Cada vez mais, os cafés especiais do país estão indo parar em modernas e coloridas cápsulas frabricadas na Suíça
Alécia Pontes, de Poços de Caldas (MG) | Dinheiro Rural
Não importa se a cápsula de café leva nomes de inspiração italiana, como ristretto, arpeggio, livanto, capriccio, volluto, cosi, vivalto, finezzo ou fortissio lungo: na maior parte deles, certamente será encontrado o grão premium brasileiro torrado e moído. Isso mesmo. Empresas fabricantes de porções individuais de café, em cápsulas, como as italianas Illy Café e o grupo Saeco, além da americana Sara Lee, e a suíça Nespresso, da Nestlé, buscam no País a matéria-prima para compor diferentes blends da bebida. A Nespresso, por exemplo, que é pioneira na produção de cápsulas para o preparo da bebida, tem o Brasil como principal fornecedor dos cafés que compõem os 16 tipos de blends denominados Grands Crus, distribuídos em todo o mundo. “O peso do café brasileiro é grande, porque o País consegue produzir volume e de qualidade, com manutenção de padrão, safra a safra. Isso é muito difícil conseguir”, diz Isabela Raposeiras, barista e mestre de torra. “Outra vantagem do grão do Brasil é que ele tem corpo e é doce por natureza. Isso eleva a qualidade dos blends, quando misturado a grãos de outras regiões produtoras no mundo”, diz a barista. Por exemplo, o blend de nome Dhjana é composto de cafés produzidos na região paulista da Alta Mogiana e nas florestas tropicais da Costa Rica, nos Andes da Colômbia e em regiões de vegetação rasteira da índia. “Depois de torrado e moído, o café pode desenvolver até 900 aromas”, diz Cláudia Leite, gerente de Coffee Affairs Nespresso, no Brasil.
Para chegar a produtos top no mercado, a Nestlé segue uma linha de tecnologias que vai do campo até a xícara. No Brasil, pelo menos 1,5 milhão de sacas de 60 quilos de cafés especiais colhidos por safra, em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, São Paulo e Paraná, terão como destino as coloridas cápsulas Nespresso. O agricultor mineiro Cristiana Carvalho Ottani é um dos produtores que fornecem café para a Néstle. Ele produz 230 mil sacas por safra, das quais 150 mil saem de cinco mil hectares no Vale da Grama, próximo a Poços de Caldas, e 80 mil sacas são provenientes de 1,5 mil hectares na região do Cerrado Mineiro. O café de Ottoni é embarcado para duas fábricas da Nespresso, localizadas em Avenches e Lausanne, na Suíça, onde os grãos são avaliados e testados pela segunda vez, antes de ir para as cápsulas.
A primeira avaliação é feita ainda no Brasil pelas tradings contratadas pela Nestlé. A análise e a degustação dos cafés premium são feitas pela Bourbon Specialty Coffees, em Poços de Caldas, empresa que antes da exportação do grão para Europa, Japão, Estados Unidos e Canadá, faz a classificação por tamanho, densidade e cor. Ottoni diz que a quantidade de café vendido à Nespresso varia de acordo com o clima, de safra para safra. Segundo ele, nos últimos anos, 92 mil sacas, equivalente a 40% de sua colheita, foram classificadas como especial pela Nestlé. Desse total, 33 mil sacas são do tipo bourbon amarelo. As 59 mil sacas restantes, segundo o cafeicultor, vão para diferentes destinos no mundo. “Isso significa que os grãos que não atendem ao padrão Nespresso ainda atendem aos quesitos mínimos para a exportação”, diz Ottoni. O café sem status, cuja produção chegou a 138 mil sacas na última safra, é vendido no mercado interno.
