantia de fornecimento de álcool tem de ser total”, disse a ÉPOCA o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.

A Petrobras tem motivos para se preocupar com isso. A falta de confiabilidade no abastecimento é um dos entraves históricos no ciclo do álcool brasileiro. Quando o preço do açúcar sobe e o do petróleo cai, é mais lucrativo para o usineiro abandonar temporariamente o álcool e dedicar-se ao açúcar. “É preciso modificar a produção, para ter usinas mais dedicadas ao álcool”, diz Gabrielli.

A entrada de uma gigante como a Petrobras na bioindústria pode modificar a vida de grandes e pequenos agricultores, como o plantador de fumo Sérgio dos Santos Martins, de 52 anos, de Venâncio Ayres, no Rio Grande do Sul. Incentivado pela Afubra, a associação dos fumicultores do Brasil, Martins começou a plantar girassóis nas entressafras do fumo em seu sítio. A Afubra compra a produção e repassa 75% do lucro ao agricultor. O girassol é um dos insumos do biodiesel. Quanto mais usos tiver, mais lucro agricultores como Martins terão.

Ser um grande exportador de produtos valorizados no mercado é sempre bom. Mas pode ser fugaz. O que o Brasil precisa fazer para não repetir enredos como o do ciclo da borracha? No início do século XIX, ela era o motor da economia nacional. Até os ingleses levarem algumas sementes para suas colônias na Ásia. Plantadas de forma mais planejada, elas renderam mais que as árvores espalhadas pela selva amazônica. Depois, veio a borracha sintética e acabou com o suntuoso ciclo da borracha. A saída para evitar que o álcool tenha esse destino é investir em tecnologia.

Um passo decisivo será a descoberta da melhor tecnologia para extrair açúcar de folhas e bagaço de plantas para, a partir daí, produzir álcool. O álcool celulósico dobrará a produção de álcool da cana. Também permitirá que outras culturas, como o milho americano e o canadense, fiquem competitivas com nossos canaviais. “Temos o menor custo de produção do mundo. Com o álcool celulósico, alguém pode nos passar”, diz Mizutani, da Cosan. “Como o mundo acordou para o álcool, Estados Unidos, Canadá e União Européia estão investindo milhões em pesquisas”, diz Ricardo Dornelles, do Ministério de Minas e Energia.

Resta algo mais por fazer? “Marketing”, diz o consultor Mario Veiga, da PSR Consultoria. “O cidadão médio americano não tem idéia de que o álcool brasileiro é melhor, mais barato, mas é taxado. Não basta ser citado como exemplo a ser copiado. Negócio é negócio. Já fomos os reis do açúcar, da borracha e do café. É a última chance que Deus está nos dando. Precisamos aproveitar esta oportunidade.” Se o Brasil conseguir virar uma potência tecnológica do biocombustível, não seremos um país apenas de agricultores, como Martins, mas daremos futuro também para pesquisadores de ponta, como Jefferson. A escolha é nossa.

Por que é possível:NOSSA CANA É A MELHOR matéria-prima para a produção de álcool HÁ ESTUDOS para dobrar a produtividade da cana e ampliar a área plantada. Nossa produção de álcool chegaria a 9,6 milhões de barris por dia, o equivalente à produção de petróleo atual da Arábia Saudita.MAIS DE 80% da frota nova tem motor bicombustível, movido a gasolina e álcoolTODA A GASOLINA vendida no país já leva 25% de álcoolTEMOS AS MELHORES CONDIÇÕES de clima e soloTEMOS UM PROCESSO INÉDITO para produzir diesel a partir de óleo vegetalO PREÇO DO PETRÓLEO em alta torna viável o investimento em álcool e no biodiesel

O que falta fazerCRIAR UMA POLÍTICA para garantir suprimento estável de álcool, que sempre pode cair se o preço do açúcar aumentar TER GRANDES EMPRESAS dedicadas à logística para exportar álcool, gasolina misturada ao álcool e outros produtos agregadosESTIMULAR MAIS PESQUISAS em tecnologia para descobrir como produzir álcool a partir de outras plantasINVESTIR EM MARKETING O mundo precisa conhecer as vantagens ambientais do álcool da cana para que os países reduzam as restrições à importação do produto brasileiro

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