Compra de grãos do Vietnã foi autorizada, diz pasta da Indústria; governo do ES contesta
Publicado em 09/05/2017 – O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) anunciou, nesta terça-feira, que o governo brasileiro autorizou a importação de café Conilon verde produzido no Vietnã, medida que prejudica agricultores do Espírito Santo e atende à longeva pressão da indústria de café solúvel.
Só que o governo capixaba e o deputado federal Evair de Melo (PV) desmentem essa informação, uma vez que o próprio presidente Michel Temer (PMDB-SP) acolheu apelos de autoridades capixabas e suspendeu, no final de março, o processo de autorização para compra de grãos no exterior. A cadeia produtiva capixaba é fortemente prejudicada com a entrada do produto.
“O MDIC esclarece que recebeu pedidos de importação de café Conilon produzido no Vietnã, por meio de drawback, devido ao não aparecimento de interessados em vender o produto nos dois leilões privados realizados pela Conab no dia 22 de março. Ficou definido que as empresas de café solúvel não poderão importar volumes superiores a 500 mil sacas, o que representa menos de 5% da produção nacional, de forma a complementar a oferta interna”, afirma a pasta.
> Ministro promete barrar importação de café
A nota foi divulgada horas após ministro da Indústria, Marcos Pereira, dizer, numa entrevista coletiva de balanço de um ano à frente do ministério, que foram aprovados, até o momento, quatro pedidos de ato concessório de drawback visando à importação do café verde, com posterior exportação do café solúvel beneficiado (o drawback não permite consumo no mercado interno). Isso, conforme o MDIC, representa 353,6 toneladas (equivalentes a 5.893 sacas de 60 kg). Procurado à noite e indagado sobre a contestação de representantes do Espírito Santo, o MDIC manteve a informação do ministro.
Ainda segundo a pasta, embora as autorizações para o uso do drawback já estejam ocorrendo, na prática ainda não houve importação efetiva de café verde no Brasil, “ou seja, nenhuma saca de café Conilon chegou a ser desembarcada em solo brasileiro”.
Acordo ameaçado
Ligado ao setor cafeeiro, Evair de Melo chama de “insana” a declaração do ministro da Indústria. O deputado pediu que o governador Paulo Hartung (PMDB) entre novamente na briga e soltou uma nota de esclarecimento. Evair também disse que Pereira estava na reunião em que Temer recebeu a bancada e barrou a importação.
“É imprescindível deixar explícito o nosso repúdio ao comunicado do ministério da Indústria. Esse assunto foi desautorizado formalmente pela Presidência da República no último dia 23 de março. Apesar das inúmeras tentativas do setor produtivo cafeeiro do Brasil de demonstrar que a produção e o estoque de café nacional são suficientes para atender a demanda industrial, mesmo assim, atraídas pelos baixos preços oferecidos pelos produtores estrangeiros, as indústrias continuam a luta para importar café, sem medir as consequências extremamente danosas que a importação causará aos produtores brasileiros”, frisa Evair.
> Temer decide barrar importação de café
Por sua vez, o secretário estadual de Agricultura, Octaciano Neto, que estava a agenda no interior, também manifestou surpresa com a nota do MDIC. “Está todo mundo atrás da mesma informação, fazendo a mesma pergunta. Essa nota começou a circular pelos grupos de Whatsapp. Liguei no MDIC, conversei com o secretário-executivo, e ninguém sabe de onde o ministro tirou isso. Não há nenhum documento oficial, reunião ou ata sobre importação de café, a menos que apareça um decreto amanhã. Parece mais um bate-cabeça deste governo, como foi a medida de suspensão da pesca no Espírito Santo”, critica o secretário.
Em março, o voto favorável à importação do ministro da Agricultura, Blario Maggi, seguia para a Câmara de Comércio Exterior (Camex) quando Temer suspendeu as tratativas. É que a Camex, novamente subordinada ao MDIC depois de curta vinculação ao Itamaraty no atual governo, delibera sobre tais pedidos.
Conforme Octaciano, a menos que tenha havido reuniões praticamente sigilosas, não há informação de que a Camex tenha liberado a importação de grãos. “Não há nada oficial além desta nota”, reitera o secretário.Procurada pela reportagem, parte da bancada federal também foi pega de surpresa, mas não deu retorno à reportagem.
Pressão crescente
Na verdade, a autorização para importar Conilon foi admitida pelo ministério da Agricultura no final do ano passado, mas foi suspensa até o levantamento final do estoque existente no país. O método de contagem de sacas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi rejeitado pelo Espírito Santo, que argumentou ter reservas muito maiores. Para ser liberado, o processo precisa de aval da Câmara do Comércio Exterior (Camex), órgão vinculado ao MDIC.
O deputado governista Lelo Coimbra (PMDB) chegou a criticar a postura do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que liberou a importação em março. “Ao receber nosso documento provando que o mercado nacional tem oferta, uma hora depois ele anunciou o documento de importação de 250 mil sacas. Se querem cobrir déficit de 2 milhões de sacas, essa quantidade não supre, mas trata de influenciar o mercado para reduzir o preço do café nas mãos do agricultores”.
Segundo o governo capixaba, o Espírito Santo é responsável por 78% da produção nacional do café Conilon, principal atividade de renda de 80% das propriedades rurais capixabas em terras quentes. O grão também representa 35% do Produto Interno Bruto (PIB) agrícola do Estado e gera em torno 400 mil empregos direitos e indiretos.
Reação no Senado
Em paralelo, ressaltando a decisão equivocada e o desdobramento social desastroso da importação para os Estado, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) protocolou, em março, um projeto no Senado anulando autorizações para a importação de café.
“O maior risco está na introdução de quase uma dezena de pragas ainda desconhecidas no país, como a mal-do-panamá e a striga. Além disso, a concorrência dos volumes importados desfavorece os produtores capixabas, que estão submetidos aos rigores das leis trabalhistas e fitossanitários”, reiterou Ferraço.
Para o deputado Evair de Melo, os argumentos da indústria não se sustentam porque números da própria Conab estimam que a safra atual terá produção entre 43 a 47 milhões de sacas. “Previsão satisfatória, otimista! Com uma previsão destas, é ainda mais absurdo importar café. Estamos em plena safra”.
Conforme o parlamentar, o que fica claro é a estratégia de importar café “a qualquer custo”: “Estranho foi a indústria antes falar que o país não tinha volume de café, e agora diz que o problema é o preço do café aqui. Começaram falando de aroma e sabor; depois disseram que o país deveria fazer acordo comercial; depois, que não tinha grão suficiente.”