Setor enfrentará queda na renda este ano. É inegável que o agronegócio brasileiro enfrenta hoje uma forte crise. No entanto, o desempenho do setor em 2005 não é homogêneo, sendo possível dividi-lo em três grupos distintos.
É inegável que o agronegócio brasileiro enfrenta hoje uma forte crise. No entanto, o desempenho do setor em 2005 não é homogêneo, sendo possível dividi-lo em três grupos distintos.
No primeiro, cana, cítricos, café e madeira vivem momentos de razoáveis a bastantes bons. O aumento do consumo de álcool combustível (fruto do sucesso dos carros flex fuel e dos altos preços do petróleo), problemas na safra americana de laranja (devidos a prejuízos com pragas e a passagem de furacões), elevação nos preços da madeira (que também é energia) e recuperação nos preços de café (setor onde a demanda vem superando a produção global) vem garantindo o desempenho positivo deste primeiro grupo.
Já frangos e suínos vêm bastante bem, também aproveitando a combinação de preços de produtos em alta, tanto no mercado internacional quanto no mercado doméstico, e o reduzido preço de rações. No entanto, vivem sobressaltos pelas ameaças sanitárias.
O terceiro e último grupo, formado pelos grãos (arroz, milho, soja e trigo), algodão e pecuária passa por uma fase muito difícil, com forte redução na liqüidez e rentabilidade, cuja profundidade vai exigir pelo menos dois anos para recuperação. Até lá, a fronteira agrícola e o processo de novos investimentos vai parar.
Pode-se afirmar que a atual crise do setor decorre basicamente das seguintes causas: 1) problemas climáticos, que afetaram principalmente o sul do país, resultando em quebras de safras e reduções de produtividade; 2) forte valorização do real (que ainda não parece ter terminado), comprimindo as margens de rentabilidade das atividades exportadoras; 3) elevação do peso relativo da logística nos custos do setor, devidos à elevação dos preços do petróleo e às péssimas condições da infra-estrutura brasileira; 4) elevadas taxas de juros; e 5) dificuldades na liberação de crédito preferencial.
Neste último quesito, as estatísticas referentes à liberação de crédito oficial dão idéia do tamanho da restrição imposta aos produtores. A redução na liberação do crédito para custeio chega a ser da ordem de 30%, e no crédito para investimento de 42%, na comparação julho-setembro de 2005, frente ao mesmo período do ano anterior.
O resultado disso tudo para o setor em geral será uma queda expressiva na renda agrícola no ano de 2005 que, segundo estimativa da MB Agro/MB Associados, deverá ser de R$ 108 bilhões (frente a R$ 121 bilhões em 2004), o que implicará numa queda de 10% frente ao desempenho do ano anterior.
Soma-se a isso, ainda, questões específicas a certas atividades que acabam por reforçar o quadro geral de dificuldades do setor. O algodão vem sofrendo com o crescente aumento do subsídio americano nas duas últimas safras. A significativa valorização cambial (conceito taxa real de câmbio-cesta de moedas), em mais de 16% no ano, tornou impossível a exportação de milho que, com a produção de sorgo, milheto e a quebra da qualidade do trigo (algo como um milhão de toneladas do produto só servem para ração), resultam numa forte pressão vendedora, comprimindo ainda mais os seus preços. O arroz, por sua vez, sofre com a pressão das importações provenientes do Mercosul.
Margens operacionais ruins nos mercados de soja, milho, arroz e algodão (de – 9%, -25%, -19% e -26%, respectivamente – estimativas MB Agro/Associados para a safra 2005/06 com base nos preços futuros até a data de 30 de setembro de 2005) dão idéia da gravidade da atual crise, cujos impactos sobre a safra 2005/06 já começam a ser mensurados em termos de redução na intenção de plantio da safra de verão da ordem de 4,5%, segundo levantamentos da Conab e do IBGE para os principais produtos agrícolas, e chegando a 27% no caso do algodão, ao lado de expressiva redução no uso de tecnologia. Com isso, a sensibilidade da produção a qualquer problema climático será muito maior nesta safra.
Ademais, além das questões de curto prazo, a atual crise explicita a limitação nas estruturas de suporte à atividade agrícola: deficiente sistema de defesa sanitária e de rastreabilidade, lentidão na efetiva regulamentação da lei de biossegurança e em definições de operacionalização quanto à utilização de transgênicos, redução acentuada na qualidade dos corredores de exportação, restrições à utilização dos créditos fiscais tipo Lei Kandir e limitação nas estruturas de financiamento e seguro rural.
O governo hoje vive a dura lição de ter negligenciado, ou talvez demorado a dar solução a essas questões.
Por exemplo, o aparecimento da febre aftosa no Mato Grosso do Sul gera prejuízos não só aos próprios produtores, mas também à imagem do país perante os mercados consumidores domésticos e internacionais.
A maior pressão dos agricultores por recursos junto ao Tesouro Nacional é mais um exemplo disso, já que mercados desenvolvidos de seguro rural poderiam mitigar estes custos.
A combinação de juros altos, câmbio valorizado e clima adverso expôs a precariedade da infra-estrutura e de certos suportes à expansão do setor. O agronegócio brasileiro não perdeu sua característica competitiva. Entretanto, é fundamental um esforço sério de todos para a retomada do caminho do crescimento.
José Roberto Mendonça de Barros é diretor da MB Associados. E-mail: jr.mendonca@mbassociados.com.br
Renata Ferraz de Toledo Machado é economista da MB Associados. E-mail: renata.machado@mbassociados.com.br