Miguel Conde
Até agora, o grande não-acontecimento literário de 2007 foi o centenário de Marques Rebelo.
À exceção de uma exposição na Academia Brasileira de Letras — instituição que ele ironizou e mais tarde integrou — e de uma aulaespetáculo dedicada a ele por Ariano Suassuna, não se sabe de nenhuma iniciativa para lembrar os cem anos de nascimento do escritor, que se completaram no dia 6 de janeiro.
Crítico de música, cinema e artes plásticas, diretor de rádio, cronista, poeta, contista, romancista e torcedor do América, Rebelo era um homem baixinho e agitado. Grande bebedor de café, era bom contador de casos (o médico de Drummond receitou ao poeta visitas regulares ao amigo como antídoto contra sua casmurrice gauche) e ainda melhor escritor. Elogiado por Mário de Andrade, Álvaro Lins e Otto Maria Carpeaux, admirado pelo rabugento Graciliano Ramos, foi reconhecido como um renovador do romance urbano carioca, na linhagem de Manuel Antonio de Almeida, Lima Barreto e Machado de Assis. Desde sua morte em 1973, porém, o interesse por sua obra diminuiu.
— Ao longo das três últimas décadas ele foi desaparecendo, o que é lamentável, porque ele é um escritor muito importante, principalmente na fixação de tipos e costumes da cidade — diz Maurício Azedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa, que procura apoios para fazer uma homenagem ao autor ainda este ano.
O jornalista Luciano Trigo, autor de um perfil de Rebelo publicado em 1996 pela Relume Dumará, arrisca sua explicação para o ostracismo do escritor.
— Seu foco principal era a gente simples da Zona Norte e a classe média em formação, às voltas com as mudanças de valores e costumes provocadas pelo crescimento da cidade.
É um escritor que, infelizmente, saiu de moda. Talvez por retratar um Rio no qual o leitor não se reconhece mais — opina.
Apesar disso, ainda há títulos de Rebelo nas livrarias, em boa parte graças à sua adoção em cursos escolares e universitários. A Nova Fronteira edita sete: “Marafa” (1935); “A estrela sobe” (1939, geralmente considerado o melhor livro do autor); “O simples coronel Madureira” (1967); os três livros de seu projeto inconcluso O Espelho Partido, “O trapicheiro” (1959), “A mudança” (1962), e “A guerra está em nós” (1968); e “Contos reunidos”, uma seleção de histórias originalmente publicadas em diversos livros. A Ediouro tem uma edição paradidática de “A estrela sobe” e a Global, uma coletânea de contos e outra de crônicas, esta com um estudo introdutório do professor da PUC-Rio Renato Cordeiro Gomes.
Em 55 verbetes, olhar cáustico e amoroso sobre a cidade Muita coisa está fora de catálogo.
No acervo pessoal de Rebelo, hoje sob a guarda do amigo Antônio Fernando Bulhões de Carvalho, há contos, dezenas de livros infantis e textos para revistas e jornais que a família do escritor gostaria de ver novamente em circulação. Entre manuscritos revisados à caneta, primeiras edições de seus livros e recortes de reportagens a seu respeito, Rebelo guardou também uma obra fundamental para que se entenda sua relação com a cidade: o “Guia antiturístico do Rio”. Escrito em 1960, numa homenagem satírica e antecipada ao IV centenário do Rio, o guia reúne 55 verbetes em que Rebelo descreve ironicamente a cidade, desde seu brasão (“Dois golfinhos nadando em seco, com a divisa: ‘Vai levando’”) até seu clima (“Leviano”). É um inventário ao mesmo tempo cáustico e amoroso (às vezes atualíssimo) das mazelas cariocas, que o autor publicou numa série de 14 colunas no jornal “Última hora”, e pretendia transformar em livro. A lápis, o ilustrador Nássara chegou a fazer um rascunho da capa (acima, no detalhe) e de várias passagens, que também está no acervo de Rebelo, mas o projeto não foi adiante.
— O guia tem essa combinação de ternura e sarcasmo que é característica da obra dele — diz Renato Cordeiro Gomes.
Em homenagem aos cem anos de Marques Rebelo, o Prosa & Verso publica trechos da obra, ilustrados,