18 de abril de 2012 | 22h 16
Mestrado em café? Sim, fica em Trieste, na Itália, para onde o ‘Paladar’ foi e encontrou cinco brasileiros na sala de aula que reflete a transformação pela qual passa o café. Ele está deixando de ser grão e virando bebida de desejobusca no paladar
Jamil Chade | Paladar – O Estado de São Paulo
TRIESTE – Mil e quinhentos compostos químicos diferentes, 115 fatores externos a serem considerados, 50 grãos, 25 segundos de preparação e uma xícara de expresso. Eis que o café se tornou uma equação complexa. Deixou de ser simples grão, mera infusão. E passa por transformações que têm levado à proliferação de estudos, cursos, escolas. Inclusive à criação do primeiro mestrado do mundo na área, na Itália, que o Paladar conheceu de perto.
Produtores, especialistas e agrônomos vêm gastando milhões de dólares para desvendar a ciência do café perfeito, num movimento patrocinado por empresas globais em busca de uma revolução no consumo.
Falando assim, parece que as revoluções do café são recentes. Mas elas vêm de longe. A mitologia aponta que seus benefícios foram notados primeiro na Etiópia, por pastores que perceberam comportamento diferente das cabras ao comer o fruto. O café teria desembarcado na Península Arábica no século 13 como bebida. Antes, foi alimento, um tipo de vinho e até remédio.
Hoje, depois de ganhar o mundo e se globalizar, passa por uma nova revolução. Nunca se conheceu de forma tão profunda o café, graças a investimentos pesados para decifrar o DNA da planta e ao desenvolvimento de dezenas de produtos relacionados. A nova fase não é apenas uma mudança espontânea no gosto do produto e na forma de apreciá-lo. Faz parte de uma estratégia de empresas de porte global para incrementar o valor do café e afastá-lo cada vez mais da classificação de commodity.
Além das pragas na plantação, um dos grandes inimigos dos cafeicultores é a oscilação de preços, uma característica intrínseca das commodities. Dezenas de tentativas já foram feitas por governos desde 1902 para coordenar a produção mundial e estabilizar os preços, na maioria das vezes, sem sucesso.
Agora, o mundo do café parte para uma nova empreitada: a transformação da experiência para o consumidor. E, para isso, o setor começa a formar novos produtores, novos gerentes e novos consumidores. “Queremos desenvolver uma nova cultura do café”, explicou ao Paladar Roberto Morelli, diretor da Fundação Ernesto Illy, ligada à Illy – uma das gigantes do mundo no setor. “O consumidor quer cada vez mais saber o que está na xícara e estamos num processo de criar consciência sobre a qualidade do produto.”
Fundamental nesse processo tem sido a explosão e transformação no perfil dos cafés pelo mundo. Inclua-se aí a chegada da Starbucks a continentes onde o café não era um elemento da cultura local; a venda de cápsulas da Nespresso; e a imagem do café como um produto jovem e sofisticado.
No cafezal. A transformação, porém, passa por uma mudança profunda, com cada vez mais escolas destinadas a garantir a qualidade máxima do grão. Uma delas é a da italiana Illy, em Trieste. O Paladar visitou o primeiro mestrado destinado a formar uma nova geração de especialistas, com conhecimento de ponta de todas as áreas ligadas ao café, da fazenda ao marketing.
A Illy foi a mesma que, em 1935, criou a máquina que seria a precursora do café expresso. Hoje, 10 mil alunos já passaram pelas Universidades do Café financiadas pela empresa em locais como São Paulo, Cairo, Europa e Ásia, sem contar a elite dos estudantes, que estão no mestrado.
O investimento não é só pelo bem da ciência. Para garantir uma nova fase para o consumo, empresas passaram a ter de educar produtores de todo o mundo para que forneçam grãos da mais alta qualidade. As escolas, portanto, são instrumentos para garantir que, em alguns anos, a oferta de grãos de alta qualidade esteja garantida, facilitando o desafio de “descomoditizar” o café.
Oficialmente, o café pertence à família Rubiaceae, com mais de 70 espécies. Mas só três delas têm valor no mercado. Agora, estudam as outras 67 variedades, que poderiam ser vendidas de outra forma, até como café naturalmente descafeinado.
A Illy, assim como suas concorrentes, criou laboratórios para estudar o café, com biologia molecular, percepção sensorial e alta tecnologia. E neles investigou a receita da xícara perfeita. “É como a receita da Coca-Cola”, compara Andrea Appelwick, gerente de projetos, ao mostrar a fábrica à reportagem, em uma visita que mistura cheiro de café e de óleo de máquina.
Na busca do café dos sonhos, a Illy adotou um sistema de controle de qualidade rígido. Afinal, os técnicos indicam que 50 grãos de café são necessários para um expresso. Mas insistem que basta um grão inadequado para arruinar tudo.
Cada produtor tem seus lotes testados por pelo menos oito processos diferentes. E, se não bastasse, o café passa por seu teste mais duro: a prova dos sommeliers do café, uma nova casta que ganha prestígio cada vez maior.
Empresários dizem que, ao segmentar o mercado do café, estão diferenciando o café de uma simples bebida. E afirmam também estar abrindo uma nova era para um produto milenar.