29/05/2012
Uva mecânica
Na argentina, a mão de obra escassa faz os produtores de uva abandonar a colheita manual da fruta. No Brasil, a mesma máquina colherá café
Aos pés da Cordilheira dos Andes, na Argentina, as videiras da região de Mendoza produzem 70% da uva colhida no país. Nesta safra, estão sendo tiradas do campo dois milhões de toneladas da fruta, para produzir 1,4 bilhão de litros de vinho. Em 2011, o país faturou US$ 847,6 milhões com as exportações de 318 milhões de litros, 15% a mais que em 2010. A Argentina é o segundo maior exportador mundial da bebida e aos vinhos do país não têm faltado compradores. O que tem sido cada vez mais escasso, nos últimos anos, é a mão de obra para colher a fruta do pé.
Por isso, as grandes vinícolas estão investindo em máquinas pesadas, que podem substituir até 100 trabalhada res na lavoura da uva, para realizar o mesmo trabalho. “Para os vinhos mais exclusivos, a colheita permanece manual, mas, para a grande produção, a tendência é de mecanização total”, diz Edgardo Del Popolo, gerente de operações da marca Doña Paula, em Lujan del Cuyo, que pertence ao segundo maior grupo chileno de produção de vinhos, o grupo Santa Rita, dono de 2,4 mil hectares de parreirais. Na Argentina, são 700 hectares para a produção de sete milhões de litros de vinho, dos quais 95% são exportados. A mecanização já chegou a 75% da lavoura colhida entre fevereiro e maio e deve avançar nas próximas safras. Hoje, uma máquina e 60 pessoas dão conta da colheita. “Mas vamos comprar mais uma máquina em 2013 porque as pessoas estão saindo do campo e indo trabalhar nas cidades”, diz Del Popolo. “Não há mão de obra que dê conta do serviço.”
Na Argentina, há cerca de 30 máquinas em operação para colher uva, das quais 28 estão operando na província de Mendoza. A americana New Holland detém quase todo esse mercado, importando os equipamentos de sua subsidiária francesa. Luis Poeta, gerente de território da empresa na Argentina, diz que apenas três máquinas no país são de marcas concorrentes. A onda da mecanização por falta de mão de obra é um processo recente no país. “Das 30 máquinas em operação, 11 foram vendidas no ano passado”, afirma Poeta. “A urgência das vinícolas em resolver a falta de mão de obra está elevando nossa previsão de vendas para mais 30 máquinas nos próximos dois anos.”
As máquinas mais antigas começaram a ser usadas na colheita da uva, na década de 1990, mas somente nos últimos anos elas se modernizaram a ponto de ganhar a simpatia dos produtores. “Os estudos mais aprofundados foram para melhorar as partes da colhedeira que puxam os bagos do cacho de uva”, diz Poeta. “Essa tecnologia faz toda a diferença para elevar o padrão do produto final.”
Agora, a New Holland quer transferir a tecnologia da colheita de uva para o café cultivado no Brasil. “Os engenheiros têm trabalhado na adaptação da máquina e ainda neste ano as vendas devem começar no País”, diz Poeta. Uma dessas máquinas já adaptadas para o café foi apresentada no início de maio, durante a Agrishow, em Ribeirão Preto (SP).
A empresa acredita que a máquina possa servir aos produtores de café de áreas planas e mecanizáveis, como as do Cerrado Mineiro, região que abrange 55 municípios localizados no Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro e Noroeste de Minas Gerais, nas quais são colhidos cinco milhões de sacas do grão por ano; as da Bahia, que têm produzido uma média de 2,5 milhões de sacas por ano; e até as de Mato Grosso, que produzem pouco mais de 170 mil sacas, mas estão à espera de tecnologias mais avançadas para deslanchar na produção.
No Brasil do café, assim como na Argentina da uva, a mecanização pode ser adotada onde há a possibilidade de trabalho em larga escala. Na Argentina, por exemplo, apenas produtores com áreas de colheita superiores a 350 hectares por safra vêm desembolsado US$ 380 mil em uma colhedeira. Ou investidores que têm visto na mecanização terceirizada uma oportunidade de negócio. É o caso do empresário Tomas Sanchez, dono de hotéis em Mendoza, cidade turística que recebeu no ano passado 2,4 milhões de pessoas para conhecer seus vinhedos. Sanchez montou a empresa GSR Agronegócio e comprou unia máquina em 2011, outra neste ano e vai adquirir mais uma em 2013, para trabalhar 24 horas durante três meses no ano, de fevereiro a abril. Ele cobra dos produtores até US$ 600 por hectare colhido, mais o combustível. “Em quatro anos, a máquina se paga”, diz Sanchez. “Nesta safra, estamos trabalhando para 30 produtores que têm áreas de 25 a 30 hectares de parreirais.” Segundo ele, embora a GSR Agronegócio tenha colhido uva para grandes vinícolas, no ano passado, seu foco são os pequenos produtores que não têm condições financeiras de investir numa colhedeira.
Um dos grandes produtores atendidos em 2011 pela GSR foi a bodega Catena Zapata, dona de sete vinícolas que cultivam 1,8 mil hectares de uvas, dos quais 700 hectares estão mecanizados. A Catena Zapata já investiu na compra de duas máquinas, que até o ano passado eram arrendadas. Para Luis Reginato, engenheiro de uvas da empresa, a mecanização não é um processo fácil. “Os vinhedos são pouco mecanizáveis e precisam ser preparados para receber a máquina”, diz. “Nos mais antigos, os espaçamentos entre uma linha e outra não permitem a entrada da máquina.” Mas nos parreirais mais jovens a mecanização total é uma questão de tempo. Desde 2003, a Catena Zapata, um dos nomes mais estrelados da vinicultura argentina, tem investido em máquinas para poda e desbrota dos parreirais. “As contas têm mostrado que nas áreas com colheita de seis mil quilos de uva por hectare já é mais barato colher com máquina do que com gente”, diz Reginato.
Outra grande vinícola que está adotando as máquinas é a bodega Trapiche, do grupo Peña Flor. A empresa cultiva três mil hectares de uvas e processa 150 milhões de quilos de uvas, entre cultivo próprio e de terceiros, para produzir 120 milhões de litros de vinho, dos quais 50% são exportados para 60 países, entre eles o Brasil. De acordo com o engenheiro agrônomo Guillermo Yaciofano, a mecanização dos vinhedos faz parte de um projeto amplo de tecnificação da produção. “Há oito anos começamos a adotar as técnicas da agricultura de precisão, com toda a área de plantio monitorada”, diz Yaciofano. O ‘georreferenciamento e as imagens de satélite por infravermelho dão à empresa um mapa das condições de solo, da fertilidade, do uso da água, e do amadurecimento da uva e do seu vigor. “Nossas pesquisas estão mostrando que é preciso usar a tecnologia não só para colher, mas para produzir melhor”, diz Yaciofano. A Trapiche trabalha com uma colhedeira, mas a intenção é ter três máquinas no campo a partir de 2013.