Produção de hortifrútis avança no entorno de Brasília, com a integração de diferentes culturas e a instalação de fábricas de conservas de vegetais
VALOR ESTADOS
08/07/2010
Uma rara combinação de clima, topografia e potencial hídrico está levando o leste de Goiás, no entorno de Brasília, a um rápido e inédito ciclo de desenvolvimento. Maior área irrigada da América Latina, a região cresce com uma variada produção de hortifrútis, quebrando o domínio da pecuária extensiva, o plantio de grãos e, mais recentemente, da cana-de-açúcar.
Ao aproveitar as excelentes condições naturais, os produtores passaram a dominar a tecnologia de irrigação e aprimorar seus manejos, imprimindo a integração entre diversas culturas. Para coroar esse potencial produtivo, grandes empresas processadoras de alimentos instalam novas fábricas de conservas de vegetais. Os incentivos fiscais completam o variado cardápio de empreendimentos.
Além das boas condições de clima e solo, Cristalina, Luziãnia, Campo Alegre, Ipameri e Pires do Rio têm posição privilegiada para escoar a produção, porque estão próximas de um estratégico entroncamento rodoviário, às margens da BR-040. Por essa rodovia chega-se facilmente a Brasília e Minas Gerais. Saindo pela BR-050, vai-se para o Triângulo Mineiro e São Paulo. A chegada do ramal da Ferrovia Norte-Sul, em Anápolis, pode melhorar ainda mais as condições de escoamento da região.
O centro principal desse \”cluster\” do agronegócio é Cristalina, município que surgiu com a exploração de cristais durante o ciclo da mineração em Goiás, no final do século XVIII. A produção do mineral que deu nome ao lugar hoje se resume a um nicho de artesanato. Agora, o que domina a paisagem são as imensas áreas de plantação de alho, batata e cebola. É a trinca do chamado \”ABC\” hortifrúti, que tem a companhia de lavouras a perder de vista também de feijão, milho doce, tomate, café, cenoura e beterraba. A soja, que iniciou a abertura da fronteira agrícola na região, está presente, mas a maior é destinada à produção de sementes. Tudo irrigado. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o valor da produção de hortifrútis, somado à colheita de feijão, rendeu R$ 418,6 milhões em 2008.
Cristalina, município com o maior PIB agrícola de Goiás, conta com 49 mil hectares de área irrigada: Isso\’ só é possível por causa dos 256 cursos d\’água, que cortam os 6.160 quilômetros quadrados do território cristalense. Segundo o Sindicato Rural de Cristalina, existem no município 574 pivôs de irrigação de 136 grandes produtores. Além dos cursos naturais de água, o manancial hídrico é ampliado por barragens que represam ás águas dás chuvas regulares. Há cerca de cem barragens alimentando pivôs no município. \”Isso vai aumentar nos próximos anos. já foi publicada a licitação de projetos para a construção de mais 80 barragens\”, diz Vitor Simão, presidente do sindicato rural.
Segundo ele, o financiamento será do Ministério dá Integração Nacional e da Secretaria de Planejamento de Goiás (Se
plan). Os projetos consumirão R$ 11,4 milhões. O investimento total com ás construçôes das barragens de pequeno e médio portes poderá chegar á R$ 200 milhões. O sindicato vai ajudar na escolha dos proclutores que se beneficiarão da melhoria das condições de irrigação em Cristalina, irias eles terão de arcar com os custos de equipamentos para instalação dos pivôs ¡RS 6 mil por hectare em média).
O feijão impulsionou a irrigação cai Cristalina nos anos 80. Continua sendo uma importante cultura de rotação e está presente nas lavouras da maioria dos grandes produtores, como na Fazenda Figueiredo, cujo proprietário, Luiz Carlos Figueiredo, comprou parte de suas terras dás mãos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em uma das fazendas, ele colhe café de 670 hectares dos seus 4.761 hectares irrigados. É café arábica de alta qualidade, cuja produção chega á cerca de 30 mil sacas por ano, que são vendidas à italiana Illy.
Além de café e feijão, a Fazenda Figueiredo produz milho, soja e trigo. Reinaldo Carlos Figueiredo, seu filho, cuida de um projeto de pecuária leiteira de alta qualidade, com animais confinados e melhoramento genético, que lhe reacica vários prêmios. São 15 mil litros por dia, repassados à Itambé á preços difercaciados do mercado.
Uma das culturas que mais demandam mão de obra na região é á dá batata inglesa. Grande produtor nacional do tubérculo, á família Hayashi se divide entre á Bahia e Cristalina, apesar de não possuir terras nesta última (arrenda cerca de 850 hectares por safra). João Gruber, um dos gerentes de negócios do grupo, diz que á Hayashi Batatas vai colher neste ano 34 mil toneladas e faturar R$ 35 milhóes em Goiás. Os principais mercados dá empresa são atacadistas nordestinos (75%) e do Sudeste e do Centro-Oeste (25%).
