Quase um ano e meio antes de anunciar o investimento de R$ 220 milhões na fábrica de cápsulas de Nescafé Dolce Gusto, que inaugura hoje em Montes Claros (MG), a multinacional suíça Nestlé já estava trabalhando para garantir a matéria-prima para a nova unidade.
Em julho de 2013, a empresa começou a se movimentar para assegurar a oferta de café e identificar no Brasil algumas variedades do grão que estão sendo utilizadas para compor os blends e produtos fabricados em Montes Claros. Até agora, os produtos Nescafé Dolce Gusto comercializados no país eram importados já encapsulados de unidades da marca na Inglaterra, Espanha e Alemanha.
Nas fábricas europeias da Dolce Gusto, 65% do café utilizado nos blends é de origem brasileira (arábica natural e conilon) e o restante de países como Vietnã, Colômbia, Etiópia e Quênia. Mas o objetivo, na fábrica brasileira, é a nacionalização da matéria-prima, diz Pedro Malta, gerente agrícola de cafés da Nestlé.
Até porque o Brasil ainda impõe restrições à importação de café verde de outros países. A própria Nestlé, aliás, solicitou autorização para importar grão arábica verde da Etiópia, mas a aprovação depende da área técnica do Ministério do Agricultura, que faz atualmente a análise de risco de pragas do café etíope.
Como as cápsulas de café fabricadas em Montes Claros precisam ter as mesmas características (sabor e aroma, por exemplo) que as produzidas nas outras unidades Dolce Gusto da Nestlé, a empresa começou, em 2013, a buscar cafés brasileiros que pudessem substituir grãos de outras origens, como o robusta do Vietnã e o arábica lavado da Colômbia.
Para encontrar os substitutos nacionais, a Nestlé desenvolveu uma rede de fornecedores nas regiões onde já compra café no Brasil. O robusta vietnamita foi substituído pelo conilon do Espírito Santo e o arábica lavado colombiano por arábica brasileiro produzido nas regiões de chapadas e do Cerrado de Minas Gerais.
O processo teve três fases, como explica Pedro Malta. Em 2013, a empresa solicitou, no mercado, amostras de cafés que pudessem atender às suas necessidades. Então, em 2014, um grupo de técnicos e consultores foi a campo para orientar produtores e garantir a oferta de cafés com características semelhantes às do que estão sendo substituídos.
Para o conilon, “foi necessário fazer a padronização da peneira (tamanho do grão), da cor [do grão] e do perfil sensorial”, explica Malta. Nesse último quesito, significa um café “livre de sabores indesejados, como terra, mofo e fumaça”, e com notas de cereais.
No caso do arábica, houve o desenvolvimento de técnicas de lavagem de café, já que alguns produtores que hoje estão fornecendo o arábica lavado para Nestlé ainda não utilizavam a prática. De acordo com Malta, foi adotada metodologia de lavagem de café desenvolvida no leste da África. Naquelas propriedades onde a prática já existia, houve ajustes no tempo de lavagem, por exemplo.
Além da questão da lavagem – no pós-colheita -, também houve ajustes na colheita do arábica. Uma requisito, observa Malta, é a colheita de maior percentual de café na fase cereja (vermelho). Entre as características sensoriais, nesse caso, estão alta acidez e notas de frutas.
O gerente agrícola de cafés da Nestlé diz que o trabalho foi focado em algumas variedades tradicionais de arábica, como a Mundo Novo e a Catuaí. Mas variedades “mais recentes” da espécie também estão sendo utilizadas, como a Catiguá MG2 e Catiguá MGS Paraíso.
Neste ano, depois da fase de desenvolvimento da rede de fornecedores, a Nestlé voltou às mesmas regiões – que começaram a produzir em escala comercial os grãos requisitados – para iniciar as aquisições de cafés.
Com a nacionalização da matéria-prima, a Nestlé terá um custo total de aquisição menor do que se comprasse cafés estrangeiros, observa Malta. “É mais interessante ter matéria-prima nacional”, reafirma. Mas a redução de custos não é a única vantagem. Segundo ele, o “desenvolvimento de produtos no Brasil abre a oportunidade para as compras desses cafés pelas fábricas da Nestlé na Europa”.
A estratégia da Nestlé em sua fábrica Nescafé Dolce Gusto do Brasil foi reduzir “a complexidade” dos blends, afirma Malta. Além dos grãos do Vietnã e da Colômbia, outro excluído foi o arábica queniano, também substituído pelo lavado brasileiro. Assim, neste momento, 100% do café usado pela Nestlé nos blends é brasileiro.
E o trabalho de pesquisa para substituir outros grãos importados continua. Atualmente, a Nestlé busca cafés com características para substituir o café verde etíope lavado. “Tentamos encontrar um café com perfil sensorial parecido com o arábica lavado da Etiópia”, diz Malta. Entre as características estão a acidez e o sabor com notas florais. O foco da Nestlé, nesse caso, é a cidade de Venda Nova do Imigrante, no centro-sul do Espírito Santo.
Inicialmente, na unidade Nescafé Dolce Gusto de Montes Claros serão produzidas quatro variedades de bebidas, mas o número será ampliado gradativamente no ano que vem, segundo a Nestlé. O portfólio da marca tem 21 variedades de bebidas. A fábrica em Montes Claros tem capacidade para produzir 360 milhões de cápsulas por ano.
Valor Economico