Nenhum outro setor está sujeito a índices

3 de setembro de 2009 | Sem comentários Mais Café Opinião
Por: O Estado de S. Paulo

03/09/09 – A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), acha inaceitável que os produtores rurais se submetam a índices de produtividade que não vigoram para nenhum outro setor da economia.


Como vê o esforço que se faz no governo para atualizar o índice de produtividade rural?


Nós somos contra a ideia do índice por princípio. Nos recusamos a ser tratados de forma preconceituosa.


Por que preconceituosa?


Porque nenhum outro setor está sujeito a índices de produtividade. Por que nós devemos ter? Veja o caso do empresário do setor automobilístico. Se ele está produzindo cem automóveis e é atingido por uma crise econômica que reduz as exportações e o mercado interno, ele baixa a produção para 50 automóveis. Ninguém fala nada. Mas o setor rural não pode. Tem que manter a produção e produzir prejuízo, para satisfazer o índice, que é baseado em apenas dois fatores físicos – o tamanho da propriedade e a quantidade de grãos ou de carne que produz. Todos nós sabemos que não é só isso. Tem que analisar área, produção, mercado, crédito, juro, mão de obra, renda. Ninguém pode me obrigar a produzir prejuízo. Qualquer índice teria que utilizar uma análise global da produção.


Assessores do Incra falam em terras improdutivas mantidas como reserva de mercado.


Isso é coisa do passado, de vinte anos atrás. Hoje quem não for produtivo é expulso do mercado em menos de dois anos. Falam isso para obter terra para a reforma agrária, que segue um modelo inadequado para o País. Se, de um lado, fomos competentes para conquistarmos a posição de campeões do mundo em produtividade de grãos, até hoje não fomos competentes para encontrar um modelo adequado de reforma agrária. O que está aí não serve.


A Constituição fala que terras improdutivas devem para a reforma.


De acordo com a Constituição, as propriedades de pequeno e médio porte e as produtivas são insuscetíveis para a reforma. No caso das que não estiverem cumprindo a função social, devem ter apoio especial do governo. O problema está na lei que regulamentou os artigos da Constituição, obrigado o produtor a passar sempre por duas provas, a da produtividade e a utilização da terra. É uma combinação absurda. Se eu tenho mil hectares e a minha produção vai muito além dos índices e da média local, eu posso ser desapropriado se não estiver utilizando exatamente 80% da propriedade. O meu vizinho pode ter uma produção ruim e ficar sem risco de desapropriação se ocupar os 80%.


Na opinião do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, os políticos que defendem os interesses dos proprietários rurais estão criando uma falsa crise em torno da atualização dos índices.


Como o senhor vê a reação do setor ruralista à proposta de revisão dos índices?


Não há razão nenhuma para que os proprietários de imóveis rurais se assustem com uma eventual atualização dos índices. Existe um setor político que defende o setor patronal e fica criando crises falsas, como essa. Digo que é falsa porque, em primeiro lugar, a atualização segue uma determinação legal. Em segundo, porque a terra é um fator econômico limitado. Quando falamos em propriedade rural não é a mesma coisa que uma loja, uma fábrica. Ela tem um limite. E foi pensando nisso que o legislador, na nossa Constituição, estabeleceu que a propriedade rural está subordinada ao cumprimento de sua função social – o que significa que deve ser produtiva e respeitar as legislações trabalhista e ambiental. Se não for, ela pode ser desapropriada e destinada para a criação de reservas ambientais, para áreas indígenas, reforma agrária.


Um índice de produtividade maior que o atual não seria uma ameaça para os produtores que não conseguirem cumpri-lo a curto prazo?


O grande desafio da agricultura brasileira está relacionado a problemas de infraestrutura e mercado. Não está ligado a nenhum índice de produtividade. Os números que estão sendo propostos para atualizar o índice, conforme determina a lei, e que só devem vigorar a partir de 2010, se houver mudança agora, estão bem abaixo do que já se produz hoje. No município de Sorriso, no Mato Grosso, o índice de produtividade de soja que está em vigor fala em 1200 quilos por hectare. Na safra de 2006/2007, os produtores chegaram a 3.062 kg/h. O que está sendo proposto para 2010 é 2.040 kg/ha, bem abaixo da média, portanto. Isso se repete em todos os setores.


A que o senhor atribui, então, essa reação tão forte?


Estão se aproveitando dessa determinação legal para gerar crise e assim ganhar poder de barganha em outras questões, como, mais uma vez, as renegociações das dívidas. Não existe, como querem deixar marcado nos debates, uma caça às bruxas. Quem teme a atualização é quem usa a terra só como reserva de valor, sem se preocupar com a função social. Quem estiver produzindo minimamente e cumprindo a legislação trabalhista e ambiental não deve ter receio nenhum. Os que se opõem à atualização são os que defendem o atraso em vez da modernidade. 

Mais Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.