Numa parceria inicial com a Brasfrigu, instalada na cidade de Luziania, a Goias Verde toi pioneira na verticalizaçào da produção de tomate. Terminada á parceria, á Brasfrigo mudou de endereço e á Goiás Verde resolveu investir em marca própria. O milho doce em conserva foi á primeira latinha prudu ida com p, selo dá empresa. Depois vieram tomate, e, vilha, feijão, goiaba (polpa) e trigo, um dos últimos investimentos dá empresa. diz o gerente agrícola Carmo Spies Numa área próxima de sua unidade industrial a Goiás Verde ergueu um moinho para produzir 2 mil sacas de farinha por dia.
Os números da empresa crescem ano a ano. São 4,8 mil hectares de produção irrigada para processamento de vegetais e outros 8 mil hectares de soja, que geraram 300 mil sacas destinadas à geração de sementes. Os principais mercados são Minas Gerais, São Paulo e as regiões metropolitanas de Brasília e Goiânia. \”Nosso negócio é agregar valor ao que plantamos. O diferencial que conseguimos foi com a integração de atividades, tudo aqui se aproveita\”, resume Spies, gaúcho
de Santa Rosa, que foi executivo da Monsanto e da Cargill antes de se instalar na região há dez anos.
A integração a que ele se refere é o aproveitamento de subprodutos do processamento industrial na produção do próprio fertilizante e na alimentação de gado confinado, um negócio de cria, recria e corte de 10 mil cabeças e capacidade para chegar a 30 mil. Com os resultados do confinamento, Spies diz que a Goiás Verde poderá investir na construção de um frigorífico, além de ampliar seu mix de conservas. Segundo ele, o faturamento da empresa é de \”cerca de R$ 200 milhões\” e pode crescer 10% neste ano. A empresa gera 1.100 postos diretos de trabalho.
Mesmo quem não planta a própria matéria-prima vê com bons olhos o potencial da região. A multinacional francesa Bonduelle, líder mundial em processamento de vegetais, começará em agosto os primeiros testes de uma fábrica de conserva de ervilha e de milho doce. Primeira fábrica do grupo na América Latina (40a no mundo), a unidade de Cristalina consumirá R$ 120 milhões em três etapas. \”A primeira é esta aqui, onde começaremos produzindo 50 mil toneladas por ano de ervilha fresca. E será um processo inédito até para a empresa, que tem 150 anos, porque vamos enlatar a ervilha duas horas depois de colhida\”, diz João Alves Neto, diretor industrial, no canteiro de obras da empresa, instalado na lavoura da vizinha Agrícola Wehrmann, empresa que abastecerá inicialmente a francesa.
\”Acho que como a produção na região tende à estabilidade, por haver mais áreas disponíveis, o que se pode esperar para continuar crescendo é a integração dos produtores com a indústria\”, afirma Verni Wehrmann, grande produtor de hortifrútis, que fornecerá a matéria-prima para as operações iniciais da Bonduelle. A Agrícola Wehrmann, que responde por 12% da produção brasileira de alho, tem 4 mil hectares plantados com alho, batata, cebola e emprega 2 mil pessoas.
Outras duas fábricas que estão se instalando na região são a paulista Fugini Alimentos e a catarinense Incotril. Com o nome de Cristalina Alimentos, a Fugini constrói uma fábrica para processar tomate e conservas de milho, batata, cenoura e ervilha. São R$ 90 milhões em investimentos, que devem gerar 500 empregos diretos no auge de suas operações, em 2012. A principal linha de produção vai gerar 110 mil toneladas de extrato de tomate por ano. Na cidade paulista de Monte Alto, a Fugini produz doces em calda, geléias, marmeladas e goiabadas.
Instalada há 40 anos em Treze Tilias (SC), a Incotril começa em julho a operar suas linhas de produção de milho doce e ervilha em conserva. Em dezembro, inicia a produção de pepino e mais adiante, em data indefinida, a de atomatados. Serão R$ 8 milhões de investimentos, dos quais R$ 5,5 milhões de recursos próprios e R$ 2,5 milhões do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO). \”Vamos gerar 60 empregos diretos no início das operações e dobrar as vagas quando começarmos a produção de pepino em conserva. A matéria-prima virá da agricultura familiar, que estamos fomentando\”, diz.
Oscar Augusto Weschenfelder, principal dirigente da empresa. Com as indústrias aquecendo as turbinas, o setor de comércio e serviços de Cristalina se prepara para as oportunidades que surgirão. Em março, o Sebrae se instalou na cidade e houve mais de 400 atendimentos em menos de três meses. Além de capacitar os microempreendedores, outro desafio será capacitar também a mão de obra para as usinas, afirma Adriane Silveira, da Agielrh, de Luziânia, que está auxiliando as empresas no recrutamento de pessoal na região.