Ottoni quer inverter essa conta e destinar mais volume para exportação. “Nosso foco hoje é nos aproximar cada vez mais da Nespresso, que além de dar suporte técnico garante a compra do grão”, diz o agricultor. Para ele, apesar do custo mais elevado de produção do café especial, o negócio ainda traz vantagens extras como o pagamento de prêmios, de acordo com a nobreza do grão. As bonificações por alta qualidade podem acrescentar aos cafés premium até R$ 1 mil por saca de 60 quilos, além da valorização de até 25% em relação ao café comum, hoje em torno de R$ 410 a saca. O negócio é compensador para os dois lados, produtor e indústria.
Em 2011, os cafés Nespresso renderam à Nestlé um faturamento de € 3 bilhões, um crescimento de 20% se comparado a 2010.
Para Mário César Simão Neto, classificador de grãos da Bourbon Specialty Coffees, a valorização do café especial é devida, principalmente, ao rigor dos produtores, que vai do plantio à colheita. “A colheita apenas de grãos bem maduros e quase sem defeitos são itens indispensáveis para ganhar mercado”, diz Simão Neto.”Hoje, o produtor que não provar que segue práticas ambientais corretas está fora dessa briga.”
Para dar suporte à lida de campo dos produtores, fazendo com que seja percebida pelos consumidores, a Nespresso mantém o Programa AAA de Qualidade Sustentável, chamado Triple A. A trilha de melhores práticas no campo para o aumento da produtividade e qualidade do grão foi aberta pela Illy Café, que desde 1999, quando fundou a Universidade do Café, oferece programas globais voltados para os produtores. A exemplo da universidade, o programa Triple A, da Nespresso, feito em parceria com a organização certificadora internacional Rainforest Alliance, oferece treinamento para aumentar a produtividade das lavouras e manter a qualidade dos grãos. “O compromisso é chegar a 2013 com 80% de todo o café dentro desse programa”, diz Cláudia. Segundo Guilherme Amado, gerente de projeto green coffee da Nespresso, o número de cafeicultores com cultivo monitorado já chega a 50 mil fazendas em todo o mundo. “O Brasil, por ser o maior produtor mundial do grão, funciona como uma espécie de vitrine”, diz Amado. “Ter bons produtores no País ajuda a empresa a ganhar mercado em outras regiões?’ Além das boas práticas de manejo das lavouras, para fazer parte do programa, o produtor precisa pertencer a uma cooperativa ou grupo exportador.
As exigências do mercado internacional não têm sido obstáculos ao crescimento do segmento de cafés especiais no Brasil. Tanto que o potencial de produção desses cafés vai muito além do volume de sacas compradas pela Nespresso. Na safra 2012/2013, da estimativa de 56 milhões de sacas que o País deve produzir, pelo menos 8,4 milhões serão classificadas como especiais. A Nespresso, com seu 1,5 milhão de sacas, detém quase 18% desse mercado. “Mas queremos uma fatia ainda maior”, diz Cláudia.
Em decorrência da quantidade de cafés com qualidade que têm saído das lavouras brasileiras, a Nestlé vem aumentando as edições especiais de cápsulas da Nespresso, que acabam se tornando produtos regulares em seu portfólio. Uma dessas edições especiais elevadas à categoria de linha foi a Dulsão do Brasil, uma expressão criada pela empresa, em 2006, para denominar o café arábica cultivado no País. O produtor Ottoni foi um dos primeiros cafeicultores a entrar com parte de sua produção de grãos da variedade bourbon amarela, na composição do blend que também leva a variedade vermelha. Ottoni se beneficiou de uma particularidade da região onde cultiva o grão: praticamente 90% das variedades bourbon do País são colhidas na região montanhosa de Poços de Caldas. Cláudia, da Nestlé, explica que o Dulsão do Brasil foi criado a partir da técnica split roasting, que significa torra separada. “Esse processo enaltece o grão ainda verde, dando uma textura acetinada e uma nota aromática de torrado à bebida”, diz Cláudia. Trocando em miúdos, o café desse blend é adocicado por natureza, sem acidez e amargor característicos de plantas colhidas ainda verdes. “É um café leve, muito leve”, diz Cláudia. O blend caiu tão bem no gosto dos paladares mais refinados, que, no início deste ano, a linha ganhou uma nova versão, ainda mais suave.